MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sábado, 28 de fevereiro de 2015

Os entendedores de vinho tem um Superolfato?


 
 
Preciso confessar uma coisa: não consigo reconhecer um vinho numa degustação às cegas. Na verdade, sequer tento. Preocupo-me tanto com isso quanto um advogado se preocupa em decorar cada parágrafo das mais de 100 mil leis em vigor.
Claro que pegar uma taça e dizer qual era a cor das botas da pessoa que colheu as uvas pode ser divertido em um papo entre amigos. Porém isso não vai além da curiosidade. Saber todas as leis de cor não faz do profissional um melhor advogado nem brincar de”adivinhe qual é o vinho” faz de mim melhor sommelier.
Então por que, afinal de contas, as pessoas esperam que os sommeliers e“entendidos de vinho” tenham superpoderes olfativos?
Ou talvez a pergunta correta seja: por que, afinal de contas, sommeliers e “entendedores de vinho” parecem ter superpoderes olfativos?
Uma coisa comum a todos os avaliadores e críticos de vinho são as descrições minuciosas dadas sobre cada rótulo degustado. Essas descrições vão desde o batido “aroma de frutas vermelhas” (quase todo mundo já falou isso, inclusive eu), análises de vinhos, tipo refeição completa (“aromas frescos, textura de carne, amoras silvestres em calda”) a coisas incrivelmente curiosas, como “uma dama de meia idade, frívola, fácil e encantadora, com anáguas à mostra”.
Aos produtores também sobra imaginação olfativa. Basta olhar os contra-rótulos de qualquer vinho e, invariavelmente, haverá descrições minuciosas seguidas de dicas de harmonização que englobam quase toda a fauna e flora terrestre.
Muita gente deve se perguntar: por que só eu não sinto o tal cheiro de “frutas do bosque”, ou de lichia, grapefruit, violetas, alcaçuz, cereja, amoras pisadas, estrebaria, grama cortada ou anáguas à mostra?
Mas talvez fosse o caso de nos perguntar como cojones conseguem sentir esses aromas?!
Para quem sente isso tudo (às vezes em um único vinho), concluir que aquilo que está dentro da taça é um Lafite 1978 é fácil. Pelo menos deveria ser. Mas não faltam “pegadinhas” por aí para provar o contrário.
Garrafas de vinhos famosos foram enchidas com vinho medíocre, que foi estrondosamente elogiado por conhecedores; vinhos famosos foram colocados em garrafas medíocres e receberam críticas severas; corantes foram colocados em vinhos brancos, e os degustadores os avaliaram como tintos.
A maior das pegadinhas (essa involuntária) talvez tenha sido o “julgamento de Paris”. Essa degustação, feita às cegas em 1976, mostrou aquilo que qualquer praticante sincero do vinho já sabe: que, às cegas, ninguém entende de vinho. Diante disso, chegamos à conclusão de que todas as pessoas que dizem conhecer vinho estão mentindo. Errado. Pelo menos em parte, claro. Freud e a Ciência explicam.
Acredita-se que a capacidade humana de sentir emoções desenvolveu-se no ser humano a partir de células olfativas. O sentido do olfato está em uma parte primitiva do cérebro, e possui neurônios próprios. Isso significa que o olfato é independente e involuntário. Não podemos evitar torcer o nariz diante de um aroma desagradável, por exemplo.
A nossa memória olfativa está ligada diretamente às experiências pessoais e meio ambiente. Uma pessoa que jamais comeu uma lichia não vai identificar o aroma dessa fruta em vinho algum. Alguém que lide com gado certamente terá facilidade em identificar o cheiro de estrebaria. E quem tem a sorte de receber flores com frequência poderá identificar o tal (famigerado) aroma de violetas.
Mas, para uma grande parte dos consumidores de vinho, o cheiro mais frequente para habitar a memória olfativa é o delicioso aroma de asfalto e suas versões “asfalto molhado”, “asfalto empoeirado”, “asfalto com óleo diesel” e demais variações. Sorte mesmo tem aquele que pode pisar em amoras.
Então por que tem tanta gente falando em “frutas do bosque” sem jamais ter entrado em um? Provavelmente porque leu isso em algum contra rótulo.
Outra grande razão de as pessoas falarem tantas besteiras a respeito dos aromas do vinho é a sugestão. O poder de sugestão em relação aos sentidos é realmente impressionante. Lembre-se de um filme de terror e talvez fique com medo ao chegar em casa no escuro. Pense em alguma comida gostosa quando estiver com fome e sua boca vai salivar.
Com o vinho não é diferente. Basta alguém soltar algum “aroma de especiarias!” e todos, na mesa, sentirão cheiro de cravo e/ou canela. É a memória olfativa atuando na capacidade máxima.
Um ótimo fim de semana e muito sabor e vinhos a todos!
Wanderson Brasil, Eno-Sommelier
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