Joelmir Tavares
Folha
O Brasil deveria modificar a legislação para permitir que pessoas sem filiação partidária se candidatem a cargos eletivos? O assunto será debatido no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda-feira, dia 9, em audiência pública convocada pelo ministro Luís Roberto Barroso.
Foram convidados representantes do Congresso e da Justiça Eleitoral, além de cientistas políticos, líderes partidários e membros de movimentos. Também foram abertas inscrições para outros interessados.
CANDIDATURAS AVULSAS – Barroso é o relator de uma ação que tramita na Corte desde 2017 e reivindica a liberação das chamadas candidaturas avulsas (ou independentes). À Folha o ministro rebate a tese de que a discussão contribui para enfraquecer os partidos e diz que formará opinião sobre o tema só depois da audiência, com a participação de apoiadores e detratores da ideia.
No âmbito do processo, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou parecer ao STF declarando posição favorável ao formato, que hoje é proibido pela Justiça Eleitoral.
O senhor diz que não antecipará seu voto, mas, de maneira geral, como vê esse debate? Por que é importante fazê-lo?
A candidatura avulsa é admitida em boa parte das democracias mundo afora. Acho que os partidos políticos são muito importantes em uma democracia e, portanto, é preciso ter em conta não fragilizá-los.
O segundo ponto é saber se a existência de candidatura avulsa criaria um tipo de concorrência que estimularia o aprimoramento dos partidos. Essa é a equação que a audiência pública pretende resolver. Saber se é bom ou não para a democracia brasileira.
Quando você se dispõe a um debate, tem que estar preparado para ouvir os dois lados e formar a sua opinião depois. Eu, neste momento, eliminei as minhas opiniões prévias e vou ouvir os atores que considero relevantes. Aí vou propor ao tribunal uma solução.
O senhor percebe ambiente para esse debate no sistema político? Líderes partidários criticam as candidaturas avulsas.
Foram todos convidados e, portanto, a opinião deles será levada em conta pelo tribunal. É o que eu posso dizer por enquanto.
Há projetos de lei com esse propósito no Congresso que tramitam vagarosamente, o que demonstra que os partidos rechaçam o modelo.
A vida democrática tem uma dinâmica em que por vezes algumas matérias tramitam melhor, mais celeremente, no Legislativo, e às vezes elas envolvem um debate público judicial.
Há uma questão prévia, que é uma discussão importante, de saber se essa é uma escolha política que cabe ao Congresso ou se é uma matéria de interpretação constitucional, que pode ter ou deve ter a atuação do Supremo. Tudo está aberto a debate, inclusive esse ponto.
Acho que o Supremo pode decidir eventualmente que essa é uma questão que envolve escolhas políticas a critério do Congresso, e não interpretação constitucional. Esse não é um debate que começa com uma solução pronta.
Muitos apoiadores da proposta torcem para que a mudança seja aprovada e passe a valer já em 2020. O senhor vê possibilidade?
Acho difícil. E, nessa matéria, a pressa seria inimiga da perfeição. Acho que em 2020 isso seria decidido pelo tribunal e aí dependeria possivelmente de algum tipo de regulamentação, seja legislativa, seja por resolução, do TSE [Tribunal Superior Eleitoral].
Veja: em uma democracia, nenhum tema é tabu. Portanto tudo pode ser discutido à luz do dia.
Você [repórter] me disse que as lideranças partidárias têm uma posição contrária. Não sei, mas gostaria de saber quais são os argumentos. É importante para o debate público. Se eles forem relevantes e decisivos, devem prevalecer. Mas há outros atores que também merecem ser ouvidos.
Não se pode resvalar na velha crítica de que o Judiciário estará legislando?
Veja, não creio que seja uma crítica procedente. O Supremo atuou mais proativamente em casos que envolviam as duas situações em que uma suprema corte pode e deve ser proativa: na defesa de direitos fundamentais e na proteção das regras do jogo democrático.
