Para David Deavel, a resposta é afirmativa. O problema, diz ele, é
que as pessoas que têm raiva do nosso ceticismo têm de aceitar que
estão confiando demasiado em especialistas que não têm todos os dados:
Sou só eu, me pergunta um amigo politicamente moderado, ou os
conservadores são os mais céticos quanto aos perigos envolvidos e às
precauções necessárias para se conter a ameaça do vírus de Wuhan? E por
quê?
Como ele provavelmente pensa em mim quando fala nos conservadores,
gostaria de responder que ele tem razão. Embora haja alguns
conservadores pensando que estamos mesmo diante de uma crise de saúde
sem igual e alguns progressistas pensando o contrário, realmente os
conservadores têm mais chance de se mostrarem céticos quanto aos
cenários catastróficos que estão sendo apresentados como certezas
absolutas, a não ser que o país todo fique fechado durante meses.
Muitos têm demonstrado desprezo por esse ceticismo, chamando-nos de
“negacionistas” ou simplesmente nos acusando de darmos mais valor ao
dinheiro ou nosso conforto do que à vida humana. Mas esse ceticismo tem
vários motivos diferentes. Ainda que eu ache que esse ceticismo, como
qualquer ceticismo, pode ir longe demais quando não se tem outras
virtudes, também acho que ele é bastante razoável no cenário atual e que
se provará verdadeiro no longo prazo.
Dúvidas quanto ao Apocalipse
Pode parecer estranho dizer que os conservadores são céticos quanto a
cenários apocalípticos. Muitos de nós nos ocupamos de falar do fim da
Civilização Ocidental ou do fim da civilização como um todo. Uma amiga
me disse há alguns anos que seu medo diante do colapso da civilização só
diminuiu depois que ela percebeu que a civilização já entrou em
colapso.
Mas também somos céticos diante daqueles que dizem que um evento
futuro específico será o fim de tudo. Cresci com a ameaça da guerra
nuclear, chuva ácida, Tylenol adulterado, colesterol e toda uma vasta
fauna de cavalheiros do Apocalipse. Ao longo dos anos, os cenários
evocados pelos que acreditam no fim do mundo aumentou. Só uma pequena
lista das situações apocalípticas que surgiram nos últimos vinte anos
dava um texto. Bug do Milênio, antraz, radiação dos telefones celulares,
gripe suína, gripe aviária, Sars, tratamentos hormonais, gorduras trans
e até a neutralidade da Internet já foram citados como instrumentos
através dos quais milhões de pessoas em breve morrerão. Na verdade, toda
vez que neva o fenômeno é anunciado como um Armagedon de gelo.
Juntamente com esses cavalheirxs do Apocalipse (para se adequar à nossa
época sem gênero), contamos com a Morte do efeito estufa empunhando a
foice das mudanças climáticas para nos amedrontar sempre que falta algo
de novo para nos ameaçar, como o fim da neve ou o fim do mundo daqui a
doze anos.
Nós, conservadores, sabemos muito bem que há incêndios no horizonte.
Mas as caixinhas de fósforo que nos são apresentadas não nos
impressionam. O coronavírus tirará a vida de muitos, com certeza, mas o
fato de a imprensa e os órgãos do governo terem ateado fogo aos próprios
cabelos não inspira confiança em sua capacidade de previsão.
Motivações políticas
Esse apocalipse em específico está em volto em política, do começo ao
fim. Ele é visto como a continuação dos últimos três anos de uma
cobertura que tem sido menos sobre a verdade e mais sobre o Homem
Laranja. Tínhamos acabado de sair de três anos de mentiras sobre a
“Conspiração Russa” e outros supostos males quando o vírus surgiu nas
manchetes. Dizer que a cobertura parecia mais sobre Trump e menos sobre a
doença é pouca. Ainda que muitos veículos, como o Washington Post e o
Vox, realmente começaram a cobrir o assunto dizendo que o vírus não era
tão nocivo e que a proibição de voos vindos da China era “racismo”, eles
logo entraram no modo “pânico total”, ou no mínimo fingiram isso,
depois que Trump assumiu uma postura mais otimista em relação à doença.
A nova posição não foi muito convincente, uma vez que geralmente
transmitia uma espécie de alegria diante da possibilidade de o vírus vir
a ser “o Katrina do Trump” (como vários jornalistas disseram) e,
portanto, o fim da presidência dele. Eles chegaram a fingir indignação
quando o presidente chamou o vírus de “vírus chinês”, embora eles
próprios tenham usado o termo.
