Hong Kong é o maior contra-ataque deste século aos ideais socialistas,
expondo como a ilusão não durou muito tempo: a longo prazo, o socialismo
nada é senão a fórmula perfeita para a tirania e miséria. Artigo de
Maria Castello Branco, publicado pelo Observador:
Junho foi um mês importante para a democracia liberal. Foi no dia 27
que Vladimir Putin decretou, com um certo tom de triunfalismo, o
Liberalismo como “obsoleto”,
porque colide, hoje, com “as crenças da maior parte da população”, que
rejeita a “imigração, as fronteiras abertas e o multiculturalismo”.
Quase antevendo as declarações do líder Russo, o Governo de Hong Kong
propôs uma lei que admitiria, se aprovada, que cidadãos de Hong Kong
pudessem ser extraditados para território Chinês. Mas foi em Junho que
Hong Kong contrariou as crenças de líderes autoritários: foi em Junho
que Hong Kong saiu às ruas; foi em Junho que o mundo assistiu ao início
do maior protesto democrático do nosso século.
A antiga colónia britânica, que resistiu aos últimos 22 anos sob a
regra de one country, two systems, está no abismo da democracia: os
cidadãos lutam, hoje, contra a pesada máquina de Estado Chinesa,
provando que o Liberalismo não morreu, e que o Liberalismo pode também
ser radical quando confrontado com um regime autoritário e de ímpetos
tirânicos.
A Deusa da Liberdade de ‘89, que combinava a estética soviética com
um certo classicismo ocidental, renasceu em Hong Kong pelas mãos de uma
nova geração que não tem medo de ofender a elite comunista de Pequim,
afrontando o exercício do poder ordenado centralmente por via do
aparelho estatal. Defendem a democracia, mesmo antevendo que a única
forma democrática que Pequim admite é uma democracia que pode controlar.
Defendem a liberdade, mesmo sabendo que a única liberdade que Pequim
tolera é baseada em 3 parâmetros: presta culto ao líder, respeita a
autoridade e, se te portares bem, pode ser que estejas livre de ser
enviado para os neo-gulags.
Mas a Cidade Liberal mantém-se firme na tentativa de preservação de
valores da democracia ocidental que apoquentam Pequim e que contrariam
as convicções de líderes autoritários: não, a população de Hong Kong não
rejeita o multiculturalismo, a emigração e as fronteiras abertas. Não, a
população de Hong Kong não considera que o liberalismo esteja obsoleto,
por muito que tal agradasse ao Poder centralista e populista de Pequim.
E o tom triunfal das declarações de Putin vai-se encolhendo. E sim,
Hong Kong representa o maior contra-ataque deste século aos ideais
socialistas, expondo que a intervenção estatal providencia uma ilusão
inicial de sucesso que não dura muito tempo: a longo prazo, o socialismo
nada é senão a fórmula perfeita para a tirania e miséria. E os cidadãos
de Hong Kong sentem-no cada vez mais, à medida que a China trespassa as
fronteiras da região para retirar liberdades individuais a cidadãos que
se habituaram a viver em liberdade.
O que se passa nas ruas de Hong Kong expõe a hipocrisia Chinesa,
enquanto enfraquece e compromete as promessas de estabilidade e
eficiência do Governo de Pequim. É que a Rússia e a China representam os
maiores ataques ideológicos e geopolíticos ao Liberalismo Ocidental e,
em resposta aos protestos em Hong Kong e Moscovo, ambos os governos se
refugiaram numa paranoia conveniente, alegando que as revoltas que
desmascaram a estranha democracia vigente nos dois territórios são
orquestradas por inimigos estrangeiros.
Falta-nos perceber, cá, na Europa privilegiada e Ocidental, o que os
jovens de Hong Kong e de Moscovo já compreenderam: que o único antídoto
para governos autoritários e oligárquicos é o liberalismo. Foi a
doutrina liberal e a sua defesa da liberdade individual, do mercado
livre, de um governo limitado, a par com a fé no progresso humano, que
formou o mundo livre ocidental. Urge estender a mão aos jovens que
lutam, hoje, pela mudança. Senão, corremos o risco de os fechar nos
regimes autocráticos e ficaremos a falar sozinhos – e solilóquios são
tristes para o pluralismo liberal.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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