Dou alguns exemplos. Na primeira situação: possibilidade de uniões homoafetivas e de interrupção da gestação de feto anencéfalo. Ambas matérias politicamente delicadas, que não encontravam uma solução no Legislativo. Você não conseguia construir consensos. Mas as consequências existiam na vida real, então o Judiciário tinha que decidir.
Na segunda situação: financiamento eleitoral por pessoas jurídicas. Havia uma imensa demanda social pela sua transformação. O sistema era imoral e acho que era incompatível com a Constituição. Como o Congresso não conseguiu construir um consenso, o Supremo em boa hora derrubou um modelo de financiamento que era mafioso, como os fatos vieram a comprovar [na Operação Lava Jato].
Portanto essa afirmação de que o Supremo, entre aspas, ‘legisla’ é exagerada, quando não injusta. É assim em todas as democracias do mundo. Surgindo os problemas perante o Judiciário, o Supremo não pode dizer que não tem como resolver.
Qual é o embate que está colocado? É entre o nosso modelo de democracia mediada pelos partidos e o direito de votar e ser votado?
Na minha visão, hoje, prévia ao debate, acho que o objetivo é avaliar se a existência de candidaturas avulsas produziria ou não um impacto positivo sobre as estruturas partidárias. Se contribuiria para a democratização interna dos partidos, para uma aproximação dos partidos com a sociedade.
Essa é justamente uma das principais críticas à proposta, a de que o modelo esvaziaria os partidos.
Se você transpuser conceitos econômicos, o princípio que vale é o de que a competição sempre aprimora os produtos.
Há questões práticas que precisariam ser equacionadas, como a distribuição de recursos do fundo eleitoral e a governabilidade no Legislativo.
Há muitas questões de regulamentação posterior. Se fosse simples, a gente já teria resolvido. A matéria é politicamente e juridicamente complexa. É um debate que deve mobilizar a classe política, os movimentos sociais, a sociedade civil. Nós estamos falando da formatação da democracia brasileira.
Como o tema é visto no tribunal?
Eu não saberia dizer. O Supremo tem um modus operandi em que muitas vezes você não sabe exatamente o que os outros ministros pensam a respeito. E há uma certa liturgia de não ser invasivo.
O avanço do caso dependeria do presidente do STF para pautar seu julgamento.
Depois da audiência pública e do meu voto, aí eu pedirei pauta. E quem controla a pauta é a presidência.
O senhor tem informações sobre a disposição para isso?
Não. Nem o tema se colocou ainda.
O senhor imagina que o debate vá se estender no STF por muito tempo?
Não. A minha ideia é fazer a audiência pública, ter o meu voto pronto no primeiro semestre do ano que vem e pedir pauta. A partir daí, é com a presidência.
O senhor é crítico do estado de coisas da política brasileira e falou há pouco da necessidade de criar uma concorrência para os partidos, que estão em crise, com a imagem arranhada. Como se chegou a esse ponto, na sua ótica?
Numa democracia, política é gênero de primeira necessidade. Portanto todas as minhas posições são a favor da política, e não contra. O meu esforço é para aprimorar a política, inclusive atraindo novos valores para ela.
Presidi no TSE um grupo de trabalho que apresentou uma proposta de reforma política, que foi entregue ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia [DEM-RJ]. Temos a expectativa de que essa proposta avance, com a instituição do voto distrital misto.
Um dos objetivos de uma reforma deve ser facilitar a governabilidade. Acho que essa multidão de partidos que nós temos mercantilizou demais a política, e o interesse público com frequência fica de lado.
Então é uma soma de problemas que levou a esse quadro atual no sistema político?
O alto custo das eleições, a baixa representatividade e os incentivos à criação de partidos com pouca densidade programática produziram um quadro de descolamento entre a classe política e a sociedade civil. Como eu penso que isso é ruim para a democracia, acho que nós devemos trabalhar para promover uma reaproximação.
Nesse sentido, o senhor considera que a candidatura avulsa poderia ser um caminho?
Eu não sei. Só vou formar uma opinião sobre isso depois do debate.
