Imagine um barqueiro solitário que num fim de tarde se ponha a velejar mar adentro, até perder a terra de vista. Rodeado, então, de águas profundas, o barqueiro deixa-se à deriva e, cansado, adormece. Enquanto dorme, a noite cai, o céu, antes claro, se reveste de pesadas nuvens. Um breu completo envolve a frágil embarcação e seu sonolento ocupante.
Suponhamos, agora, que uma súbita sacolejada desperte o nosso barqueiro no leito negro ao qual se abandonara. E ei-lo ali, sitiado pela água e pela noite. O que dirá nessa situação? Proclamará: “Finalmente sou um homem livre, livre de tudo e de todos!”? Ou, ao contrário, exclamará para si mesmo: “Estou perdido!”?
É muito improvável que, em tais circunstâncias, alguém se considere livre, pois todo aquele que não sabe para onde ir (que não sabe se localizar no espaço), não está livre, mas perdido. Com efeito, só quando o barqueiro vislumbrar algo que lhe sinalize o rumo a seguir terá recuperado sua liberdade. Antes disso não. E note-se que é a própria liberdade de ir para onde deve que cria a possibilidade de andar no rumo oposto.
Pois não é diferente em nossa condição de barqueiros no oceano da vida. Corra os olhos, leitor, pelo seu entorno. Verifique para onde está apontando a quilha de seu barco e se é para lá, realmente, que você deseja ir. Certifique-se de que é um destino pelo qual vale à pena viver. E, principalmente, não hesite em buscar um novo sentido em Deus se descobrir que está, como o nosso barqueiro, perdido numa noite desnecessariamente escura.
Cem por cento das pessoas conscientemente felizes, não muitas, por certo, sabem para onde ir e não confundem liberdade com desorientação. Ao mesmo tempo, a totalidade dos infelizes e dos desgraçados se percebe sem rumo no mar da vida.
Por mais farpados que sejam os fios com que se tecem os dramas que a compõem, nada é mais dramático na condição humana do que a tragédia de uma vida inteira sem sentido. Viver para as circunstâncias e não para a finalidade significa viver para os cenários e não para a história. Significa deixar-se viver. E essa é uma forma patética de se deixar morrer.
Um novo ano e uma nova década iniciam neste 1º de janeiro. Que sejam tempos e anos plenos de sentido e realização, em harmonioso convívio com o Bem.
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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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