MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sábado, 29 de dezembro de 2018

O antimarxismo não conhece Marx, não leu sua obra nem as análises sobre ele


Resultado de imagem para marx frasesMarco Aurélio Nogueira
Estadão
Estar em crise não significa estar à beira da morte. O capitalismo tem conseguido avançar mediante o processamento de seus limites e contradições, usando isso para alavancar novos ciclos de expansão. Tem sido beneficiado, paradoxalmente, por três coisas: pela desorganização da sociedade de classes, pela democratização derivada das lutas sociais e da ampliação progressiva das margens de liberdade, o que paradoxalmente esfriou o desejo de revolução, e pela incapacidade prática da utopia marxista (a organização consciente da produção social) de se traduzir efetivamente no terreno da vida cotidiana.
Há planejamento, racionalização e regulação, mas a economia continua fora de controle, fazendo com que o sistema econômico despeje seus custos sobre as costas dos mais frágeis e desprotegidos, os desempregados, os trabalhadores precários, os migrantes e refugiados, os excluídos de todo tipo.
ADVERTÊNCIA – As ideias de Marx, nesse sentido, mantiveram-se como uma advertência para o sistema. Revelaram suas entranhas, sua face perversa e desumana. Permaneceram como uma espécie de “demônio antissistema” a desafiar o coro dos contentes.
O marxismo profetizou uma revolução do proletariado, que não teve como se realizar. Onde ela foi tentada os resultados deixaram a desejar. Depois da queda do Muro e do fim dos “socialismos reais”, a partir de 1990, ficou a impressão de que o marxismo desfalecera irremediavelmente. Tornou-se usual falar que “Marx estava morto”. No primeiro momento, Marx foi deslocado para a margem. Lá, porém, permaneceu a latejar. Continuou a ser consagrado e tratado de modo “religioso” por um séquito de milhares de cabeças, mas no terreno do pensamento tornou-se muito mais profano e laico, passando a receber tratamento mais distante e bem comportado, não como profeta de uma revolução política que não ocorreria, não como inspirador de movimentos e partidos, mas como impulsionador de uma visão abrangente do mundo.
PASSAGEM OBRIGATÓRIA – Marx perdeu algo de sua potência contestadora mas se manteve como passagem obrigatória para qualquer atitude interessada em se debruçar criticamente sobre a sociedade.
A permanência de Marx deixou de ser alimentada por certos recursos de reprodução simbólica e de narrativa revolucionária. Os partidos operários de primeira e segunda gerações – o movimento operário histórico – foram soçobrando e assumindo outras características, nas quais Marx e Engels não podiam seguir como “patronos”. Os Estados comunistas desapareceram.
A linhagem construída pela tradição tradicional foi posta em xeque, e Marx deixou de ser o primeiro de uma sequência que passaria “obrigatoriamente” por Engels, Lênin, Trotsky, Stalin, Mao e Fidel, além, evidentemente, dos secretários-gerais dos partidos comunistas.
REVISIONISMOS – O “marxismo-leninismo” simplesmente evaporou. Heterodoxos de todo tipo ganharam a luz do dia e se projetaram. Foi assim com Lukács, Rosa Luxemburg, Kautsky, Korsch e, sobretudo, Gramsci – todos eles comunistas e marxistas, mas invariavelmente atacados pela ortodoxia como “revisionistas”.
A dissolução dessa cultura reverencial fez bem ao marxismo. Tornou-o mais livre para ser examinado criticamente, atualizado e revisto com critérios científicos. O marxismo perdeu a aura sagrada que tinha antes, mas suas ideias-força incorporaram-se ao pensamento prevalecente.
O MERCADO – Não só passamos a aceitar o poder de determinação da economia, por exemplo, como nos tornamos mais “totalizadores” e dialéticos, enxergando a sociedade como um complexo composto de complexos, no qual tudo interage com tudo o tempo todo. A concepção ético-política do marxismo não teve a mesma disseminação, mas no conjunto o pensamento de Marx mostrou-se vitorioso.
Nada disso pode ser eliminado como se fosse um dejeto do passado. O marxismo, sua história e seu significado precisam ser, ao contrário, devidamente assimilados, parte da cultura moderna que são.
A inquisição antimarxista atual, porém, não dispõe de envergadura teórica, sabedoria e inteligência democrática para se pôr criticamente diante de Marx e de seu legado. Opta, por isso, pela estigmatização pura e simples, com o que chega a uma caricatura do marxismo que só faz rebaixar o nível de um debate que precisa ser mantido e proliferar.

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