O
presidente da D9 foi preso por agentes da Interpol no dia 13 de
fevereiro ao desembarcar no aeroporto de Dubai, cidade que frequenta há
pelo menos um ano. A detenção na cidade mais rica dos Emirados Árabes
Unidos foi consequência de um decreto de prisão preventiva do juiz
Ricardo Andrade, da 1ª Vara Criminal de Sapiranga, cidade da região
metropolitana de Porto Alegre onde tramita uma ação penal contra ele e
outras 22 pessoas acusadas de participação no esquema.
Por
esta razão, o Ministério da Justiça brasileiro tenta extraditá-lo, em
um processo que promete ser demorado. Enquanto não sabe quando e se será
extraditado, Danilo Santana espera que o juiz Murilo Luiz Staut
Barreto, da 1ª Vara Criminal de Itabuna, aceite homologar seu acordo de
colaboração premiada firmado com o Ministério Público baiano, cujos
termos permanecem em sigilo.
Ele
autorizou também seu advogado, cuja carteira está suspensa pela OAB, a
negociar com milhares de vítimas da D9, sem ainda apresentar uma
proposta de devolução de dinheiro.
COMO FUNCIONAVA O ESQUEMA DE PIRÂMIDE FINANCEIRA
As
denúncias do MPs da Bahia e do Rio Grande do Sul contra Danilo Santana
concluíram que o golpe aplicado por ele e seus comparsas são típicos de
uma pirâmide financeira. As acusações são de crimes contra economia
popular, associação criminosa, estelionato e lavagem de dinheiro.
Um
esquema de pirâmide financeira funciona assim: sob uma falsa promessa
de altos lucros, um grupo de golpistas vende uma aplicação ou serviço a
terceiros que, por sua vez, precisam chamar outras pessoas para o
negócio. Forma-se uma estrutura piramidal, onde a base é constituída
pela maioria dos investidores.
Cada
novo membro que compra um “pacote de investimentos” financia o
pagamento dos membros acima na cadeia. Até que, em determinado momento, o
fluxo é interrompido. Dessa forma, o dinheiro no final fica com os membros do topo da pirâmide, enquanto a base amarga o prejuízo de perder tudo o que investiu.
Um
caso exemplar é o chamado “escândalo da Telexfree”, que estourou no ano
de 2013 e incluía um sistema ligado à venda de serviços telefônicos.
Investigadores da força-tarefa criada pela Polícia Civil baiana em
Itabuna descobriram que Danilo Santana também operou no esquema da
Telexfree. Só que ele sofisticou a fraude, afirmam as investigações
policiais. Ele apresentava a D9 como uma escola de “trading esportivo”,
uma forma de investimento muito comum na Inglaterra e nos Estados Unidos
em que se faz apostas contra outras pessoas com base no que acontece em
um evento esportivo, a exemplo de uma partida de futebol. É a chamada
bolsa esportiva. Daí a origem dos slogans da D9: “Bola na rede. Dinheiro
no bolso” e “Aqui a gente dribla a crise e vence de goleada”.
Os
líderes eram subdivididos em categorias (gerente, coordenador,
treinador e capitão) em alusão a eventos esportivos, para dar a ideia de
que o negócio se tratava de um verdadeiro investimento em trading
esportivo. Eventos da D9 contavam com participação de atletas e
exatletas. Havia uma outra inovação no golpe da D9: os pagamentos eram
feitos em bitcoins, uma moeda virtual cuja emissão não é controlada pelo
Banco Central.
“Só
que nenhuma aposta era realmente feita e nenhum curso era ministrado. O
esquema consiste em mera especulação financeira através dos
investimentos das vítimas”, afirma o promotor de Justiça Sergio Cunha,
responsável pela denúncia contra Santana e o grupo gaúcho da D9 junto à
1ª Vara Criminal de Sapiranga.
Em sua denúncia, Cunha identificou, como integrante do esquema, uma empresa de informática sediada na cidade de Betim (MG), responsável pela administração site da D9. Parte do dinheiro era desviada para a
conta dessa empresa, a mando de Danilo Santana.
