Enquanto o discurso ambientalista foca a Amazônia e as mudanças climáticas, a China segue com suas práticas predatórias e não assume responsabilidades. Dagomir Marquezi, na nova edição da revista Oeste:
Em
1958, a revolução chinesa completava nove anos de fracassos. A China
era um país precariamente agrícola com 640 milhões de habitantes para
alimentar. O camarada Mao Tsé-tung, secretário-geral do Partido
Comunista, decidiu que a culpa pelos maus resultados no campo era dos…
pardais. “Eles comem grãos de mais”, decretou o dirigente máximo.
E
assim, como parte do programa chamado Grande Salto para a Frente, Mao
ordenou que todos os pardais deveriam ser exterminados. Os chineses
destruíam seus ninhos, atiravam nos pássaros, faziam barulho em terra
assustando as aves e impedindo que elas pousassem, até que morressem de
exaustão.
Centenas
de milhões de pardais foram aniquilados. Com o massacre dos pássaros,
os grãos foram poupados. E então chegaram os gafanhotos. Além dos grãos,
as aves costumavam comer os gafanhotos e outras pestes, praticando o
famoso equilíbrio ecológico. Sem os pássaros para combatê-los, os
gafanhotos devoraram tudo o que havia sido plantado.
Consequentemente
veio então a grande fome, que durou até 1961. Segundo dados do próprio
regime, a crise matou 15 milhões de chineses. O jornalista Yang Jisheng
pesquisou o fato por vinte anos e publicou um meticuloso livro (chamado
Túmulo), que elevou esse número para 36 milhões de vítimas. A obra,
banida na China, retrata um período extremamente dramático, quando
cidadãos desesperados apelaram até para o canibalismo.
O
episódio é um fantasma para quem culpa o “capitalismo” por tudo —
inclusive pelos problemas ambientais. A catástrofe na usina de
Chernobyl, por exemplo, ocorrida em 1986, foi o maior desastre nuclear
da História. E aconteceu na extinta União Soviética.
Hoje,
a julgar por boa parte da mídia e pelos militantes chiques, existem
apenas dois problemas ambientais importantes: as alterações climáticas e
a destruição da Amazônia.
São
problemas graves? Muito graves. Mas por que só essas duas únicas
questões são tão marteladas todos os dias? Parece ser mais um caso de
miopia ideológica. Para a esquerda, o centro do problema não é
ambiental. Como sempre, a culpa “é do capitalismo”. Emissão de carbono é
causada por indústrias pesadas, especialmente dos Estados Unidos. E a
destruição da Amazônia é um crime do agronegócio. A culpa, nos dois
casos, é do “grande capital” — que deve ser aniquilado, como os pardais.
E o que não cabe nessa narrativa não existe. Assim se “enxerga” o mundo
com os óculos da ideologia.
Sim,
existem fazendeiros que gostariam de transformar a Amazônia (e o
Pantanal e a Mata Atlântica) em imensos pastos sob o sol. E, sim,
existem muitos empresários que não se importam que a Terra derreta desde
que o dinheiro continue a fluir. Mas há também empresários e
fazendeiros com consciência ecológica, que fazem pela natureza muito
mais que militantes estridentes.
Vamos
voltar à China. Em agosto deste ano, o jornal (socialista) britânico
The Guardian denunciou que o Arquipélago de Galápagos, no Pacífico,
estava sob cerco naval. Esse arquipélago é famoso pela vasta riqueza
biológica. Não foi à toa que nas Ilhas Galápagos o naturalista Charles
Darwin se inspirou para escrever o clássico A Origem das Espécies.
O
cerco naval às Galápagos não era militar. Os 248 barcos pertenciam
(segundo o Guardian) a uma “vasta armada de pesqueiros”. Os barcos
capturavam e massacravam animais com “práticas indiscriminadas” de
pesca. Aquela região do Pacífico é considerada patrimônio da humanidade
pela Unesco. Cada barco estava com 500 linhas de pesca no mar, cada
linha com milhares de anzóis. Não passava nada. Em 2017, um dos barcos
chineses invadiu as águas territoriais do Equador. Foi apanhado com 6
mil tubarões congelados, inclusive o tubarão-baleia, o maior peixe do
mundo, que corre sério perigo de extinção.