Eles tentaram todas as pegadinhas possíveis e depois usaram o manual
do governo chinês contra o governo. Recentemente, personalidades que há
cinco minutos estavam furiosas porque o presidente Trump não dava
coletivas de imprensa o bastante e não respondia a todas as perguntas
(geralmente em tom acusatório) dos repórteres, hoje exigem que essas
mesmas coletivas não sejam televisionadas. Isso talvez tenha a ver com a
ascensão de Trump nas pesquisas, e não com o direito do público em ter
acesso à informação.
Na verdade, a reação política à doença ficou bem clara no projeto de
lei que, enquanto escrevo, está sendo votado na Câmara. Os democratas
pareciam acreditar que essa era uma oportunidade de enxertar todo tipo
de medidas progressistas no projeto de lei que buscava dar alívio a
trabalhadores e empresários por causa da quarentena, incluindo bobagens
como a obrigatoriedade de diversidade nos conselhos administrativos e do
uso de energia solar e eólica. Como teria dito o deputado pela Carolina
do Sul James Clyburn a seus colegas: “Esta é uma tremenda oportunidade
para reestruturar as coisas de acordo com a nossa visão de mundo”.
Enquanto escrevo este texto, o Senado aprovou uma versão do projeto de
lei por 96 a 0. Mas a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, ainda está
hesitante e prometendo contornar as coisas mais tarde. Se os
republicanos estivem no comando da Câmara, eles imediatamente estariam
sendo acusados de pôr a política acima das vidas.
Se o Apocalipse serve apenas para equilibrar as futuras eleições e
fazer com que o Legislativo aprove coisas que não seriam aprovadas em
outra situação — e os progressistas estão dispostos a adiar as medidas
de emergência por causa disso — os conservadores não o levarão mesmo a
sério.
Um problema de conhecimento
Claro que a maioria dos conservadores que conheço percebeu o
sensacionalismo e a politização do vírus bem rápido. Isto é, eles
realmente acreditam que o vírus de Wuhan é um problema de verdade e uma
ameaça. Uns poucos ainda estão apegados à ideia de que isso é uma ação
interna para se livrar do presidente Trump. Acho que isso não faz
sentido diante das matérias internacionais, de países amigos do nosso
país e presidente e de países que não são nossos amigos. A questão,
contudo, não é o fato de o vírus ser um problema, e sim qual o tamanho
do problema e quais as medidas mais adequadas para contê-lo.
Quanto à primeira pergunta, sabemos que esse vírus específico parece
ser letal para uma pequena parcela da população que o contrai. Boa parte
do que dizem os amigos desesperados vem de um estudo do Imperial
College que previa que até 1,2 milhão de norte-americanos morreriam
mesmo com medidas drásticas de mitigação, sobretudo porque essa pequena
parcela da população para a qual o vírus é perigoso precisariam de
ventiladores e leitos de UTI escassos em muitos lugares. Os cientistas
supunham que uma grande parcela da população seria infectada pelo vírus,
daí o objetivo de “achatar a curva” a fim de não sobrecarregar o
sistema hospitalar. Houve quem analisasse o estudo e concluísse que
teríamos 2 milhões de mortos.
Um dos argumentos dos que se apegam a esse cenário era o de que a
doença cresceria exponencialmente, e não aritmeticamente. Muito se falou
sobre as pessoas serem incapazes de entender o crescimento exponencial.
Mas claro que a maioria das pessoas entende o conceito. Afinal, ele é a
base dos planos de enriquecimento rápido.
A dificuldade é que este crescimento exponencial se baseia na
suposição de que sempre haverá mais pessoas a serem infectadas (ou para
compor a base das pirâmides financeiras). Mas, em determinado momento,
tal crescimento exponencial é interrompido. Primeiro porque não são
muitas as pessoas que entram em contato com novas pessoas regularmente.
Elas veem as mesmas pessoas no trabalho e quando saem para fazer
compras. Depois, uma porção da população já contraiu o vírus e agora é
imune a ele. Em terceiro lugar, por causa dos alertas precoces, boa
parte da população já modificou seu comportamento em termos de contato
pessoal, higiene e práticas empresariais.
Quando ao segundo ponto, não sabemos ao certo quem já contraiu o
vírus e saiu ileso porque não examinamos pessoas o suficiente. Meus
sogros, que vivem no condado de Snohomish, em Washington, onde houve um
surto da doença numa casa para idosos, suspeitam que uma doença que eles
tiveram em janeiro e fevereiro, com sintomas parecidos com os do
coronavírus, era de fato Covid-19. Eles não têm certeza absoluta porque
os sintomas que tiveram foram amenos.
