Não é fácil imaginar como seria nossa sociedade se as mulheres pudessem escolher entre a reprodução via sexual ou partenogênese. Fernando Reinach para o Estadão:
A
enorme maioria dos animais utiliza a reprodução sexuada para produzir
seus descendentes. Mas isso exige que macho e fêmea se encontrem para
garantir que os espermatozoides fecundem os óvulos. Uma minoria das
espécies lança mão de um mecanismo alternativo chamado partenogênese, no
qual o óvulo da fêmea produz um filhote sem a contribuição de um
espermatozoide.
A
partenogênese dispensa o macho e elimina o trabalho envolvido em
encontrar um parceiro sexual. Na partenogênese facultativa, presente em
alguns répteis, aves e peixes, a fêmea utiliza esse método alternativo
quando tem dificuldade de encontrar um macho. A novidade é que os
cientistas descobriram os genes envolvidos na partenogênese e
conseguiram transformar uma mosca que só utilizava a reprodução sexuada
em um animal que utiliza a partenogênese facultativa.
Aparentemente
a reprodução através da partenogênese é muito mais simples, rápida e
dispensa o gasto de energia envolvido na procura do parceiro.
Entretanto, a partenogênese não produz a diversidade genética obtida
quando os genes vindos do pai (espermatozoide) se combinam com os genes
vindos da mãe (óvulo).
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Cientistas
descobriram que um pequeno grupo de genes controla a opção pela
partenogênese facultativa; alterações no nível de algumas proteínas são
suficientes para mudar a opção reprodutiva
Essa
desvantagem é suficientemente grande para que os processos de seleção
natural acabassem por favorecer a reprodução sexuada. Mas, para ter
sucesso, a reprodução sexuada depende da presença de um instinto sexual
alto em ambos os sexos, pois sem ele a busca desesperada por parceiros
não ocorre, os filhotes não nascem e a espécie se extingue. Indivíduos
sem desejo sexual dificilmente deixam descendentes.
Em
espécie humana o desejo sexual além de se expressar diretamente,
engendrou os mais diversos mecanismos culturais para garantir o
casamento e o subsequente acasalamento. Um deles são os antigos bailes
de debutantes, onde os pais apresentam suas filhas já férteis à
sociedade (jovens machos). Mais recentemente a tecnologia tem sido
aliciada na busca por parceiros. O Tinder e apps de namoro e casamento
caem nessa categoria.
A
partenogênese nunca foi detectada entre seres humanos, mas o relato do
nascimento de Jesus sem que Maria tenha tido relações sexuais, caso
fosse comprovado, seria um caso claro de partenogênese. Não é fácil
imaginar como seria nossa sociedade se as mulheres pudessem praticar a
partenogênese facultativa; se pudessem escolher entre a reprodução via
sexual ou partenogênese.
Mas
como os cientistas transformaram uma espécie que só usava a reprodução
sexuada em uma espécie que pratica a partenogênese facultativa? A
Drosophila mercatorum possui duas linhagens distintas, uma que usa a
reprodução sexuada e outra que usa a partenogênese facultativa.
Os
cientistas sequenciaram o genoma dessas duas linhagens e identificaram
os genes que são expressos de maneira diferente nos óvulos produzidos
pelas fêmeas de cada linhagem. Essa comparação produziu uma lista de
genes que estavam mais ou menos ativos nas fêmeas que usavam a
partenogênese quando comparados com os genes expressos nas fêmeas que
utilizavam a reprodução sexuada.
Em
seguida os cientistas pegaram uma outra espécie de Drosophila, a
melanogaster (a famosa mosquinha de fruta), que somente se reproduz de
maneira sexuada (como os humanos), e tentaram modificar seu genoma de
modo que ele ficasse semelhante ao da mosca que se reproduz por
partenogênese. A pergunta era: o que eu preciso mudar nessa mosca para
que ela passe a ser capaz de praticar a partenogênese facultativa. A
resposta é mais simples do que se esperava.
Eles
descobriram que bastava aumentar o nível de expressão de um gene
chamado polo e diminuir a expressão de um gene chamado Desat2. Com essas
duas modificações, que não incluíam a adição ou retirada de qualquer
gene, a Drosophila melanogaster passou a ser capaz de se reproduzir
através da partenogênese. A ativação de um terceiro gene, chamado Myc,
aumenta bastante a fração das fêmeas que praticam a partenogênese.
Essa
descoberta demonstra que um pequeno grupo de genes controla a opção
pela partenogênese facultativa, e que pequenas alterações no nível de
algumas proteínas bastam para mudar a opção reprodutiva. Isso explica
porque algumas espécies recorrem a esse mecanismo quando os machos ficam
difíceis de encontrar ou quando a espécie está em um novo ambiente.
Imagine uma dessas moscas chegando em uma nova ilha. Por partenogênese
basta um animal para formar toda a população na ilha.
O
próximo passo provavelmente será descobrir se em mamíferos
(camundongos) o mecanismo é tão simples quanto na Drosophila. Se for, é
possível imaginar que, em teoria, no futuro, poderemos também usar a
partenogênese para procriar. Os homens que se cuidem, podem ficar
ociosos.
Mais informações: A genetic basis for facultative parthenogenesis in Drosophila. Curr. Biol. 2023
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi

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