Artigo de
Carlos Pagni no El País (ed. brasileira) chama atenção para alguns
desdobramentos políticos na América Latina, particularmente na região
sul, no ano que se inicia. Toca num assunto jamais cogitado pelos
articulistas da imprensa brasileira: afinal, Dilma pode, renunciando,
entregar o cargo ao vice, Michel Temer. Talvez 2016 reserve essa
surpresa aos brasileiros. Aliás, seria uma ótima surpresa:
Se a vida
pública fosse vista como um filme ou um romance, o ano que começa está
cheio de suspense para a América Latina. 2016 esclarecerá incógnitas de
primeira magnitude. É como se o tempo, acelerado, estivesse prestes a
desatar vários nós.
No Brasil, a moeda continua no ar. Enquanto os juízes investigam a corrupção generalizada
na Petrobras, o Congresso decidirá se manda aos tribunais 40
legisladores envolvidos no escândalo. Entre eles estão os presidentes de
ambas as câmaras. A própria Dilma Rousseff,
cuja popularidade permanece na casa de um dígito, enfrenta um processo
de impeachment por adulterar as contas públicas. A possibilidade de
destituição é muito nebulosa. Mas a hipótese de que renuncie e entregue o
Governo ao vice, Michel Temer, permanece aberta. O PT vê no
funcionamento institucional uma confabulação golpista. A legitimidade
está em discussão. Esse drama se desenrola na aridez de uma economia que
encolheu 3,5% em 2015. E pode se retrair mais 2% em 2016. Dilma tentou a
receita fiscalista de Joaquim Levy. Fracassou. Agora se refugiou na
heterodoxia de Nelson Barbosa, o outro acrobata do ano. Como qualquer
sociedade tomada pela corrupção e pelo ajuste, a brasileira reconfigura
seu sistema partidário. O PT procura, sob a degradada liderança de Lula,
reinventar-se numa frente de esquerda para as eleições de 2018.
A Argentina fez uma experiência extravagante, cujos resultados serão vistos nos próximos meses. A metade do eleitorado concedeu o poder a Mauricio Macri.
O presidente tem que consolidar a aliança Cambiemos, formada pelo seu
partido, o PRO, a União Cívica Radical e a Coalizão Cívica. A aliança
recebeu o presente de grego de governar também a província de Buenos
Aires, que esteve nas mãos do peronismo por quase 30 anos. A transição é
turbulenta: a fuga de três traficantes de droga
de uma prisão voltou as atenções ao temível espetáculo das máfias
entrincheiradas no aparato carcerário e policial. A ausência de
alternância incubou um sistema de cumplicidades entre o crime e a
política. A ruptura desse acordo, como ensina o México, não é pacífica.
A minoria
no Congresso obriga Macri a decretar medidas de emergência para sanear a
economia. Alfonso Prat-Gay, o ministro da Fazenda, fez a operação mais
delicada: liberou a compra de dólares
e estabilizou o valor dessa moeda. Agora o Governo deve fazer grandes
ajustes: reduzir subsídios, impedir a disparada da inflação e conseguir
que no último trimestre o nível de emprego cresça. Para se estabilizar,
Macri necessita ganhar as eleições legislativas de 2017, principalmente
em Buenos Aires. Tem uma vantagem: o peronismo fora do poder é um peixe
fora d’água., Encurralada por processos judiciais, Cristina Kirchner
tenta bloquear a nova administração. Mas deve arrastar os pragmáticos
governadores do seu partido que, necessitados de recursos, se tornam
dialogistas. É outra charada: quem será o novo líder peronista.
A questão argentina se agiganta na Venezuela: como se passa da hegemonia ao pluralismo. O populismo resiste a qualquer tipo de controle.
O chavismo foi ferido nessa essência: reduzido a um terço na Assembleia
Nacional, o regime de Nicolás Maduro virou uma caricatura. Torna-se
mais autoritário. Impugna legisladores,
apoiado por um Tribunal Supremo inundado de magistrados facciosos para
se blindar contra a oposição parlamentar que planeja sua substituição
constitucional. O substituto de Diosdado Cabello à frente da Assembleia,
Henry Ramos Allup, acaba de pedir a renúncia de Maduro. Na contraluz
desse conflito reaparece um ator que, para seu próprio bem, os
latino-americanos tinham esquecido: o Exército. A questão da
legitimidade na Venezuela é inquietante.
Rafael
Correa e Evo Morales sobreviverão ao degelo bolivariano? Morales
pretende permitir sua reeleição no referendo de fevereiro. E Correa, que
jura não forçar sua continuidade no poder, deve abençoar um sucessor:
no Equador há eleições presidenciais no início do próximo ano.
2016 é,
para a Colômbia, também uma caixa de Pandora. O processo de paz com as
FARC avança em meio a um ríspido debate nacional. Em 16 de dezembro foi
concluída uma etapa delicada, o acordo sobre a reparação às vítimas e a
justiça nessa transição. O fato de que as penas sejam de cinco a oito
anos de reclusão não carcerária desencadeou duríssimas denúncias contra a
impunidade. Falta determinar os custos da reinserção dos guerrilheiros e
da reparação de todos aqueles que sofreram com a guerrilha.
O ponto
de fuga do quadro é o referendo sobre o formato da paz. Álvaro Uribe já
começou a campanha pelo “não”. Juan Manuel Santos tem um aliado
gravitando: o papa Francisco, que no Natal rezou pelo processo
colombiano. No dia 28 de janeiro o Papa definirá com o bispo Luis Castro
a data de sua visita à Colômbia, neste ano.
O
calendário é parte de um jogo de xadrez regional do qual participam
Barack Obama e Raúl Castro. O encontro entre os dois líderes, em Havana,
previsto para março, é outra manifestação da metamorfose regional.
blog orlando tambosi
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