A lei que libera a ozonioterapia é um equívoco do Congresso Nacional e do Executivo, na forma e no conteúdo. Editorial do Estadão:
O
Congresso aprovou e o presidente Lula da Silva sancionou uma lei
autorizando a ozonioterapia no Brasil. Contudo, a autorização a
tratamentos e medicamentos é uma atribuição exclusiva da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Assim, mais uma vez o
Executivo e, sobretudo, o Legislativo extrapolaram suas competências em
prejuízo das agências reguladoras, com danos à normalidade institucional
e, no caso, riscos à saúde pública.
As
agências foram um marco criado na gestão FHC, no contexto da transição
do Estado empresário para o Estado regulador, com o objetivo de
regulamentar e fiscalizar a execução de serviços públicos transferidos
ao setor privado. Por óbvio, elas não estão acima dos Três Poderes. O
Legislativo é responsável pelas leis de cada setor e o Executivo, pela
implementação de políticas públicas. Mas, uma vez definidos esses
parâmetros, as agências têm autonomia para decidir sobre assuntos de
natureza técnica.
Mais
de uma vez o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que o Congresso
não tem competência para autorizar substâncias para fins médicos,
notadamente quando declarou inconstitucional a lei que liberava a
“pílula do câncer”.
A
Anvisa já autoriza a aplicação do ozônio para fins odontológicos ou
estéticos, mas afirma que não há evidências de eficácia para outras
aplicações médicas. Pelo contrário: se seus benefícios são
inconclusivos, o uso indiscriminado comporta riscos. Por isso, a
Associação Médica Brasileira e o próprio Ministério da Saúde se
manifestaram contrariamente à liberação.
A
lei não só ignora as constatações da comunidade científica, como amplia
a margem de risco. O projeto do Senado autorizava apenas médicos a
usarem a ozonioterapia. Mas os deputados modificaram o texto para
permitir que outros profissionais de nível superior também atuem na
área.
A
rigor, a lei reconhece que a ozonioterapia somente poderá ser aplicada
por meio de equipamento “devidamente regularizado” pela Anvisa. Nesse
sentido, ela é ociosa. Nem por isso deixa de ser deletéria. Ela pode
encorajar pacientes a acreditar que se trata de um tratamento válido; e
profissionais de saúde a recomendar usos não aprovados pela Anvisa,
fomentando insegurança jurídica e uma judicialização contraproducente –
sem falar dos riscos para os usuários.
E
há os danos institucionais. Além do lobby dos produtores farmacêuticos,
a lei foi motivada por evidentes intuitos demagógicos: a ozonioterapia
se tornou uma causa política ao ser advogada por certa militância
bolsonarista como mais um tratamento alternativo – embora
comprovadamente ineficaz – contra a covid-19. Pode-se especular que o
presidente Lula a sancionou talvez para azeitar a relação com o
Congresso. De resto, não deixa de ser uma oportunidade de fustigar a
autonomia das agências, às quais o PT sempre se opôs justamente por
imporem limites técnicos e isentos à arbitrariedade política.
A
liberação, por meio de uma lei inepta, de um tratamento ineficaz e
arriscado só realça a importância desses limites. Tão logo seja
acionado, cabe ao STF restabelecê-los.
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi
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