Em sua denúncia, Cunha identificou, como integrante do esquema, uma empresa de informática sediada na cidade de Betim (MG), responsável pela administração site da D9. Parte do dinheiro era desviada para a
conta dessa empresa, a mando de Danilo Santana.
BÍBLIA E OSTENTAÇÃO: O DISCURSO DA D9
O
UOL assistiu a palestras gravadas por integrantes da D9, que estão
disponíveis na internet, inclusive as feitas pelo próprio Danilo
Santana, que se define como evangélico. Nestes eventos, os palestrantes
abusam de termos bíblicos e frases retiradas de livros de autoajuda.
Eles apresentam a D9 como “uma família de investidores”.
O
discurso é permeado por uma ênfase “na mudança de padrão de vida” e na
segurança do sistema de investimentos. Há relatos de “investidores” que
“ganharam muito dinheiro” em um curto espaço de tempo. Porém, essas
pessoas fazem parte do esquema, indicam as investigações policiais.
“Não
é possível que uma pessoa desenvolva uma pirâmide financeira porque
quer. Eu não acredito. A pessoa desenvolve porque precisa. Se eu
precisasse manter a minha, eu assim faria, todo mundo precisa levar um
mantimento para sua família. Mas este não é o caso da D9”, afirmou
Danilo Santana, em uma palestra realizada em 13 de dezembro de 2016, em Ilhéus (BA).
“Ele
é muito carismático. Se você conversar com ele durante dez minutos, vai
querer ser seu amigo. Ele convence quem quer”, afirmou, sob sigilo, uma
pessoa que trabalhou com Santana. Os integrantes da D9 realizavam
palestras em várias cidades por todo o país e ostentavam carros e motos
de luxo com o objetivo de aliciar novas vítimas para o esquema.
Os
gaúchos que comandavam o golpe da D9 no Rio Grande do Sul ficaram
conhecidos como “o grupo do Camaro”. Esse carro tem valor de mercado de
até R$ 338 mil. E os operadores do golpe convenciam muita gente a
aplicar o dinheiro: em um dos casos citados na denúncia do MP gaúcho,
dois investidores entregaram R$ 240 mil aos integrantes da D9, sob a
promessa de que obteriam cerca de 300% do valor investido, o que nunca
aconteceu.
“Houve
casos de investidores que chegaram a aplicar R$ 1 milhão. Mas também
pessoas pobres investiram tudo o que tinham, contraíram empréstimos e
hoje estão completamente falidas”, afirma a advogada Caroline Baratz,
que defende um grupo de vítimas da D9 no Rio Grande do Sul.
“Eu
percebi que tinha caído num golpe quando chequei as placas dos carros
que os líderes dirigiam e descobri que era tudo financiado e que as
prestações não estavam sendo pagas”, disse a microempresária Maria
Rosinete Pereira, moradora de Porto Alegre. Ela perdeu R$ 20 mil e dois
outros sócios perderam quase R$7.000 cada um.
D9 NO PARAGUAI: 30 MIL VÍTIMAS
Além
de vítimas do golpe espalhadas por todo o país, há investidores
ludibriados pelo esquema da D9 identificados pela reportagem em países
como Argentina, Uruguai, Uganda, Quênia, Nigéria, China, Japão, Estados
Unidos, Afeganistão, Itália e Paraguai. Somente no país vizinho, uma
investigação do Ministério Público local detectou cerca de 30 mil
cidadãos prejudicados, de acordo com o jornal “ABC Color”.
“Eu
não imaginava que seria vítima de uma fraude por causa da
infraestrutura e do discurso de confiança que eles apresentavam. Eles se
aproveitaram da lealdade do povo”, disse ao UOL o piloto paraguaio
German Spaini, morador de Assunção. Ele perdeu US$ 2.350 (cerca de
R$8.100).
Nas
postagens de Danilo Santana no Facebook, não faltam comentários de
pessoas que se julgam prejudicadas pela D9. Houve vezes em que ele
respondeu pedindo para que os investidores respeitassem a “hierarquia” e
que fizessem contatos com seus líderes locais, e não com ele, o
presidente da D9. Em outras ocasiões, usou linguagem jocosa para
responder às críticas: “Pô, sofrência, toma jeito de líder”. Há também
mensagens de vítimas do golpe que são verdadeiras ameaças de morte.
