Em artigo corajoso, Catarina Rochamonte faz uma crítica arrasadora às políticas "progressistas" dirigidas às mulheres. "O
feminismo, como toda organização política que se imanentizou
totalmente, perdeu suas características e hoje raramente traduz um
anseio real e espontâneo. Na maioria das vezes é um conjunto de
lugares-comuns, clichês e palavras de ordem carentes de valor e
sentido". Segue na íntegra o artigo publicado pelo Mises Brasil:
A esquerda ainda
domina a cultura no Brasil e, se vamos falar do papel da mulher na
política e na cultura, precisamos começar analisando o significado dessa
hegemonia.
Só uma pequena parte
da esquerda mantém um discurso mais ligado às raízes dos movimentos
socialistas e continua apelando para desusados termos do dicionário
marxista e revolucionário. Já a maioria desse espectro político — aquela
que ainda tem algum poder de sedução sobre as mentes mais jovens —
centraliza seu discurso fundamentalmente em questões de gênero e
sexualidade, apelando para uma ideia de desconstrução que passa
inevitavelmente por um questionamento dos valores morais e da tradição.
Assim, é de se notar
que, ao passo que o marxismo punha em cheque os valores morais
qualificando-os de valores burgueses, a esquerda progressista continua
esse processo de desqualificação por outros meios, e um deles consiste
em centrar esforços na construção de um discurso afirmativo e
glorificante em relação a todo e qualquer desvio da sexualidade normal,
inclusive problematizando, por meio da criação de neologismos, a
existência dessa normalidade.
Fala-se, por exemplo, de 'heteronormatividade',
palavra cult que visa a questionar o pressuposto de que somos e de que
os outros são naturalmente heterossexuais ou que essa seria, pelo menos,
a chamada normalidade sexual. Ocorre que o fato de pressupormos alguma
normalidade, naturalidade ou regra não significa que não tenhamos em
mente a existência de exceções e, principalmente, não impede que
respeitemos, que acolhamos e que afirmemos a dignidade da pessoa
homossexual, bissexual ou transexual.
O problema é que, na
preocupação excessiva de não sermos tachados de preconceituosos,
deixamo-nos subjugar por uma visão de mundo que, de tão autoritária,
quer nos impor uma linguagem criada por eles mesmos. Quer impor, por
exemplo, uma absurda modificação na língua portuguesa trocando as
desinências de gênero por um "x" ou "@" que denotaria justamente aquela
ausência de pressuposição heteronormativa, sugerindo que tudo, inclusive
o gênero, seria uma construção social.
Trata-se, obviamente, de uma revolta contra a natureza e explicita o caráter totalmente materialista e imanentista da visão de mundo da esquerda progressista.
Não seria uma vã
digressão irmos até a Grécia Clássica, pois lá veríamos que a concepção
naturalista, hedonista e reducionista do ser humano já era combatida por
Sócrates, cuja originalidade foi justamente sugerir que não é por meio
da expansão e da satisfação da sua natureza física que o homem pode
encontrar a harmonia com o ser, mas sim pelo domínio completo sobre si
próprio, de acordo com a lei que se descobre no exame da própria alma.
Ora, nenhum
materialista acredita nessa alma imortal que, para Sócrates, era a fonte
dos supremos valores. Materialistas não acreditam em valores eternos.
Consequentemente, pensam ser possível criar e impor valores e verdades
por meio do discurso e da prática social. Os sofistas, outrora vencidos
pela dialética socrática, estão hoje dominando a cultura, a mídia e as
salas de aula. Os sofistas de hoje (que não chegam aos pés do pior
sofista da antiguidade) estão educando os nossos filhos e tentando
fazê-los crer que a moralidade humana é algo puramente convencional.
A disputa cultural de
hoje permanece sendo, pois, como na época de Platão, uma disputa entre
dois tipos de humanismo ou duas concepções distintas a respeito de
natureza humana:
a) Um lado parte da
concepção da natureza humana como mero instinto, e o seu ideal coincide
com o ideal dos tiranos — embora atue nos espaços democráticos e
desvirtue a palavra democracia ao seu bel prazer como fazem com as
outras.
b) O outro lado não
julga apetecível o poder do tirano e, por isso, tem outra concepção de
felicidade e de natureza humana. Ele pretere o poder à Paidéia,
ou seja, ao aperfeiçoamento gradual do homem conforme o destino de sua
própria natureza, concebida aqui da maneira mais elevada possível.
Hoje, como antes, trata-se de escolher entre a filosofia do poder e a filosofia da educação; entre o ideal da kalokagathia
(de kalos kai agathos— belo e bom) e o ideal tirânico. Trata-se de
escolher entre a luta que se prolonga por toda uma vida como uma batalha
da alma para se libertar da ignorância e a luta para exercer o poder
externo e subjugar mentes à concepção deletéria e infantil do
materialismo e das práticas políticas que o tem por base.
Mulheres e feminismo
E onde entram as
mulheres nessa nossa reflexão? Na necessidade premente de se vincularem à
política por outro viés que não aquele pautado pelas feministas.