Segundo
o biólogo Jonathan Green, que desenvolve projetos de conservação nas
Galápagos, a região é conhecida por ter uma “explosão de vida”, criada
pela confluência de correntes quentes e frias do Pacífico. Capturar
animais ali é covardia, além de crime. Pois em apenas um mês essa
sinistra frota praticou nada menos que 73 mil horas de captura de
qualquer ser vivo. Destruiu boa parte da complexa cadeia alimentar do
arquipélago. A captura de lulas, por exemplo, acaba com a alimentação
das focas. E assim por diante. A China não se importa com esses
“detalhes”. É regularmente acusada de pesca descontrolada, captura de
espécies de tubarão em extinção, invasão de águas territoriais,
falsificação de documento e trabalho forçado. Se confrontado, o país
nega tudo e ameaça retaliação.
Você,
que é bombardeado todos os dias pelo noticiário sobre desequilíbrio
climático e a “destruição da Amazônia”, viu alguma vez os âncoras do
Jornal Nacional (ou qualquer outro similar) se referirem a essa barbárie
nas Ilhas Galápagos? Leu alguma coisa a respeito nos jornais? Viu um
protesto de organização ambientalista em frente de algum consulado
chinês? Leonardo DiCaprio tuitou algo a respeito? O papa protestou?
Pois
o protagonismo da China na destruição da natureza está longe de parar
aí. Rinocerontes estão perto da extinção, caçados para abastecer
clientes chineses com seus chifres. (Ralados, eles curariam febre,
reumatismo, gota e outros problemas.) Os cada vez mais raros tigres são
abatidos para atender alguns chineses que acham que tomar uma sopa com o
pênis desses felinos dá “vigor sexual”. (Eles nunca ouviram falar em
Viagra?)
Elefantes
correm o risco de sumir do planeta porque a classe emergente da China
acha chiquérrimo ter objetos de marfim. Ursos são mantidos a vida
inteira em pequenas gaiolas enferrujadas com um tubo de borracha
permanentemente enfiado na vesícula para a dolorosa extração da bile —
que, segundo a “medicina tradicional chinesa”, cura qualquer coisa.
Chifres de rinoceronte, genitália de tigre e bile de urso não curam
nada. Mas a matança continua.
Claro
que os chineses não podem levar a culpa por todos os males ambientais
que a espécie humana provoca. Vários países europeus, especialmente a
Espanha e a Noruega, são predadores marítimos. O Japão continua fazendo
da caça à baleia um gesto de futilidade nacionalista. As preciosas
florestas da Indonésia, da Malásia e de Madagascar marcham para a
devastação total. A Rússia está ameaçando acabar com o status de
santuário da região ártica. Os Estados Unidos de Joe Biden pretendem se
tornar um país-símbolo na proteção ecológica — mas limitado à linha
“mudanças climáticas/destruição da Amazônia”. Já nos elegeu como alvo.
O
Brasil virou o maior vilão ecológico do planeta. Não exatamente pelos
erros que comete, mas pelo governo que escolheu, que deve ser combatido
sem trégua nem racionalidade. Temos as maiores reservas florestais do
mundo, e relativamente pouca ocupação agropecuária, segundo os dados
oficiais (30%). Nossa legislação é marcadamente conservacionista.
Não
somos vilões. Mas também não somos heróis. Temos essa imensa riqueza em
biodiversidade e tratamos desse assunto de maneira passiva, culpada e
negligente. Por lei, nossos biomas deveriam ser protegidos pelo Estado.
Mas o Estado brasileiro precisa construir palácios para juízes e pagar
salários indecentes a uma casta de privilegiados. Não sobra dinheiro
para contratar fiscais ambientais e equipamentos de vigilância e
atuação.
Defender
a natureza deveria estar acima do terreno de disputas políticas. Não
está. Tanto que a China comete seus crimes ambientais sem sofrer nenhuma
consequência. Igualmente condenável é achar que “ecologia é coisa de
esquerdista”. E que tocar fogo no Pantanal é uma vitória do agronegócio.
E, portanto, “da direita”. É um raciocínio torto e perigoso.
O
século 21 não chegou para alimentar esse tipo de simplismo. Questões
inéditas surgem a cada dia — a conquista do espaço, a era dos robôs, a
preservação do planeta, os direitos dos animais. E a realidade cabe cada
vez menos nessa visão binária.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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