Ao ficar sabendo da morte de Maradona, a primeira imagem que me veio à mente foi a de um garçom. Sem contar os muitos amigos de infância. Paulo Polzonoff Jr, via Gazeta do Povo:
Não
tenho nada para falar sobre a morte de Maradona a não ser “meus
pêsames”. Que é uma expressão, se você pensar bem, usada quase que no
automático. Pergunte aí para a pessoa ao lado qual o significado de
“pêsames”. Aposto que ela, como eu, correu para o dicionário. Só para
descobrir que também é perfeitamente possível oferecer um único pêsame à
pessoa enlutada.
Para
um cronista, não ter nada para falar é ruim. Mas é bom. Aliás, o que
mais falta hoje no jornalismo é a percepção, logo cedinho, assim que as
pautas vão surgindo, de que não há nada para ser falado sobre
determinado assunto. Quantos conflitos não seriam evitados se o formador
de opinião, o influencer ou o tuiteiro distraído simplesmente
reconhecessem: não tenho absolutamente nada para falar sobre o assunto?
Mas
não. Em maior ou menor grau, é como se estivéssemos o tempo todo numa
mesa de bar, todo mundo já meio alegre e falando alto, quase berrando
para nos fazer ouvidos em meio à balbúrdia, soltando opiniões sobre
absolutamente tudo. Do cocô à bomba atômica, como dizia uma crônica
famosa, acho que do Jô Soares. O que não seria de todo ruim, se
mantivéssemos o ar botequeiro de descompromisso e desimportância. A
coisa começa a complicar quando passamos a dar um peso demasiado às
nossas palavras.
Foi
o que se viu ontem, logo depois que a notícia da morte de Diego Armando
Maradona começou a circular. Todo mundo tinha uma opinião sobre o que o
jogador fez dentro e fora do campo. Me pergunta se houve quem
politizasse a morte de Dieguito. Claro que sim! De repente Maradona
deixou de ser canhoto por acaso e seus lances magistrais (dizem) com a
perna esquerda ganharam contornos ideológicos. Ah, que época para se
viver!
De
minha parte, ao ficar sabendo da morte de Maradona a primeira imagem
que me veio à mente foi a de um garçom. Por algum motivo, todos os
garçons baixinhos e gordinhos, ou melhor, atarracados que conheci eram
chamados de Maradona. No Rio de Janeiro, então, às vezes você chamava
“Ô, Maradona, me vê mais uma!” só para ver dez garçons trazendo dez
cervejas bem geladas na mesa.
Isso
sem contar os muitos amigos de infância, bons de bola ou não, que
receberam a alcunha de Maradona menos pelo porte físico e mais pelo
comportamento algo estouradinho. Dia desses me bateu um vento de
nostalgia e fui lá ao Bairro Alto só para ver os campinhos da minha
infância transformados em condomínios de sobradinhos. Pouca coisa restou
daquela época. Mas a casa dele, Maradona, estava lá.
Parei
o carro e fiquei de tocaia, me lembrando do único gol que marquei na
vida, num campinho em desnível que fazia fronteira com um banhadão de
água alaranjada. Maradona, ele mesmo, bateu o escanteio pela direita.
Ali na primeira trave, subi mais alto do que todo mundo e cabeceei no
ângulo. Se meu time ganhou ou perdeu não faço a menor ideia. Passei
aquele sábado todo me convencendo de que, apesar de todas as provas em
contrário, eu tinha, sim, talento para o futebol.
Perdido
em lembranças, não vi quando saiu da casa um homem gordinho e, agora,
alto e de barba grisalha. Cigarrão na boca, camiseta velha, bermuda e
chinelo. Ficou parado no portão, me olhando todo desconfiado. Pensei em
sair do carro e ir lá conversar com ele sobre aquele gol. Acho que o
Maradona se chamava Ricardo, mas não tinha certeza. Ficamos ali, nos
encarando como dois cachorros de rua.
Até
que ele finalmente jogou a bituca de cigarro na rua, deu meia-volta e
começou a arrastar seu corpanzil mais do que generoso para dentro da
casa. Não resisti e gritei:
— Ô, Maradona!
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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