O presidente quer alinhamento das Forças Armadas institucionais ao seu projeto político, primeiro para defendê-lo de um eventual impeachment, num segundo mandato sabe-se lá para quê. Fernando Dantas para o Estadão:
A
relação de Jair Bolsonaro com as Forças Armadas atingiu um pico de
dramaticidade no início desta semana, com a demissão do ministro da
Defesa, Fernando Azevedo e Silva, substituído por Walter Souza Braga
Netto, que deixou o cargo de ministro-chefe da Casa Civil. Ambos são
generais da reserva.
Todas
as indicações são de que a dispensa de Azevedo e Silva por Bolsonaro
deveu-se à postura do ex-ministro de evitar o atrelamento político das
Forças Armadas ao atual governo.
Em sua nota de despedida, Azevedo e Silva escreveu que preservou “as Forças Armadas como instituições de Estado”.
Para
um cientista social com bastante bagagem em temas militares, Bolsonaro
tenta fazer, bem ao seu estilo, um jogo de trocas muito cru com as
Forças Armadas.
Por
um lado, “deu aos militares tudo que eles queriam”. Muitos cargos no
topo e nos níveis intermediários do governo, reestruturação de carreira,
aumentos salariais e verbas. Também investiu em prestigiar a carreira
militar, com idas frequentes a formatura de cadetes e participação em
cerimônias em geral.
Numa
democracia, frisa o pesquisador, trocas por interesse fazem parte do
jogo. Mas há limites. Carreiras de Estado, como a diplomacia e os
militares, têm suas regras próprias, derivadas da Constituição.
O
que Bolsonaro quer, no entanto, numa concepção regressiva da política
numa democracia, é a subserviência total dos grupos e pessoas cujos
interesses o presidente atende e promove.
O
que o presidente pede das Forças Armadas é aceitação tácita ou, até
melhor, o apoio explícito às suas (de Bolsonaro) ameaças mais e menos
veladas às instituições democráticas.
O
pesquisador frisa que a crise, que tem a ver com a insatisfação de
Bolsonaro com o general Edson Leal Pujol, comandante do Exército, está
ligada ao desejo do presidente de que “as Forças Armadas institucionais”
se alinhem com seu governo.
Não
se trata, portanto, dos oficiais da reserva que já abundam no governo
em cargos de primeiro escalão, ou o pessoal da ativa e da reserva que
ocupa posições intermediárias.
O
objetivo presidencial agora é que o Alto Comando do Exército, Marinha e
Aeronáutica tenha uma adesão de corpo e alma ao projeto político
bolsonarista.
Na
visão do analista, no momento o que move Bolsonaro ainda é o medo de
destituição por impeachment. Num eventual segundo mandato, poderia haver
até uma tentativa de fechamento do regime, seguindo o cronograma de
populistas de extrema-direita em outros países.
Em
relação ao presente, se a crise sanitária, econômica, social e política
atingir níveis muito extremos, o presidente gostaria de constranger o
Congresso e as Forças Armadas a apoiá-lo a implementar o Estado de
Sítio.
Mesmo
que esse cenário não seja iminente, o pesquisador enxerga Bolsonaro
como tentando calcular alguns lances à frente como o jogo vai de
desenrolar.
Em
caso de uma tentativa de impeachment, o presidente gostaria que o
Exército se comportasse como um partido político, como o PT no caso da
destituição de Dilma Rousseff, lutando diretamente contra a medida.
A
diferença é que o PT fez uma luta política, que faz parte da
democracia, enquanto a intervenção do Exército num caso desses tem como
ponto de chegada golpe de Estado ou guerra civil, alerta o especialista.
Mas
mesmo deixando de lado esses cenário mais extremos, Bolsonaro teria
ganhos com a submissão dos militares ao seu projeto político.
Recentemente,
o presidente referiu-se ao “meu Exército”. Para a sua base mais radical
e antidemocrática, um cenário no qual as Forças Armadas intervenham
diretamente na política em favor do projeto bolsonarista é um atrativo a
mais.
O
pesquisador pensa que Bolsonaro não terá êxito em tentar submeter o
Alto Comando das Forças Armadas aos seus desígnios políticos.
O
cientista social fala a partir do seu conhecimento e contatos das
Forças Armadas e das próprias reações dos militares aos últimos
acontecimentos. Como noticia o site do Estadão, os comandantes das três
forças já deixaram claro ao novo ministro da Defesa que não se desviarão
da Constituição.
Mas
existe o risco de sublevações quando se pensa no oficialato
intermediário e nos praças, que, assim como a Polícia Militar, têm um
pendor muito mais ardente para o bolsonarismo.
O
recente episódio na Bahia de um PM morto por seus colegas ao ter um
surto psicótico e começar a alvejá-los, que foi explorado pelo
bolsonarismo como uma heroica resistência à autoridade do governo da
Bahia, Rui Costa, mostra que o País pode estar entrando num terreno
minado. A violência política parece mais próxima do que em qualquer
outro período desde a redemocratização.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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