Uma particularidade dos regimes autoritários é empregar eufemismos. Por
exemplo, as autoridades russas não empregam a palavra “quarentena”,
preferindo utilizar “regime de auto-isolamento em casa”. Artigo de José
Milhazes para o Observador:
No lugar de tomarem medidas para travar a pandemia do coronavírus,
alguns dirigentes políticos não perdem a oportunidade para ganhar
dividendos políticos, espezinhando os mais elementares princípios
humanos.
Os presidentes da Rússia e dos Estados Unidos, Vladimir Putin e
Donald Trump, tiveram uma longa conversa telefónica sobre a luta contra o
coronavírus. Logo a seguir, o serviço de imprensa do Kremlin veio
anunciar que Moscovo iria enviar “ajuda humanitária” para os Estados. A
proposta teria partido de Putin e sensibilizado Trump.
A imprensa oficial russa apresentou esta medida como mais uma prova
de que a situação com o coronavírus está controlada na Rússia, graças às
medidas tomadas por Putin, e que esta se pode dar ao luxo de ajudar a
tão ingrata América, origem de todos os males.
Porém, depois de um avião de carga russo ter transportado material
médico para os Estados Unidos, Morgan Ortagus, porta-voz do Departamento
norte-americano, veio emperrar a propaganda do Kremlin ao afirmar que,
afinal, Washington tinha pago os equipamentos e que, por conseguinte,
não se trata de ajuda humanitária.
É curiosa a forma como Moscovo respondeu a essas declarações. Maria
Zakharova, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia,
um autêntico Goebbels de saias, declarou que a parte americana pagou
apenas metade do valor da carga, tendo a outra metade sido paga pelo
Fundo de Investimentos Directos da Rússia. Afinal estamos perante um
caso de “50% de ajuda humanitária”.
Enquanto a Rússia envia “meia-ajuda humanitária” aos Estados Unidos,
começa ela própria a receber ajuda da China, país que, com estas e
outras medidas, pretende que o mundo esqueça os prejuízos causados por
ter encoberto o aparecimento e o alastramento do coronavírus.
Aliás, Pequim está também a utilizar esta crise não só para tirar
dividendos propagandísticos e económicos, mas também para lançar uns
países contra os outros. São cada vez mais as queixas de países que veem
o material médico comprado aos chineses ser desviado para outros que
pagam mais. O maior país comunista, rigidamente controlado, dedica-se ao
capitalismo selvagem mais desenfreado. Isto não é novidade, é apenas
mais uma confirmação.
Estes tempos de pandemia são também férteis em dirigentes que tentam
atirar as responsabilidades para cima dos outros para que saiam bem em
caso de tragédia. Vladimir Putin é um exemplo flagrante. Sempre que se
dirige ao país, é para dar as notícias menos más. No último discurso,
autorizou os russos a ficarem em casa até 30 de Abril, prometendo que
iriam continuar a receber o salário. As tarefas mais arriscadas e
perigosas são atiradas para cima do governo central e das autoridades
regionais. Por exemplo, o Presidente russo tem poderes para impor o
“estado de emergência”, mas não o faz, preferindo delegá-lo ao governo
de Mikhail Mishustin.
Outra particularidade dos regimes autoritários é empregar eufemismos.
Por exemplo, as autoridades russas não empregam a palavra “quarentena”,
preferindo utilizar “regime de auto-isolamento em casa”.
Começam a ser cada vez mais frequentes os casos de médicos e
enfermeiros que utilizam as redes sociais para chamar a atenção para a
falta de máscaras, luvas e outro material essencial nos hospitais russos
e a resposta de Putin foi assinar um decreto que castiga com pesadas
penas a difusão de “fake news”, que está a ser utilizado para perseguir e
fazer calar os denunciadores. Se antes já era difícil acreditar nos
dados oficiais sobre o alastramento do coronavírus, agora a situação é
ainda pior.
Talvez os casos acima citados estejam na origem da queda da
popularidade de Putin entre os russos. Segundo a última sondagem
realizada pelo “Levada-tzentr”, 61% dos respondentes disseram que não
querem ver o actual Presidente a recandidatar-se nas eleições
presidenciais, enquanto que 31% têm uma posição contrária.
A escola soviética da desinformação parece continuar a produzir “bons
quadros”. Que o digam os “grandes líderes” da Bielorrússia ou da
Turqueménia. O primeiro diz que a pandemia é uma “grande treta” e
recusa-se a tomar medidas sérias de combate à pandemia. O campeonato de
futebol bielorrusso é o mais popular no mundo, porque é o único que não
foi suspenso. O segundo proibiu a palavra “coronavírus” e o porte de
máscaras e aconselhou os seus concidadãos a prevenirem essa e outras
enfermidades cheirado fumo de arruda síria. Só falta mesmo mandar os
turcomenos à bruxa!
PS. Não me surpreende a forma como o jornal “Avante” defende
os comportamentos actuais de regimes como o chinês ou o russo. Apenas
deixo uma interrogação: será que continua a funcionar o velho esquema de
financiamento do Partido Comunista Português em troca da lealdade?
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