MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 28 de agosto de 2016

Mais de 40 anos depois, médicos lembram primeiro transplante no ES


Cirurgia aconteceu no antigo Hospital São José em Vitória.
Equipe de jovens médicos entrou para a história da medicina no estado.

Iara DinizDe A Gazeta
Transplante sendo realizado pelo primeira vez no Espírito Santo (Foto: Nestor Muller/ Arquivo A Gazeta - 18/08/1987)Sala do Hospital São José, onde aconteceu transplante (Foto: Nestor Muller/ Arquivo A Gazeta - 18/08/1987)
Na sala improvisada nos fundos do antigo Hospital São José, em Vitória, uma equipe de jovens médicos capixabas entrava para história da medicina. O mais velho do grupo tinha cerca de 30 anos. Apesar de ainda inexperientes, foram por mãos recém-saídas da faculdade que aconteceu o primeiro transplante de órgãos do Espírito Santo, há mais de 40 anos.
Naquele sábado, 26 de junho de 1976, a equipe do nefrologista João Chequer deu a uma mulher de 30 e poucos anos um novo rim.

O órgão, doado pelo irmão, enchia a paciente de esperança e abrandava o medo de um procedimento pouco falado no país.
“Nós fomos o sexto estado a realizar um transplante. Era uma cirurgia que não se conhecia em Vitória. Pensa em quantas pessoas morreram porque não conheciam o transplante", frisou João Chequer.
Quarenta anos depois do primeiro transplante, o Espírito Santo ocupa o 12º lugar no ranking de procedimentos realizados no país, segundo o Ministério da Saúde.
Aqui são transplantados córnea, fígado, coração, osso, rim, medula óssea autóloga (quando o paciente recebe a própria medula, porém tratada). Até junho de 2016, 246 transplantes haviam sido realizados.
Médicos que realizaram o primeiro transplante do Espírito Santo, José Monteiro (esq.) e João Chequer (dir.) (Foto: Edson Chagas/ A Gazeta)Médicos que realizaram o primeiro transplante do Espírito Santo, José Monteiro (esq.) e João Chequer (dir.) (Foto: Edson Chagas/ A Gazeta)
Conhecimento
A curiosidade pelo procedimento, que havia acompanhado anos antes no Rio de Janeiro, levou o nefrologista João Chequer a idealizar uma equipe de   transplante  no estado.

“A gente tinha uma disposição, essa coisa de jovem. Não foi dinheiro que motivou a gente, até porque não tinha retorno nenhum”, disse Chequer.
Foram meses de preparação, aprendizado e troca de experiência com outros estados. E foi em uma viagem a Londrina, no Paraná, que o cirurgião vascular José Monteiro, o urologista João Batista Valentim e o nefrologista Manoel Pio de Abreu Filho se deslumbraram com a cirurgia.

“Vimos dois transplantes em um dia. Era uma técnica bem primitiva, mas para época, extremamente atualizada”, disse Monteiro.
O transplante
Para realizar o primeiro transplante, os médicos contaram com o apoio da equipe do Paraná. Aproximadamente 10 profissionais participaram da cirurgia, que durou três horas.
“Era uma equipe multidisciplinar: urologista, angiologista e nefrologistas. Cada um só precisava fazer a sua parte e fazer bem feito. Foi uma emoção enorme quando no fim da cirurgia a paciente começou a urinar”, lembrou Monteiro.
Apesar do sucesso da cirurgia, a paciente faleceu um ano depois, com um quadro de pneumonia. O transplante  dela, porém, foi o primeiro passo para que os outros fossem feitos e os médicos não pararam mais.
Realidade
Hoje, 1.098 capixabas aguardam um doador na fila de espera. Em 2015 foram realizados 478 transplantes, 210% a mais do que em 2001, quando ocorreram 148 procedimentos.
Entre janeiro e junho deste ano já foram feitos 246 transplantes, nove a mais que em 2015. Apesar disso, cerca de 40% das famílias não autorizam a doação em casos de paciente com morte cerebral, seja por medo ou falta de conhecimento.
A prática do transplantes de órgãos no Brasil é baseada em leis. Para ser doador, não é preciso deixar algo escrito, mas é fundamental que a família saiba do desejo da doação, pois cabe a ela decidir sobre isso.
“Diziam que a gente era louco, que não daria certo”
Apesar do pioneirismo, nem todos viam o transplante com bons olhos no estado. “Diziam que a gente era louco, que a pessoa ia morrer e não daria certo”, lembra o médico João Chequer. As dificuldades para realizar a cirurgia começaram logo nas buscas para aprender a técnica.
Na época, uma equipe do Hospital dos Servidores, no Rio, foi proibida de vir ao estado ensinar o procedimento.

“Aquilo deixou a gente muito decepcionado. Foi então que procuramos o pessoal de Londrina, e a equipe do doutor Altair Mocelin se dispôs a ajudar”, lembra o médico José Monteiro  .
A desconfiança da comunidade médica não impediu a equipe de realizar o procedimento. Com as portas abertas no antigo Hospital São José , as primeiras cirurgias aconteceram. Anos depois, outros hospitais implantaram o procedimento.
“Levamos tempo para ganhar a confiança dos médicos, mas quando mostramos os resultados, a adesão foi positiva”, declarou o nefrologista Lauro Vasconcellos, hoje responsável técnico pela equipe de transplante do Hospital Meridional.

Desafios
Na época em que os primeiros transplantes aconteceram, as estatísticas apontavam que 30% dos pacientes perdia o rim em 5 anos, e outros 50% em 10 anos.
A criação do laboratório de Biologia Molecular e Imunogenética (LIG) no Espírito Santo, em 1980, revolucionou os transplantes clínicos.
“Os testes de compatibilidade, que eram enviados para o Rio de Janeiro, passaram a ser feitos aqui. Isso permitiu que depois de dois anos, o primeiro transplante com doador falecido fosse realizado no Espírito Santo”, disse a supervisora laboratorial do LIG, Márcia Biccas.
Desde o primeiro transplante, a evolução é notável. As técnicas de captação, remoção e cirurgia foram aperfeiçoadas. Mesmo assim, para quem realiza o procedimento há anos, o desafio é diário.
“É uma área desafiadora. Ainda existe rejeição, mas temos certo domínio sobre ela. Hoje a gente realiza dois transplantes por semana. Antigamente era um por mês”, finalizou Lauro Vasconcellos.

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