Os cidadãos brasileiros, ou pelo menos uma parte significativa deles, estão anestesiados contra a corrupção. Isso é uma tragédia para o país. Diogo Schelp para a Gazeta do Povo:
Os
brasileiros estão anestesiados contra a corrupção? Anestesiados, é
claro, não significa que a fonte da dor inexiste, apenas que ela não é
mais sentida. A corrupção continua existindo no Brasil e segue sendo um
problema, mas os eleitores brasileiros parecem ignorá-la ou,
simplesmente, não se importar mais com ela. Ao contrário do que se
previa, muito se está falando sobre corrupção na atual campanha
presidencial. Mas não é isso que está pautando as preferências do
eleitorado.
Jair
Bolsonaro foi eleito em 2018 como um candidato antissistema ou
antipolítica e na esteira da rejeição ao PT por causa dos escândalos de
corrupção e da crise econômica dos últimos anos da presidência de Dilma
Rousseff. Mas o verniz de presidente "contra a corrupção" desmanchou
antes mesmo de Bolsonaro tomar posse, com as revelações de esquemas de
rachadinha — uma forma rudimentar, mas não menos grave, de desvio de
dinheiro público — no gabinete de um de seus filhos políticos. Como se
descobriu depois, o próprio Bolsonaro também manteve funcionária fantasma (que "recebia" sem trabalhar) em seu gabinete como deputado federal.
Ao
longo de seu governo, Bolsonaro, que havia prometido apoiar a Operação
Lava Jato e políticas contra a corrupção, fez exatamente o contrário.
Esvaziou o órgão responsável por investigações financeiras, nomeou um
procurador-geral da República que prometeu "descriminalizar a política" e
que efetivamente deu cabo da Lava Jato e não se esforçou para aprovar
um pacote de leis contra a corrupção — um dos motivos pelos quais seu
ministro da Justiça, Sergio Moro, ex-juiz da Lava Jato, pediu demissão.
Às
vésperas do primeiro turno das eleições, Bolsonaro e familiares
precisam lidar com as notícias de que compraram, ao longo dos anos,
imóveis em dinheiro vivo. Sim, em dinheiro vivo. Apesar da discussão
sobre qual significado os cartórios dão ao termo "moeda corrente", as
reportagens sobre o assunto também confirmaram junto aos vendedores que
parte das transações foi feita com grande quantidade de dinheiro em
espécie. Isso não é ilegal, mas é altamente suspeito. Pagamentos
envolvendo valores altos em espécie são um método comum em esquemas de
lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio. As informações sobre
compra de imóveis em dinheiro vivo incomodaram tanto que o senador
Flávio Bolsonaro pediu na Justiça, e conseguiu, que a reportagem que
revelou tudo fosse censurada.
Em
meio a tudo isso, a campanha de Bolsonaro vem intensificando a
tentativa de reavivar a memória dos eleitores a respeito dos grandes
esquemas de corrupção vigentes nos governos do PT. O Petrolão e as
condenações do ex-presidente Lula por corrupção e lavagem de dinheiro
ocupam um espaço cada vez maior da propaganda eleitoral de Bolsonaro,
assim como pautaram o debate presidencial na Band. É justo. A verdade
está aí para ser dita e o passado pode, sim, ser um prenúncio do futuro.
Mas
essa estratégia parece não estar tendo o efeito esperado. A não ser que
as pesquisas de intenção de voto estejam muito erradas — e, se
estiverem, será um escândalo de tal proporção que exigirá o fechamento
dos institutos que as fazem —, fato é que a maioria mostra Lula à frente
de Bolsonaro.
É
verdade que a corrupção caiu algumas posições no ranking de maiores
preocupações dos brasileiros. Em 2015, um levantamento do Datafolha
identificou pela primeira vez que o tema era o maior problema do país na
opinião dos entrevistados. Em 2018, quando Bolsonaro foi eleito, um
pouco antes da votação do primeiro turno, corrupção havia caído para a
terceira colocação, junto com desemprego, como maior problema do país.
Naquela pesquisa, 23% diziam que o maior problema era saúde, 20%,
violência, e 14%, corrupção e desemprego.
Em
pesquisa do Datafolha de março deste ano, a preocupação com a corrupção
caiu ainda mais. Ocupava o topo da lista de maiores problemas, segundo
os entrevistados, a saúde e a pandemia (22%), a economia (15%), o
desemprego (12%), a inflação (10%), a educação (9%) e a fome (6%). A
corrupção caíra para o sétimo lugar, considerada o maior problema por
apenas 5% dos entrevistados.
Não
é que os brasileiros não estejam atentos para as notícias envolvendo
casos de corrupção. Segundo mais uma pesquisa Datafolha divulgada na
semana passada, 67% dos entrevistados acreditam existir corrupção no
governo Bolsonaro.
Mais
recentemente, pesquisa Genial/Quaest do mês passado também apontou que a
corrupção é considerada o maior problema do país por apenas 6% dos
entrevistados.
Por
um lado, a perda de familiares e amigos para a covid-19 e os graves
problemas econômicos enfrentados pelos brasileiros nos últimos anos
empurram temas como a saúde, a inflação, o emprego e a renda para o topo
das prioridades. Por outro, a polarização entre dois candidatos com
confirmação (Lula) ou suspeita (Bolsonaro) de corrupção nas costas faz
com que muitos eleitores deem de ombros e decidam que a honestidade não é
um fator a ser levado na escolha do candidato.
Os
cidadãos brasileiros, ou pelo menos uma parte significativa deles,
estão anestesiados contra a corrupção. Isso é uma tragédia para o país.
Se ao menos na escolha dos candidatos para o Poder Legislativo a ética e o compromisso com a agenda contra a corrupção venha a ser um critério de corte...
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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