Funcionários da editora Penguin tentaram impedir a publicação do novo livro do psicólogo que virou celebridade e viveu uma descida ao inferno. Vilma Gryzinski:
Jordan Peterson caiu, caiu e caiu mais um pouco. Quando estava no fundo do poço, descobriu que podia cair mais ainda.
Para
quem tem algum prazer secreto em ironizar as batalhas de saúde mental
de psicólogos e correlatos, ele foi o prato mais cheio imaginável.
Tendo
se tornado dependente de benzodiazepínicos, o tipo de medicamento cujos
riscos deveria conhecer muito bem profissionalmente, ele fez
tratamentos exóticos e arriscados. Num deles, numa clínica russa, foi
colocado em coma durante uma semana.
Diante
do que passou, num processo de massacrante deterioração mental
acelerado pela descoberta de um câncer incurável de rins na mulher, o
que veio depois deve ter soado como brincadeirinha.
Mas não tem nada de engraçada a tentativa de censura que partiu de funcionários de sua própria editora, a Penguin Random House.
Tal
como aconteceu no caso da autobiografia de Woody Allen, abandonada pela
Hachette por motivo similar, a continuação do seu best-seller,
intitulada Além da Ordem: Mais Doze Regras de Vida foi considerada
impalatável.
Inacreditavelmente,
quiseram impedir a publicação de um livro nada menos que funcionários
de uma editora, o tipo de atividade que sempre esteve na linha de frente
da liberdade de expressão, tendo travado batalhas heróicas e
identificadas com as ideias de esquerda numa época em que o
conservadorismo da direita favorecia a censura.
Motivos
alegados numa reunião em que muitos “caíram no choro”: Peterson é um
“ícone” do discurso do ódio, da supremacia branca e da transfobia.
“Não tenho orgulho de trabalhar para uma companhia que o publica”, disse um dos ofendidos.
Se
até JK Rowling, a mais bem sucedida escritora da história (mais de 500
milhões de livros vendidos, fortuna calculada em 670 milhões de
dólares), foi abalada por uma campanha infame por ter defendido as
especificidades femininas, imaginem Jordan Peterson.
Ao
contrário da feminista mãe de Harry Potter, sempre alinhada com causas
progressistas, o professor canadense é um provocador profissional,
cortante e combativo, sem medo de se jogar em assuntos controvertidos,
principalmente quando envolvem os papéis tradicionais ou mutantes de
mulheres e homens.
Tendo
sido descrito como “o intelectual de atuação pública mais influente do
mundo ocidental”, Peterson virou um tipo diferente de autor de
autoajuda, tanto pela amplitude das ideias quanto o público alvo,
geralmente homens jovens insatisfeitos com suas vidas e inseguros com as
regras contemporâneas para o relacionamento com o sexo oposto – se é
que este termo ainda pode ser usado sem valer uma condenação imediata à
fogueira digital.
Seus cursos online chegaram a render oitenta mil dólares por mês, fora os atendimentos individuais e os livros.
É
perfeitamente admissível discordar de muito do que ele diz (embora seja
aconselhável estar com os argumentos bem aguçados, pois todo mundo sabe
o que faz com debatedores menos preparados).
Inacreditável
é pretender censurá-lo. Um dos motivos mais citados é sua recusa em
aceitar o uso de pronomes inventados para tratar pessoas que se
consideram neutras em termos de gênero. Em inglês, a nova forma de
tratamento é “zhe” – nem “she” nem “he”.
Com
a ressalva que, individualmente, usaria o pronome neutro para uma
pessoa que assim o pedisse, Peterson cravou a recusa como uma forma de
“não ceder território aos neomarxistas pós-modernos”.
As
posições contra as correntes dominantes nos meios intelectuais lhe
renderam um lugar privilegiado nos territórios inexplorados do mundo que
rejeita, nem que seja sem verbalizar, os excessos politicamente
corretos.
De
professor universitário e psicólogo clínico a estrela da masculinidade
perdida, Jordan Peterson teve uma ascensão surpreendente e complicada,
virando um fenômeno internacional que imitadores menos inspirados ainda
tentam replicar.
O
sucesso parece ter cobrado um preço, conferindo-lhe uma aura de guru
que não combina com sua formação intelectual, responsável por um convite
para ser professor visitante em Cambridge – covardemente cancelado
depois da reação negativa de estudantes e outros professores.
As
regras de vida que aconselha não têm nada de perversas. Ao contrário,
vão desde banalidades como manter as costas eretas e “manter a casa em
prefeita ordem antes de criticar o mundo”, até “tratar a si mesmo como
alguém que você é responsável por ajudar”.
Como
acontece nas boas histórias, ele transgrediu suas próprias regras e foi
se tornando dependente de remédios da família dos benzodiazepínicos,
usando-os para tratar de ansiedade e depressão, especialmente depois do
diagnóstico de câncer da mulher, Tammy.
Também
como nas boas tramas, ela sobreviveu ao prognóstico de quase 100% de
fatalidade e ele afundou em tratamentos para uma reação rara e
incapacitante aos medicamentos que tomava: em vez de ter os sintomas
controlados, ele sofreu um efeito paradoxal, passando a sentir ansiedade
extrema, caracterizada por uma movimentação incontrolável, uma condição
chamada acatisia.
“Eu
não conseguia ficar sentado ou deitado. E mesmo quando me movimentava,
não me sentia melhor. Não conseguia parar, foi horrível”, contou o
psicólogo quando reapareceu depois da temporada tenebrosa.
A
descida ao inferno incluiu um tratamento numa clínica de Nova York e
outro na Rússia – sua filha Mikhaila é casada com um russo. Lá, ele teve
pneumonia e foi colocado em coma induzido, um recurso altamente
discutível para atravessar o período da síndrome de abstinência.
Em seguida, tentou outro tratamento na Flórida. E mais um, em Belgrado. Daí, teve Covid-19.
Pelo
menos em parte desse período, seguiu uma dieta ultrarradical
recomendada pela filha, que consiste em ingerir apenas carne, água e
sal.
“Por que alguém levaria a sério qualquer coisa que eu digo?”, indagou-se Peterson, que ainda está em fase de recuperação.
Como
Peterson conhece muito bem o seu público, e também o poder das
narrativas de ascensão, queda e superação, ele mesmo responde: “Se
alguém for esperar para aprender com pessoas que não cometem erros e não
têm tragédias em suas vidas…”.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário