Nenhuma das trocas ministeriais visa a melhorar a administração. Prestaram-se somente a aplacar as neuroses do presidente e a saciar os apetites da família Bolsonaro, além da voracidade do Centrão. Editorial do Estadão:
A
anunciada substituição dos comandantes do Exército, da Marinha e da
Aeronáutica foi o desdobramento natural da resistência da cúpula das
Forças Armadas à pretensão do presidente Jair Bolsonaro de aliciá-la
para propósitos autoritários.
O
comando militar vem agindo patrioticamente e em respeito à
Constituição, que confere às Forças Armadas o papel de instituição de
Estado, e não de governo, a despeito das inúmeras tentativas de
Bolsonaro de transformá-las em guarda pretoriana.
Seria
inaceitável humilhação, para a corporação militar, submeter-se aos
caprichos desvairados de um ocupante temporário da Presidência. Já basta
o papel vergonhoso desempenhado no Ministério da Saúde pelo general da
ativa Eduardo Pazuello, que, como se fosse um recruta, se empenhou
obedientemente em cumprir as ordens estapafúrdias de Bolsonaro.
A
grave crise foi a culminação de uma reforma ministerial atabalhoada,
que mostra um governo submetido ao mandonismo de um presidente que,
inseguro sobre sua capacidade, se imagina cercado de inimigos por todos
os lados. Ele só confia nos filhos e naqueles desqualificados que lhe
prestam obsequiosa vassalagem.
Fernando
Azevedo, por exemplo, foi demitido sumariamente do Ministério da Defesa
porque, em suas palavras, preservou “as Forças Armadas como
instituições de Estado” – algo inadmissível para Bolsonaro, que sempre
se referiu ao Exército como “meu Exército”. Para seu lugar, Bolsonaro
escolheu Walter Braga Netto, outro general da reserva, que estava na
Casa Civil e é conhecido no meio militar como um disciplinado cumpridor
de missões.
Assim
como a mudança na Defesa, nenhuma das trocas ministeriais anunciadas
nos últimos dias visa a melhorar a administração federal. Prestaram-se
somente a aplacar as neuroses do presidente e a saciar os apetites da
família Bolsonaro, além da voracidade do Centrão. Os novos ministros das
Relações Exteriores, Carlos França – que nunca chefiou uma Embaixada –,
e da Justiça, Anderson Torres – delegado da Polícia Federal –, têm como
principal credencial a proximidade com os filhos do presidente. Já a
nova ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda (PL-DF), deputada
de primeiro mandato, só foi colocada ali para ser despachante dos
interesses do Centrão, dispensando-se intermediários.
Com
exceção do extravagante diplomata que chefiava o Itamaraty e foi
substituído por pressão de quase todo o Congresso, perderam o emprego no
governo Bolsonaro justamente aqueles que, como o ex-ministro da Defesa,
se recusaram a avalizar a truculência do presidente.
Foi
o caso de José Levi, demitido da Advocacia-Geral da União porque se
negou a assinar a ação que Bolsonaro encaminhou ao Supremo Tribunal
Federal para questionar as medidas de distanciamento social adotadas por
governadores de Estado contra a pandemia de covid-19. A atitude de Levi
levou Bolsonaro a assinar ele mesmo a petição, o que foi considerado
como “erro grosseiro” pelo ministro Marco Aurélio Mello ao rejeitar a
ação no Supremo.
Levi
foi substituído por André Mendonça, que estava no Ministério da Justiça
e ali foi fidelíssimo cumpridor de ordens de Bolsonaro, a quem já
chamou de “profeta”. Para o lugar de Mendonça, Bolsonaro escolheu um
amigão de Flávio Bolsonaro. Fica tudo em família.
Muito
se dirá sobre quem ganha mais com as mudanças, mas certamente só há um
perdedor: o cidadão brasileiro, em nome de quem todos em Brasília dizem
trabalhar. Enquanto Bolsonaro brinca de césar, o Centrão, senhor de fato
do governo, patrocina um Orçamento criminoso, que ignora despesas
obrigatórias como se não existissem e distribui dinheiro à farta para
emendas parlamentares. Não por acaso, a presidente da Comissão Mista de
Orçamento era justamente a deputada Flávia Arruda, apadrinhada do
presidente da Câmara e prócer do Centrão, Arthur Lira, e que agora é a
ministra encarregada da articulação política do governo – ou do Centrão,
o que dá no mesmo.
Tudo
isso em meio a uma pandemia que já matou mais de 300 mil pessoas e a
uma gravíssima crise econômica. Parte de Brasília está entregue a
golpistas delirantes e a velhacos. Está claro que os brasileiros só
podem contar consigo mesmos.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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