As pautas do
feminismo atual são as pautas da esquerda progressista, e esse movimento
tende a querer impor de cima para baixo leis que, em vez de limitar o
poder — que o nós liberais, libertários ou conservadores defendemos —,
querem exatamente ampliá-lo.
Pior: querem fazê-lo incidir sobre nossas relações interpessoais e quotidianas.
Tome-se como exemplo os projetos de lei e, especificamente, a lei aprovada em Fortaleza
que prevê multa de R$ 2.000 para quem for flagrado dando uma "cantada"
em uma mulher. As feministas de hoje se dedicam a problematizar os
elogios e descontos que recebem em casas de show, as propagandas das
quais participam, e os brinquedos infantis que as lojas oferecem às suas
filhas. E, ao mesmo tempo em que problematizam até o (raro)
comportamento cavalheiresco do homem, atribuem à "sociedade" e à sua
suposta "cultura machista" a culpa por um crime repulsivo como o
estupro, o qual é de responsabilidade inteiramente individual, desta
forma lançando sobre todos os homens uma culpa hipotética.
Agindo assim, cometem
o equívoco de considerar que entre uma simples cantada e um assédio
real ou mesmo um estupro não há uma distinção de natureza, mas sim
apenas de grau.
O resultado dessa
forma equivocada de abordagem é que, em vez de concentrar esforços na
punição exemplar do indivíduo que cometeu o horrendo crime de estupro,
passa-se a criminalizar, a policiar ou simplesmente a patrulhar a fala, o
gesto, o olhar.
Esse exemplo nos
mostra como as pautas feministas estão absolutamente deslocadas da
realidade e não raramente atuam contra as reais e concretas necessidades
das mulheres. Por enxergarem o mundo sob uma ótica reducionista e, como
tal, equivocada, militantes feministas, assim como militantes LGBTs
servem a causas e projetos políticos que, caso saíssem vitoriosos,
resultariam em um atraso significativo em relação às conquistas dessas
chamadas minorias.
Como não enxergar o paradoxo de uma "marcha das mulheres contra Trump", ocorrida em Janeiro de 2017 e organizada pela islamita Linda Sarsour,
uma ativista em prol da implementação da lei islâmica (sharia) nos EUA?
Como não estranhar que ativistas dos direitos LGBT apoiem
explicitamente os regimes socialistas ou sejam profundamente simpáticos
aos muçulmanos quando sabemos que, seja nas ditaduras socialistas, seja
nos países islâmicos essas pessoas não têm seus direitos e sua liberdade
minimamente respeitados e protegidos?
A explicação é que
tanto as pautas que dizem respeito à diversidade sexual quanto as pautas
que dizem respeito às mulheres foram instrumentalizadas pelos
movimentos sociais progressistas, tendo como resultado o descolamento da
realidade por meio de uma manipulação da linguagem. Com essa
manipulação da linguagem, a esquerda progressista tenta calar toda e
qualquer dissidência, a qual passa a temer sua própria expressão como se
habitássemos realmente esse mundo imaginário em que todo homem que dá
uma cantada em uma mulher é um estuprador em potencial, em que toda
pessoa que não quer que se faça experiências de engenharia social com o
seu filho é preconceituosa, em que todo homem que não quer ver seu filho
brincando de boneca é machista, em que toda mulher que não seja chata e
problematizadora é analfabeta política, em que todo aquele que não quer
se enquadrar nessa visão de mundo obtusa e dissolvente é fascista.
É preciso coragem
para enfrentar essa violência que nos é quotidianamente imposta. A
violência de sermos acusados do que não somos simplesmente porque a
esquerda usa a linguagem como instrumento de poder, de manipulação, sem
qualquer interesse pela verdade, pela realidade, pelos fatos. Não
odiamos pobres: isso seria patológico e desumano. Não queremos
retrocesso: isso seria estúpido. Não somos preconceituosos: lutamos pela
liberdade. Não somos fascistas: queremos menos estado. Não somos mulheres sem consciência política: somos mulheres cuja consciência moral não se anulou.
Se não confrontarmos
as narrativas totalitárias da esquerda e se não nos recusarmos ao
silêncio obediente que nos querem impor, não conseguiremos agir
eficazmente naquilo que realmente importa.
Queremos lutar contra
injustiças e não perder tempo com trivialidades. Por isso é tão
importante começarmos a tratar a questão do feminino fora das categorias
capturadas pelo discurso feminista. Somos mulheres, mas nosso discurso
brota de uma experiência direta, concreta, real. E essa experiência nos
diz que não é achincalhando o homem que nos liberaremos dos supostos
grilhões que ainda porventura nos prendem.
Política e "empoderamento" feminino
É elevando a nossa
voz e forçando a passagem com contumácia e retidão que haveremos de
lograr êxito nesse ambiente tradicionalmente masculino que é a política.
Mulheres na política para elevar a política à sutileza e à experiência
estética e amorosa próprias da mulher, e não para degenerar a mulher em
instrumento manipulável ao bel prazer das ideologias.