“Ainda colocarei uma bala em sua cabeça”, escreveu um cidadão que se
identificou como sendo da Argentina. Quando estourou o escândalo da D9,
Danilo Santana chegou a retirar seus pais da casa onde eles moravam em
Itabuna por causa de ameaças, de acordo com reportagem veiculada em
agosto do ano passado pelo “Fantástico”, da TV Globo.
VÍTIMAS TENTAM RECUPERAR DINHEIRO INVESTIDO
O
esquema piramidal da D9 começou a desmoronar em março de 2017, quando o
fluxo de pagamento em bitcoins começou a ser interrompido. Neste
momento, Danilo Santana e seus líderes começaram a culpar “concorrentes”
e problemas “no sistema”. Meses depois, exigiam que os investidores
fizessem novos depósitos para ter acesso aos valores que já tinham sido
depositados. O dinheiro havia sumido e quase ninguém recuperou o que
investiu.
“Eu
cobrei o Márcio Rodrigo Santos, que era líder do grupo no Rio Grande do
Sul. Eu pressionei tanto que ele me levou até sua casa, abriu o
porta-malas do Camaro e me mostrou uma mala cheia de dinheiro. Ele me
pagou R$ 4.500. Foi o único valor que eu consegui recuperar”, disse ao
UOL, sob sigilo, uma vítima que investiu um total de R$ 23 mil.
As vítimas da D9 criaram associações e entraram na Justiça com
processos de ações indenizatórias coletivas. O grupo gaúcho já reúne
cerca de 350 pessoas, que pedem mais de R$ 10 milhões, a título de
restituição. A ação que tramita em uma vara cível de Itabuna, cidade
onde golpe começou, reúne 1.300 vítimas de todo o país.
“Essas
vítimas somadas têm a receber mais de R$ 27 milhões. Porém, somente
nesta semana eu recebi o contato de outras 500 pessoas que foram
prejudicadas e também vão entrar no processo”, afirma o advogado
cearense Manasses Gomes da Silva, responsável pela ação cível em
Itabuna.
Na
última quinta-feira (26), o advogado se reuniu com representantes da
D9, mas nenhum acordo foi celebrado. O encontro ocorreu na cidade de
Juazeiro do Norte (CE). A reportagem encontrou somente na justiça baiana
outros 22 processos individuais contra Danilo Santana. Ao pedir à
Justiça da Bahia o bloqueio de contas bancárias e de bens de Danilo
Santana e de outros sete integrantes do esquema, a Polícia Civil do
estado estimou em R$ 200 milhões o prejuízo causado, devido ao grande
número de vítimas. O MP gaúcho também conseguiu apreender carros de luxo
usados pelos integrantes do esquema no estado.
MP-RS LUTA POR EXTRADIÇÃO; NA BAHIA, COLABORAÇÃO É ANALISADA
Conforme
mencionado acima, as investigações na Bahia e no Rio Grande do Sul
seguem em paralelo. As duas motivaram denúncias dos MPs locais, porém,
no âmbito baiano, Danilo Santana firmou um acordo de colaboração
premiada com a promotoria de Itabuna.
“O
acordo foi oferecido, mas ainda se encontra em fase de tramitação,
conferindo-se legalidade e documentação, não estando homologado”,
afirmou o juiz da 1ª Vara Criminal de Itabuna, Murilo Luiz Staut
Barreto. O magistrado disse que o caso está sob sigilo. O UOL procurou o
promotor responsável pelo caso, mas, de acordo com a assessoria do MP
da Bahia, ele não vai se pronunciar sobre o assunto. Por sua vez, o MP
gaúcho corre contra o tempo para extraditar Danilo Santana. Não há
tratado de extradição entre Brasil e Emirados Árabes Unidos.
“Conforme
foi pedido pelas autoridades do país, o MP busca um tradutor
juramentado que possa transcrever os documentos do processo para o
árabe. Ao mesmo tempo, estamos tentando, por meio do Ministério da
Justiça, propor que eles aceitem a tradução dos documentos para o
inglês, o que seria mais barato e mais rápido”, explica o promotor
Sergio Cunha.