Muitas pessoas ao redor do país pensam o mesmo sobre suas doenças.
Sem dúvida nem todos estão certos, mas simplesmente não temos como
atestar. Conheço uma família na qual outro ou cinco pessoas estão sendo
tratadas como se tivessem a doença, mas ninguém fez exame porque não são
considerados do grupo de risco. Um amigo que trabalha numa Universidade
próxima me diz que sabe de ao menos dez outros casos semelhantes. Pode
haver muitos, muitos mais. Se isso for verdade, a porcentagem da
população que teve o vírus e não morreu será muito maior do que as
estatísticas atuais mostram (e a população disponível para novas
infecções diminuiu). Assim, até mesmo o crescimento exponencial talvez
não gere a mesma taxa de mortalidade, uma vez que o vírus não é tão
letal quanto se acreditava e as pessoas mitigaram sua disseminação de
várias formas.
Na verdade, há vários céticos quanto a esses cenários apocalípticos. O
dr. John Ioannidas, professor de epidemiologia, bioestatística e
codiretor do Meta-Research Innovation Center at Stanford (METRICS) da
Universidade de Stanford, escreveu vários textos alertando para as
medidas drásticas que estão sendo tomadas com base em informações ruins.
Os doutores Eran Bendavid e Jay Bhattacharya, colegas de Stanford,
escreveram no Wall Street Journal sobre como os modelos matemáticos
usados pelas pessoas que estão tomando as decisões podem ter errado no
cálculo das pessoas que já pegaram o vírus. Um estudo feito por uma
equipe da Universidade de Oxford também conclui que um modelo matemático
indicando que o Reino Unido está num ponto diferente da curva da
pandemia tem muitos méritos. Não se sabe ao certo, mas, novamente, o
modelo matemático do Imperial College também não.
O problema é que as pessoas que têm raiva do nosso ceticismo têm de
aceitar que estão confiando em especialistas que não têm todos os dados.
E os especialistas nem sempre concordam uns com os outros.
Não só há essa questão do conhecimento em jogo como as empresas
norte-americanas estão trabalhando duro em vários projetos para aumentar
nossa capacidade de atendimento e tratar a doença. A GM e a Ford estão
convertendo linhas de produção para produzirem mais ventiladores.
Pesquisadores da Universidade de Minnesota estão trabalhando duro num
projeto para produzir ventiladores a um custo de cerca de US$500 por
unidade. Vários testes clínicos de vacinas já começaram nos Estados
Unidos e no exterior. Se um deles der certo, pode estar disponível em
menos de um ano. Houve sucesso no tratamento de paciências usando vários
medicamentos já disponíveis, como os prescritos para malária.
A dificuldade com a multidão que grita “o crescimento é exponencial,
estúpido!” é que ela supõe não só que as mortes aumentarão
exponencialmente como também que elas permanecerão nesse patamar. Para
os que dizer que morrerão 2 milhões de norte-americanos nos próximos 18
meses, eles têm de presumir quase 3.700 mortes por dia ao longo de um
ano e meio. Até o número mais baixo, de 1,2 milhão de mortes, exigiria
que 2.200 pessoas morressem por dia. Estou disposto a acreditar que o
vírus possa acabar matando ou contribuindo para a morte de muito mais
pessoas do que uma gripe comum. Mas as previsões lhe parecem razoáveis
levando em conta tudo o que está sendo feito não só para mudar nosso
comportamento, mas também para resolver o problema?
Conhecimento impreciso x fatos comprovados
Acho que não. Até mesmo Neil Ferguson, o autor do estudo da Imperial
College, recentemente revisou seus cálculos a respeito das 500 mil
mortes no Reino Unido para 20 mil ou menos. Eu me pergunto o que ele diz
sobre os Estados Unidos agora. Mas ainda são cálculos como esses que
estão levando a quarentenas e ao fechamento de serviços “não-essenciais”
em muitos estados.
O governador do meu estado, Minnesota, anunciou um decreto obrigando
as pessoas a ficarem em casa que valerá até o dia 10 de abril. Quando o
governador Walz anunciou isso, havia exatamente uma morte no nosso
estado, e 287 casos confirmados. (No dia seguinte foi confirmada mais
uma morte).
Ainda assim, os cálculos que servem como justificativa para o
fechamento de tantas empresas dão conta de que mais de 2,5 milhões de
moradores da Minnesota contrairão o vírus, resultando em 60 mil
pacientes nos hospitais simplesmente por causa do coronavírus. Um amigo
que considera a decisão do governador razoável a defende dizendo que,
como o conhecimento é impreciso, é melhor se planejar para o pior. Eu me
sentiria tentado a concordar com isso, não fossem todas as outras
coisas já mencionadas.
