Como é possível que um governo que apresenta uma pauta excepcional para a
economia e sabe o que deve ser feito tenha tanta dificuldade para
formalizar as suas propostas? Editorial da Gazeta do Povo:
Na tarde da última segunda-feira, dia 24, veio o aviso: não haveria,
no dia seguinte, a apresentação da prometida “super PEC” que reuniria
medidas como a desoneração da folha de pagamentos, a instituição do
Renda Brasil (o substituto do Bolsa Família) e medidas de corte de
gastos com a máquina pública. No fim, a data ficou marcada apenas pelo
lançamento do Casa Verde e Amarela, o programa habitacional de Jair
Bolsonaro que também substitui uma iniciativa petista, o Minha Casa
Minha Vida. Ao longo do dia, foram surgindo detalhes sobre o novo plano:
ele já não seria uma nova PEC, mas um substitutivo à PEC do Pacto
Federativo; a desoneração ficaria de fora; e o valor do Renda Brasil nem
estava definido ainda – os R$ 300 desejados por Bolsonaro exigiriam uma
outra fonte de financiamento, e Paulo Guedes mirava as deduções com
saúde e educação no Imposto de Renda. Por fim, Bolsonaro afirmou, na
quarta-feira, que o Renda Brasil estava “suspenso” até que se
encontrasse alguma forma de bancar o programa no valor desejado sem
desidratar outros benefícios como o abono salarial.
As idas e vindas da “super PEC” são apenas repetição do que já
ocorreu com diversas outras medidas e projetos da equipe econômica. E
por isso é preciso perguntar: como é possível que um governo que
apresenta uma pauta excepcional para a economia – liberdade econômica,
redução do tamanho do Estado, protagonismo do setor privado,
responsabilidade fiscal, reformas macroeconômicas, desregulamentação – e
sabe o que deve ser feito tenha tanta dificuldade para formalizar as
suas propostas?
Bolsonaro, Guedes e a equipe econômica passaram 2019 empenhados em
aprovar a reforma da Previdência. Foi uma escolha sensata: a mais
impopular das reformas seria feita ainda no embalo da eleição de
Bolsonaro, e as mudanças nas regras de aposentadoria eram condição
necessária para que o teto de gastos continuasse funcionando. Com a
reforma já aprovada, o governo enviou ao Congresso as três PECs do Plano
Mais Brasil – do Pacto Federativo, dos Fundos e Emergencial. Mas havia
ainda a expectativa de que, tendo vencido a batalha da Previdência, o
governo já enviasse pelo menos mais uma das grandes reformas, a
administrativa ou a tributária.
A reforma administrativa, a julgar pelas afirmações de Paulo Guedes,
já estava pronta desde o fim de 2019. Em várias ocasiões o ministro
afirmou que só faltava um aval final de Bolsonaro para que ela fosse ao
Congresso – a última dessas promessas ocorreu em março deste ano, pouco
antes de a pandemia do coronavírus se impor como o único assunto do
país. Mais recentemente, Bolsonaro havia decidido que ela só seria
enviada em 2021, um anticlímax tão frustrante que levou um dos melhores
quadros do Ministério da Economia, Paulo Uebel, a deixar o governo. Tudo
por causa do timing político, justificou Guedes, referindo-se às
resistências do funcionalismo, base eleitoral de muitos parlamentares
que disputarão as eleições municipais deste ano ou desejam usar sua
influência para eleger algum apadrinhado político. Em meados de agosto,
após a manifestação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e de
outros parlamentares dispostos a votar a reforma ainda neste ano, o
governo sinalizou com o envio do texto em outubro – o que ainda é “tarde
demais”, na opinião de Maia.
O caso da reforma tributária é ainda pior, pois nem se pode dizer que
o governo tem uma proposta consolidada. A indecisão da equipe econômica
foi tamanha que o Congresso se cansou de esperar e colocou em
tramitação duas propostas de autoria própria, uma na Câmara e outra no
Senado. Só então o Executivo começou a se mexer. A partir daí, viu-se de
tudo: reforma fatiada, apoio a uma das propostas no Legislativo, balões
de ensaio envolvendo todo tipo de tributo, a infindável discussão sobre
uma “nova CPMF”, a queda de um secretário da Receita por ter defendido
praticamente a mesma coisa que seus superiores. E até agora não se sabe
ao certo e com detalhes qual é o plano do governo para resolver um dos
maiores entraves à liberdade econômica no Brasil.
Assim, o “agora vai” nunca chega quando o tema é a continuidade das
reformas, em um típico cenário no qual todos perdem. O país perde porque
todas as medidas que vêm sendo adiadas são essenciais para a nação e,
se já estivessem em vigor, ou a ponto de serem aprovadas, poderiam até
mesmo ajudar no que será uma dolorosa retomada da economia quando passar
a pandemia de Covid-19. Além disso, essa paralisia desgasta a relação
entre Executivo e Legislativo. Parlamentares comprometidos com as
reformas e que estão dispostos a votar com o governo são deixados na
situação beckettiana de esperar uma proposta que nunca vem; cansados,
resolvem tomar para si o protagonismo de que o Executivo abriu mão e,
quando o fazem, não encontram respaldo do governo, que passa a ter
interesse em impor as próprias ideias, que havia relutado em apresentar
anteriormente.
Divergências internas são naturais em um governo, e o gabinete de
Bolsonaro também as tem – basta lembrar dos embates entre Guedes e os
“desenvolvimentistas” representados pela ala militar e por Rogério
Marinho, ministro do Desenvolvimento Regional. Mas o que está ocorrendo é
mais grave: essas divergências, em alguns casos, e a pura indecisão, em
outros, ameaçam paralisar uma agenda importante de reformas e programas
sociais. Depois do bom início com a reforma da Previdência, ainda que
tenha demorado mais que a expectativa inicial, o que mais se tem visto
são anúncios não concretizados, recuos, desmentidos e balões de ensaio.
Se o governo quiser retomar o protagonismo, tem de mostrar mais decisão.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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