Cunha
informou que o próximo passo da investigação no Rio Grande do Sul é o
de identificar quem são os “líderes nacionais” do esquema da D9. Em um
documento do MP gaúcho, a cujo conteúdo a reportagem teve acesso, estão
listados entre os suspeitos de participação neste núcleo nacional, o
jornalista Sergio Cursino e um primo de Santana, Alex Gouveia,
considerado seu braço direito. Cursino participou de eventos e gravou
vídeos com informes aos investidores da D9 que estão disponíveis no
YouTube. Danilo Santana o apresentava como o “diretor nacional de
comunicação da empresa”.
“Minha
relação com a D9 foi estritamente profissional: prestação de serviços
de consultoria de comunicação,” se defende Cursino. “Esse título de
diretor de comunicação foi utilizado indevidamente: jamais exerci
qualquer cargo nessa empresa, era exclusivamente um prestador de
serviços assim como tantos outros profissionais, não conhecia o
funcionamento do empreendimento, era um técnico da área.
Danilo
usou indevidamente o título para imprimir credibilidade à empresa, era
uma prestação de serviços informal, sem vínculo algum”, afirmou. Cursino
diz estar processando Santana.
DANILO SANTANA ESTÁ EM DUBAI HÁ UM ANO
A
última postagem de Danilo Santana no Facebook data de 7 de abril de
2017, quando os pagamentos aos clientes da D9 já tinham sido
interrompidos. Na foto, ele aparece andando de jet ski em Dubai. Ele
escreveu a seguinte legenda: “O baiano virou dubaiano (sic)”.
Meses
depois, sob cerco das investigações policiais sobre sua empresa de
fachada, ele gravou um vídeo, também disponível na internet, em que
afirma estar no exterior por questões de segurança. “Eu costumo dizer
que nunca procurei inimigos, mas às vezes a gente encontra o que não
procura. Então tem pessoas que entraram em contato com a gente tentando
nos extorquir, e nós não trabalhamos com isso.” Ainda neste mesmo vídeo,
ele afirmou ter “informações” sobre políticos e pessoas que disputam os
cargos públicos. Não se sabe ainda se em seu acordo de colaboração
premiada com o MP baiano Danilo Santana delatou alguém. À reportagem, um
investigador da Polícia Civil baiana, que participou da negociação,
afirmou que o acordo não se trata de uma delação.
Danilo
Santana teria reconhecido que cometeu crimes e aceitado ressarcir as
vítimas, com o objetivo de reduzir uma eventual pena.
Ao
UOL, o advogado Rafael Roveri Molina afirmou que coordena os trabalhos
da defesa de Danilo Santana. Seu nome aparece como defensor do
presidente da D9 na ação penal de Sapiranga. Ele participou de reuniões
com advogados das vítimas da D9, onde nenhuma proposta concreta de
devolução de dinheiro foi apresentada. Porém, até a publicação desta
reportagem, Molina tinha a carteira suspensa pela OAB do Paraná e, nesta
situação, estaria proibido de atuar em processos. O UOL apurou que ele
foi acusado por um cliente de retenção de valores e falta de prestação
de contas. O processo corre em sigilo de Justiça no braço paranaense da
instituição.
Molina
afirmou que a situação de sua carteira já estaria “resolvida”, e sua
carteira, “ativa novamente”. A respeito das acusações que pesam contra
seu cliente, ele afirmou que só se manifestará depois de ter acesso a
todos os autos dos processos criminais e cíveis. Mas declarou que Danilo
Santana “tem o desejo de resolver a situação dos investidores da D9”.
De
acordo com o Ministério da Justiça, ainda não há uma previsão de quando
será feita a extradição de Santana. No dia 25 de fevereiro, 12 dias
após ser preso, Danilo Santana foi solto pelos Emirados Árabes Unidos
após pagar fiança. Seus passos estão sendo monitorados pelas autoridades
locais. Seu nome permanece na lista de procurados da Interpol.
Ele pode ser preso se desembarcar em outro país. De acordo com o
Ministério da Justiça, ainda não há uma previsão de quando será feita a
extradição de Santana. UOL, Folha de SP.
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