Emmanuel Macron não está bem na avaliação popular e a falta de controle sobre a pandemia é o fator que mais pesa contra ele. Vilma Gryzinski:
Proporcionalmente
ao tamanho da população, as mortes por Covid-19 na França se equiparam
às no Brasil: 1.447 por milhão de habitantes, contra 1.462.
Muitas
outras circunstâncias são, obviamente, incomparáveis. A França tem um
PIB per capita de país rico, 45 mil dólares, e um serviço público de
saúde muito mais equipado.
As
outras coincidências se devem à natureza tristemente igualitária da
pandemia que já matou cem mil pessoas em território francês.
Emmanuel
Macron é acusado de privilegiar a economia sobre a saúde, e
criticadíssimo por não ter decretado um segundo lockdown em escala
nacional em janeiro, quando a onda de inverno do vírus já se mostrava
altamente perigosa.
O
ritmo da vacinação é exasperantemente lento, como em outros países da
União Europeia, rondando os 10%. Se não for acelerado, os franceses vão
esperar mais 62 dias para vacinar outros 10%. Macron lançou um plano
para acelerar a imunização.
Como
o bom exemplo em matéria de vacinação vem da Grã-Bretanha, com 50% da
população adulta vacinada, os franceses têm que amargar a exultação dos
aliados que amam desprezar, principalmente depois do Brexit. Ontem em
Londres, por exemplo, nem uma única pessoa morreu de Covid-19.
Com
a região de Paris e mais quinze departamentos em lockdown que não pode
ser chamado, oficialmente, de lockdown, num exercício de ginástica
linguística para que o governo não dê o braço a torcer, a situação nas
UTIs é preocupante.
“Nós
seremos obrigados a fazer triagem dos pacientes”, avisaram 41
intensivistas da região de Paris no Journal du Dimanche, usando o termo
médico para a decisão entre quem recebe atendimento de UTI e quem fica
de fora.
“Nos
próximos quinze dias, com os contágios que já aconteceram, temos quase
certeza sobre o número de leitos de cuidados intensivos que serão
necessários e sabemos desde já que nossa capacidade de provê-los serão
ultrapassadas ao fim desse período”, alertaram os médicos.
“Vai ser o caos”, disse, mais dramaticamente, Catherine Hill, epidemiologista de um hospital parisiense.
Como
muitos outros críticos, ela acha que o governo errou ao não ouvir os
especialistas e decretar um lockdown em janeiro, acusando Macron de
seguir uma “estratégia da morte”.
“Posso
reafirmar que não temos um mea culpa a fazer. Não tenho arrependimento
nem vou fazer nenhuma admissão de fracasso”, teimou Macron na semana
passada.
Com
um estilo imperioso que ele mesmo denominou de jupiteriano, o
presidente francês sofre da síndrome do geniozinho: como tem
inteligência excepcional e domina fatos com a rapidez de uma máquina de
raciocinar, acha impossível errar, mesmo quando as evidências apontam
para o lado contrário.
Como
ganhou quase miraculosamente a eleição presidencial de 2017, saindo do
nada e concorrendo com um partido tirado do bolso do terno – sempre
impecável, um produto da alfaiataria parisiense Jonas et Cie -, a
síndrome do sabe-tudo ficou mais acentuada ainda.
Macron enfrenta nova eleição no ano que vem e sabe que sua atuação na pandemia será o ponto fulcral da campanha.
Atualmente, ele tem 37% de avaliação positiva, contra 60% do outro lado da balança.
Num segundo turno que, previsivelmente, vai repetir 2017, ele teria 52% dos votos, contra 47% para Marine Le Pen.
É
uma diferença notavelmente mais apertada do que a registrada na
primeira eleição presidencial, quando a rejeição à candidata, saída de
um partido que compartilhava tudo o que existe de pior na extrema
direita na época de seu pai, resultou em 66% dos votos para Macron e 34%
para ela.
É
impossível não ligar a decisão macroniana de rejeitar o lockdown no
começo do ano às pesquisas que indicavam que a opinião pública não
queria uma nova quarentena coletiva.
Mas
é difícil entender medidas como o toque de recolher a partir das seis
da tarde, redundando em aglomerações nos transportes coletivos e no
comércio de alimentos – exatamente o tipo de coisa que mais se quer
evitar numa pandemia.
O
horário já mudou, para 19 horas, mas os contágios continuam a crescer,
passando de 40 mil por dia no momento, o que mantém o número de mortos
num patamar que não cai.
“Como
classificar um governo que decide deliberadamente deixar morrer quase
300 de seus compatriotas por dia, mesmo que pudesse evitar isso?”,
espetou a revista Marianne, disparando contra Macron a surrada acusação
de ser “um presidente neoliberal que administra (mal) o país como um
gerente, e não como dirigente político que serve ao interesse nacional”.
Espancado
sistematicamente pela esquerda, que virou pó na última eleição e
procura se rearticular, dividida como sempre, Macron procura espaços à
direita tradicional.
É
possível que a pandemia tenha um impacto eleitoral bem menor no ano que
vem, quando já estarão absorvidas a morosidade na vacinação e as
pisadas de bola de Macron, como dizer que a vacina da AstraZeneca era
“praticamente não efetiva a partir dos 65 anos”, o que aumentou a
relutância de uma parte da população.
Aí
então estarão na linha de frente as consequências econômicas da
pandemia. Muitos especialistas acham que o governo Macron reagiu bem,
criando um bom colchão para amortecer o choque sofrido pelas empresas e
pelos assalariados ou trabalhadores por conta própria .
O
endividamento público francês estará ultrapassando os 120% do PIB, o
maior da zona do euro. Em algum momento, a conta pode começar a ficar
alta demais e nem a competência técnica e política de Macron, que é
altíssima, conseguirá controlar o estouro.
Um
presidente competente, consciente da liturgia do cargo, versado em
praticamente todos os assuntos e menos sobrecarregado pela bagagem dos
políticos tradicionais pode dar errado?
Seria muito triste ver isso acontecer.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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