Depois de enfrentar ampla desaprovação popular e forte resistência no Congresso, a tentativa do governo de reinstituir a CPMF para combater o déficit de R$ 124,9 bilhões, previsto para a Previdência Social em 2016, é questionada pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip).

Para o órgão, o déficit anunciado – que pela primeira vez ultrapassa a casa dos R$ 100 bilhões –, só seria possível em uma situação extrema, como a morte instantânea de milhares de pessoas. Por isso, a justificativa do governo seria uma manobra utilizada para conseguir a aprovação para retorno do imposto.

De acordo com a Análise da Seguridade Social 2014, publicada pela Anfip no último mês de julho, o grande agravante da questão previdenciária é o não repasse dos valores referentes à desoneração da folha de pagamentos das empresas ao fundo de previdência.

O levantamento aponta que, apenas em 2014, um montante de R$ 12 bilhões oriundos da desoneração não teriam sido repassados pelo governo federal à Previdência Social. O que, na avaliação do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), não justifica a cobrança de novos impostos.

“Possivelmente a arrecadação com a desoneração pode estar indo para outro destino que não o cofre da Previdência. Então, se a CPMF voltar a ser cobrada ela será repassada integralmente para o fundo previdenciário?”, questiona a presidente do IBDP, Jane Berwanger.

De acordo com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 140/2015, que propõe o retorno da CPMF com a alíquota de 0,20%, o custo do pagamento dos benefícios da Previdência deve subir de R$ 438 bilhões em 2015 para R$ 489 bilhões em 2016, o que equivale a um aumento de R$ 51 bilhões.

Já a arrecadação líquida para o Regime Geral da Previdência Social (RGPS) caminha no sentido inverso e deverá crescer apenas R$ 22 bilhões, o que seria o motivo real do déficit.

Conforme a proposta, a CPMF é a solução de curto prazo mais adequada para o momento de crise porque “não onera particularmente nenhum setor” e não incide “majoritariamente sobre preços administrados amortecendo a inflação típica de impostos indiretos sobre o consumo”.

Inconsistências

Na avaliação de especialistas, no entanto, os motivos apresentados pelo governo para reimplantar a CPMF demonstram a dificuldade de articulação política para a realização de reformas estruturais dentro da própria previdência.

O economista Mauro Rochlin, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV/IBS) afirma que se o governo tivesse priorizado a busca pelo superávit não precisaria ressuscitar impostos antigos.

“É uma situação de déficit geral de orçamento. Então dizer que a CPMF vai cobrir os problemas da previdência é uma forma de embalar o projeto de forma mais atraente, para tentar conseguir a aprovação. Há uma bomba demográfica armada, com menos jovens no mercado de trabalho e com um país que não está crescendo”, analisa.

Situação era bem distinta durante a última década

Apesar de os problemas de caixa da Previdência Social serem uma das maiores preocupações do governo federal para o próximo ano, a situação era diferente durante a última década.

Dados do estudo “Brasil 1994/2004”, elaborado pelo economista José Prata Araújo, apontam que, de 2002 a 2014, cerca de 11,1 milhões de novos aposentados e pensionistas e 24,1 novos contribuintes foram integrados às contas da Previdência Social. Na média anual, foram 931.276 novos aposentados e pensionistas para dois milhões de novos contribuintes, o que estabilizou as contas da instituição no período.

Na prática, o aumento da arrecadação da Previdência permitiu ao Brasil bancar mais de 11 milhões de novos aposentados e pensionistas e ter aumento real de 76% do salário mínimo de aproximadamente 22 milhões de beneficiários que recebem o piso previdenciário.

Reformas

Para Araújo, o contexto de recessão que se torna cada vez mais grave é o que poderá enfraquecer significativamente a Previdência Social nos próximos anos, uma vez que nem a cobrança de mais impostos, como a CPMF, pode ser suficiente para sanar o problema.

“O Brasil precisa chegar a um consenso sobre os juros que pratica. Culpar o Banco Central e chamá-lo de instituição liberal é um debate muito primário. Os Estados Unidos e a Europa são economias liberais e, ainda assim, têm juros menores. Até mesmo os países com dívidas maiores que o Brasil tem menos juros”, avalia.

De acordo com o mesmo estudo, a necessidade de financiamento da previdência passou de R$ 36,3 bilhões para R$ 58,1 bilhões, de 2002 a 2014. Porém, enquanto percentual do PIB, os valores caíram de 1,2% para 1,1% uma vez que houve crescimento econômico no referido período.

De acordo com a Anfip, as contas da seguridade social tiveram superávit de R$ 54 bilhões em 2014. O Ministério da Fazenda foi procurado, mas não se pronunciou a respeito dos levantamentos da associação
“Não é possível uma economia com recessão de -2,7% e juros de mais de 9%” (José Prata Araújo - economista)

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Para auditores fiscais, déficit sugerido pelo governo é ilusório