A condição de ser
mulher é totalmente compatível com a possibilidade de aprimoramento
próprio, de engrandecimento intelectual, moral, espiritual. Isso não
significa que não se constate as particularidades e dificuldades da
condição feminina, mas, em muitos aspectos, seria possível ver as
dificuldades sob um prisma positivo. Se levarmos em conta que uma das
maiores realizações do ser humano está na sua capacidade de servir, na
doação de si, no auto-sacrifício, então a mulher encontra na maternidade
a grande oportunidade desse exercício e nisso leva vantagem em relação
ao homem, pois a natureza lhe favoreceu sobremaneira nesse caminho,
proporcionando-lhe essa experiência que é natural e ao mesmo tempo
supranatural pela sua grandeza potencial.
Bem sei que essa
reflexão será tachada de conservadora, como se reservasse à mulher
apenas o lugar comum da maternidade, mas não se trata disso. Trata-se de
afirmar que a capacidade de auto-entrega e de doação de si pode, e até
mesmo deve, ser levada em conta como esfera da realização e que, se o
critério de emancipação ou de existência autêntica apregoado pelas
feministas limita-se ao chamado "empoderamento feminino", isso não deixa
de ser o sintoma de uma civilização profundamente egoísta que, a
despeito de se afirmar cristã, já não enxerga o sacrifício como virtude.
É preciso reconhecer
que, na civilização ocidental, a mulher já se alçou a patamares
elevadíssimos na esfera social, material e cultural. É por isso que é
absurdo e contraproducente para as próprias mulheres que as suas
questões sejam pautadas por um movimento social que é subserviente a uma
visão de mundo que renega o próprio mundo que lhe assegura a liberdade e
que flerta abertamente com modelos de sociedades fechadas e
ditatoriais.
Esse feminismo, cuja pauta fundamental é a descriminalização do aborto,
não nos serve porque nós servimos à vida e não à morte; nosso apreço é
pela liberdade e nossa luta é pela proteção da vida, desde a concepção.
De fato, um dos problemas do pensamento político que se auto-intitula
progressista é paradoxalmente a sua incapacidade de progredir, pois
insiste em travar batalhas já vencidas em vez de fluir com o dinamismo
social e enxergar os novos campos de luta que se põem.
Se a questão da
mulher permanecer circunscrita a esse conceito esdrúxulo de
"empoderamento feminino", a suposta emancipação só se dará pela recusa
da moralidade, da ordem, da tradição, das instituições, o que redundará
em uma rebeldia tola e inconsequente que poderá facilmente ser cooptada
por um espírito revolucionário cuja cosmovisão é claramente materialista
e, por isso mesmo, limitada e sectária.
Homem e mulher
A tarefa da mulher,
porém, não é apenas sublimar valores. É isso e é mais que isso. Sua
tarefa é elevar a cultura com sua sensibilidade, é inovar na política
com sua bravura e é, também, conciliar o ser humano com aquilo que lhe é
mais nobre: a vontade de justiça e de verdade.
Isso não significa
ditar "diretrizes de conduta", mas sim apontar para o que é, em si
mesmo, um valor e assumir esse valor como norteador de nossas
estratégias, sejam elas quais forem, deem-se elas por meios culturais,
políticos ou religiosos.
O mesmo ímpeto deve
acompanhar aquele cuja luta se expressa na liderança doméstica ou na
liderança de uma empresa. Os mesmos valores ético-morais devem nortear
aquele que trabalha a terra ou o intelecto. E os mesmos valores devem
ainda nortear a conduta daquele ente que está naturalmente mais
familiarizado com a força e daquele ente cuja força se expressa também
na sutileza de suas impressões singulares e superiores.
A mulher e o homem
equiparam-se quando, juntos, buscam elevar a si mesmos e a sua
descendência, à qual servirão de exemplo; quando, juntos, conquistam
terreno de concórdia e pacificação; quando, juntos, renegam o discurso
totalitário que os segrega, como se fossem dois combatentes e não seres
humanos unidos no campo de batalha terreno.
Cada um com sua
qualidade própria, cada um com sua singularidade, cada um com suas
características que, conjugadas, podem aumentar exponencialmente a
capacidade empreendedora e criadora da sociedade.
Conclusão
O âmbito político é
um campo aberto para a participação feminina. Que essa participação,
porém, venha em forma de acréscimo de força e de moralidade, e não de
intransigência e devassidão.
A ausência de
maturidade moral dos integrantes de qualquer agremiação a transforma em
uma espécie de doença inesperada e estranha que se incrusta no tecido
social.
O feminismo, como
toda organização política que se imanentizou totalmente, perdeu suas
características e hoje raramente traduz um anseio real e espontâneo. Na
maioria das vezes é um conjunto de lugares-comuns, clichês e palavras de
ordem carentes de valor e sentido. Sua meta é, não raro, a dissolução
daquilo a que deveríamos almejar por meio da conjugação entre os iguais
para metas superiores.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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