MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 1 de outubro de 2017

Quem acreditou na ilusão pós-nacional cometeu um erro primário


Interessante análise de João Pereira Coutinho sobre o referendo na Catalunha, escrito alguns dias antes da realização da votação - que redundou em quase mil feridos, segundo as notícias de hoje:
Leio e não acredito: são vários os intelectuais progressistas que defendem a independência da Catalunha. Bizarro. Eu julgava, na minha atroz ingenuidade, que o "nacionalismo" (palavra feia) era um dos venenos da história.

Aliás, a política do pós-Segunda Guerra Mundial, sobretudo na Europa, fez-se para evitar que o veneno voltasse a correr nas veias dos europeus —a União Europeia e o seu projeto federalista são apenas os melhores exemplos. Que se passa, camaradas?

Primeira hipótese: os progressistas, no caso de serem portugueses, não esquecem que são portugueses. E olham para a Catalunha como uma espécie de 1640, versão moderna: nesse ano, Portugal expulsava os espanhóis depois de 60 anos de domínio filipino. Hoje, os catalães procuram fazer o mesmo.

Segunda hipótese: há nacionalismos e nacionalismos. Os ingleses, quando votam a favor do brexit, são nacionalistas (maus). Os catalães, quando votam contra Madrid e os Bourbon, são nacionalistas (bons).

Confuso. Será que os camaradas não entendem que a natureza da luta é bastante semelhante? E que todos os povos têm direito a decidirem o seu futuro e a serem governados por si próprios?

É por isso que eu presto a minha homenagem à Catalunha (e aos ingleses, já agora). Não entro em detalhes "legais" sobre o referendo de 1º de outubro. Ele é "ilegal" face à constituição espanhola, que protege a unidade indissolúvel do país? Admito que sim.

Como também admito que a Catalunha acredita que terá mais vantagens econômicas fora de Espanha do que dentro (uma crença assaz questionável).

Mas o meu ponto é outro: o nacionalismo, entendido apenas como expressão soberana de uma cultura, de uma língua, de um território e de um passado, não tem nada de herético. E quem acreditou na ilusão de um mundo "pós-nacional" cometeu um erro primário.

Usei as palavras "ilusão" e "pós-nacional" porque elas surgem em ensaio que recomendo aos nacionalistas confusos e intermitentes. Intitula-se "The End of the Postnational Illusion" e foi escrito por Ghia Nodia no "Journal of
Democracy".

O autor parte de um constatação: o nacionalismo voltou com o brexit e Donald Trump. Moral da história? A tribo dos "cientistas políticos" falhou ao espalhar a ideia "iluminista" de que o nacionalismo era apenas uma febre passageira, que rapidamente seria suplantada por uma governança global.

Historicamente, entende-se esse otimismo racionalista. No século 19, escreve Nodia, os movimentos nacionalistas ainda casavam bem com as consciências "liberais": se os "antigos regimes" oprimiam a autodeterminação dos "povos", a causa nacionalista era o melhor antídoto para enforcar o último rei com as entranhas do último papa (obrigado, Voltaire).

Foi no século 20, com o nazifascismo, que o "nacionalismo" ganhou má fama. Pouco importa que o nazifascismo tenha sido uma versão perversa do nacionalismo; e pouco importa que Hitler ou Mussolini tenham sido derrotados por nacionalistas como Churchill. A mancha ficou, e a política pós-1945, com a ONU ou a União Europeia, pretendeu construir uma "nova ordem" em que as nações seriam apenas relíquias do passado.

Sabemos que isso nunca aconteceu. No seu ensaio, Ghia Nodia relembra-nos de que, antes do brexit e de Trump, a segunda metade da centúria já tinha conhecido explosões nacionalistas que negavam a ilusão pós-nacional: os movimentos de libertação africanos contra o colonialismo e, claro, as reações nacionalistas contra o império soviético que triunfaram em 1989.

Mas seria possível acrescentar as "guerras civis" nos Bálcãs para entender não apenas que o nacionalismo estava vivo —mas, sobretudo e acima de tudo, que a pior forma de lidar com ele é negá-lo ou suprimi-lo. Que o comunismo o tenha tentado, não admira. Que os europeus federalistas queiram fazer o mesmo, deveria.

Não sei qual será o desfecho da crise política na Catalunha. Mas, se Mariano Rajoy, premiê espanhol, acredita que a questão fica resolvida com a prisão de independentistas, a ocupação policial da região, o controle das suas finanças —e, no limite, a suspensão do estatuto autonômico da Catalunha—, eu tremo.

E suspeito que a crise do referendo catalão só se resolve com a realização do referendo catalão. (FSP)
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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