Os conservadores que duvidam da inteligência dessas medidas que estão
atreladas à destruição econômica costumam ser acusados de valorizarem
mais o dinheiro do que a vida. Mas temos números das pessoas
desempregadas. Na semana do dia 21 de março, 3,2 milhões de pessoas
pediram seguro-desemprego nos Estados Unidos. Ainda que alguns desses
empregos sejam retomados quando as empresas puderem reabrir, muitas
pequenas empresas fecharão para sempre. A destruição econômica
resultante afetará a saúde de muitos, seja adiando tratamentos ou
impulsionando comportamentos desesperados como o uso de drogas e o
suicídio. Além disso, quanto mais a quarentena durar, mais procuraremos
por pessoas que a estejam violando — sobretudo se a quantidade de mortes
não chegar perto das previsões catastróficas. Isso é uma ameaça à ordem
pública.
Os conservadores não duvidam que o isolamento talvez seja uma medida
necessária em alguns lugares. Setenta por cento das mortes até agora vem
de seis estados costeiros com grandes populações urbanas e muito
trânsito de viajantes: Nova York (cujas mortes correspondem a 1/3 de
todo os Estados Unidos), Washington, Califórnia, Nova Jersey, Geórgia e
Louisiana. Os incidentes nesses lugares farão aqueles que querem que
todos vivam em locais densamente povoados e que usem sacolas
reutilizáveis pararem para pensar. Mas a insistência interminável no
argumento de que lugares onde as mortes por gripe comum e acidentes de
carro são maiores do que as mortes por coronavírus devem continuar
paralisando a economia será vista com uma irritação cada vez maior.
Percebo que muitas das pessoas que insistem que os riscos são altos
demais para se manter empresas “não-essenciais” abertas ou permitir que
as pessoas saiam de casa geralmente têm salário garantido no fim do mês e
funções que podem ser exercidas de casa. Sim, as consequências
econômicas dessas quarentenas afetarão o investimento delas, mas elas
não deixarão de receber salário imediatamente. Com base na segurança
dessas pessoas, contudo, muitos trabalhadores pobres cujas vidas não são
apenas uma questão de fazer ajuste na carteira de investimentos ou se
certificar de que o wi-fi em suas casas permita que eles continuem
prestando consultoria terão dificuldades para sobreviver. Aqueles que
costumavam dizer que os pobres não tinham reservas para mais de uma
semana estão estranhamente calados agora.
O ceticismo conservador sobre a inteligência dessa abordagem não é
uma “teoria da conspiração” nem um desprezo pela vida, e sim a
inteligência de tomar decisões com base em riscos e nas incertezas. Não
sabemos se teremos muitas mortes. Provavelmente precisaremos manter o
distanciamento social no futuro próximo. Vamos ter de mudar a forma como
administramos muitos negócios. Infelizmente, teremos de abdicar não só
de eventos com multidões de pessoas saudáveis, mas possivelmente
assintomáticas, como também de visitas a pessoas que correm mais riscos.
Os mais velhos e aqueles com comorbidades que os tornam vulneráveis
terão de lidar com uma solidão e um isolamento maiores. Esse é um dos
aspectos mais tristes dessa crise.
Mas é melhor mantermos parte da população isolada e socialmente
distante até que haja mais conhecimento sobre o vírus do que manter todo
o país paralisado e isolado, causando danos econômicos inéditos que
terão repercussões de saúde sérias. Temos a opção de manter os negócios
funcionando com algumas regulações para garantir a segurança de
trabalhadores e clientes. O Tennessee inteligentemente decidiu ir por
esse caminho.
Podemos continuar proibindo aglomerações por um tempo. Não podemos é
continuar a tomar decisões drásticas que afetam a vida de milhões de
pessoas com base em cenários catastróficos que não levam em conta nem
nossa falta de conhecimento sobre nosso lugar na curva nem a mitigação
já provocada pelas mudanças de hábito ou estilos de vida diferentes em
lugares diferentes ou medidas tomadas pelos estados, pelas autoridades
médicas e empresas para aliviarem a crise se a quantidade de doentes
realmente disparar.
O ceticismo conservador tem seus limites, mas nessa pandemia esses limites ainda não foram alcançados.
David Deavel é colaborador do The
Imaginative Conservative, editor do Logos: A Journal of Catholic Thought
and Culture e professor da Universidade de St. Thomas (Minnesota).
© 2020 The Imaginative Conservative. Publicado com permissão. (Gazeta do Povo).
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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