Folha
O Brasil deveria modificar a legislação para permitir que pessoas sem filiação partidária se candidatem a cargos eletivos? O assunto será debatido no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda-feira, dia 9, em audiência pública convocada pelo ministro Luís Roberto Barroso.
Foram convidados representantes do Congresso e da Justiça Eleitoral, além de cientistas políticos, líderes partidários e membros de movimentos. Também foram abertas inscrições para outros interessados.
CANDIDATURAS AVULSAS – Barroso é o relator de uma ação que tramita na Corte desde 2017 e reivindica a liberação das chamadas candidaturas avulsas (ou independentes). À Folha o ministro rebate a tese de que a discussão contribui para enfraquecer os partidos e diz que formará opinião sobre o tema só depois da audiência, com a participação de apoiadores e detratores da ideia.
No âmbito do processo, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou parecer ao STF declarando posição favorável ao formato, que hoje é proibido pela Justiça Eleitoral.
O senhor diz que não antecipará seu voto, mas, de maneira geral, como vê esse debate? Por que é importante fazê-lo?
A candidatura avulsa é admitida em boa parte das democracias mundo afora. Acho que os partidos políticos são muito importantes em uma democracia e, portanto, é preciso ter em conta não fragilizá-los.
O segundo ponto é saber se a existência de candidatura avulsa criaria um tipo de concorrência que estimularia o aprimoramento dos partidos. Essa é a equação que a audiência pública pretende resolver. Saber se é bom ou não para a democracia brasileira.
Quando você se dispõe a um debate, tem que estar preparado para ouvir os dois lados e formar a sua opinião depois. Eu, neste momento, eliminei as minhas opiniões prévias e vou ouvir os atores que considero relevantes. Aí vou propor ao tribunal uma solução.
O senhor percebe ambiente para esse debate no sistema político? Líderes partidários criticam as candidaturas avulsas.
Foram todos convidados e, portanto, a opinião deles será levada em conta pelo tribunal. É o que eu posso dizer por enquanto.
Há projetos de lei com esse propósito no Congresso que tramitam vagarosamente, o que demonstra que os partidos rechaçam o modelo.
A vida democrática tem uma dinâmica em que por vezes algumas matérias tramitam melhor, mais celeremente, no Legislativo, e às vezes elas envolvem um debate público judicial.
Há uma questão prévia, que é uma discussão importante, de saber se essa é uma escolha política que cabe ao Congresso ou se é uma matéria de interpretação constitucional, que pode ter ou deve ter a atuação do Supremo. Tudo está aberto a debate, inclusive esse ponto.
Acho que o Supremo pode decidir eventualmente que essa é uma questão que envolve escolhas políticas a critério do Congresso, e não interpretação constitucional. Esse não é um debate que começa com uma solução pronta.
Muitos apoiadores da proposta torcem para que a mudança seja aprovada e passe a valer já em 2020. O senhor vê possibilidade?
Acho difícil. E, nessa matéria, a pressa seria inimiga da perfeição. Acho que em 2020 isso seria decidido pelo tribunal e aí dependeria possivelmente de algum tipo de regulamentação, seja legislativa, seja por resolução, do TSE [Tribunal Superior Eleitoral].
Veja: em uma democracia, nenhum tema é tabu. Portanto tudo pode ser discutido à luz do dia.
Você [repórter] me disse que as lideranças partidárias têm uma posição contrária. Não sei, mas gostaria de saber quais são os argumentos. É importante para o debate público. Se eles forem relevantes e decisivos, devem prevalecer. Mas há outros atores que também merecem ser ouvidos.
Não se pode resvalar na velha crítica de que o Judiciário estará legislando?
Veja, não creio que seja uma crítica procedente. O Supremo atuou mais proativamente em casos que envolviam as duas situações em que uma suprema corte pode e deve ser proativa: na defesa de direitos fundamentais e na proteção das regras do jogo democrático.
Dou alguns exemplos. Na primeira situação: possibilidade de uniões homoafetivas e de interrupção da gestação de feto anencéfalo. Ambas matérias politicamente delicadas, que não encontravam uma solução no Legislativo. Você não conseguia construir consensos. Mas as consequências existiam na vida real, então o Judiciário tinha que decidir.
Na segunda situação: financiamento eleitoral por pessoas jurídicas. Havia uma imensa demanda social pela sua transformação. O sistema era imoral e acho que era incompatível com a Constituição. Como o Congresso não conseguiu construir um consenso, o Supremo em boa hora derrubou um modelo de financiamento que era mafioso, como os fatos vieram a comprovar [na Operação Lava Jato].
Portanto essa afirmação de que o Supremo, entre aspas, ‘legisla’ é exagerada, quando não injusta. É assim em todas as democracias do mundo. Surgindo os problemas perante o Judiciário, o Supremo não pode dizer que não tem como resolver.
Qual é o embate que está colocado? É entre o nosso modelo de democracia mediada pelos partidos e o direito de votar e ser votado?
Na minha visão, hoje, prévia ao debate, acho que o objetivo é avaliar se a existência de candidaturas avulsas produziria ou não um impacto positivo sobre as estruturas partidárias. Se contribuiria para a democratização interna dos partidos, para uma aproximação dos partidos com a sociedade.
Essa é justamente uma das principais críticas à proposta, a de que o modelo esvaziaria os partidos.
Se você transpuser conceitos econômicos, o princípio que vale é o de que a competição sempre aprimora os produtos.
Há questões práticas que precisariam ser equacionadas, como a distribuição de recursos do fundo eleitoral e a governabilidade no Legislativo.
Há muitas questões de regulamentação posterior. Se fosse simples, a gente já teria resolvido. A matéria é politicamente e juridicamente complexa. É um debate que deve mobilizar a classe política, os movimentos sociais, a sociedade civil. Nós estamos falando da formatação da democracia brasileira.
Como o tema é visto no tribunal?
Eu não saberia dizer. O Supremo tem um modus operandi em que muitas vezes você não sabe exatamente o que os outros ministros pensam a respeito. E há uma certa liturgia de não ser invasivo.
O avanço do caso dependeria do presidente do STF para pautar seu julgamento.
Depois da audiência pública e do meu voto, aí eu pedirei pauta. E quem controla a pauta é a presidência.
O senhor tem informações sobre a disposição para isso?
Não. Nem o tema se colocou ainda.
O senhor imagina que o debate vá se estender no STF por muito tempo?
Não. A minha ideia é fazer a audiência pública, ter o meu voto pronto no primeiro semestre do ano que vem e pedir pauta. A partir daí, é com a presidência.
O senhor é crítico do estado de coisas da política brasileira e falou há pouco da necessidade de criar uma concorrência para os partidos, que estão em crise, com a imagem arranhada. Como se chegou a esse ponto, na sua ótica?
Numa democracia, política é gênero de primeira necessidade. Portanto todas as minhas posições são a favor da política, e não contra. O meu esforço é para aprimorar a política, inclusive atraindo novos valores para ela.
Presidi no TSE um grupo de trabalho que apresentou uma proposta de reforma política, que foi entregue ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia [DEM-RJ]. Temos a expectativa de que essa proposta avance, com a instituição do voto distrital misto.
Um dos objetivos de uma reforma deve ser facilitar a governabilidade. Acho que essa multidão de partidos que nós temos mercantilizou demais a política, e o interesse público com frequência fica de lado.
Então é uma soma de problemas que levou a esse quadro atual no sistema político?
O alto custo das eleições, a baixa representatividade e os incentivos à criação de partidos com pouca densidade programática produziram um quadro de descolamento entre a classe política e a sociedade civil. Como eu penso que isso é ruim para a democracia, acho que nós devemos trabalhar para promover uma reaproximação.
Nesse sentido, o senhor considera que a candidatura avulsa poderia ser um caminho?
Eu não sei. Só vou formar uma opinião sobre isso depois do debate.
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