As democracias liberais não devem se curvar a dogmas de regimes teocráticos, sob risco de a liberdade de expressão solapar. Lygia Maria para a FSP:
No dia 28 de junho, Salwan Momika ateou fogo em um exemplar do Alcorão em frente à Grande Mesquita de Estocolmo. O refugiado iraquiano fez, na Suécia, o que não poderia fazer no seu país. A chama da nação nórdica acendeu um rastilho de pólvora até o Oriente Médio.
Centenas de manifestantes invadiram e incendiaram a Embaixada da Suécia
em Bagdá. Protestos se espalham por países como Iêmen e Líbano.
O
ato de Momika pode ser considerado de mau gosto, mas as leis que regem a
liberdade de expressão não avaliam gosto, e, no geral, restrições se
aplicam quando indivíduos são diretamente atingidos. Atacar o feminismo
não agride mulheres; rasgar a Bíblia não despedaça católicos.
Governos da Suécia e da Dinamarca (onde
também houve queima do Alcorão) explicaram que seguem o direito à
liberdade de expressão, mas que vão tentar encontrar um jeito de proibir
destruição do livro —o que é temerário.
Em
um Estado laico, blasfêmia não é crime. Dogmas de regimes teocráticos
não devem ser acatados por democracias liberais, muito menos sob ameaça.
E a história mostra que ela é real.
Em 2006, embaixadas da Dinamarca e da Noruega foram incendiadas na Síria, após publicação de caricaturas do profeta Maomé. Cartunistas foram ameaçados de morte e, entre eles, Kurt Westergaard escapou de um atentado.
Como esquecer o ataque terrorista à redação do semanário francês Charlie Hebdo, que matou 12 pessoas em 2015? Houve, na época, quem responsabilizasse o jornal por ter desrespeitado uma religião.
Mas tentar justificar reações violentas a sátiras ou a protestos contra o islamismo é validar grupos radicais que desvirtuam o islã.
Ter
medo não é ter respeito. "Respeitar o islamismo não é confundi-lo com o
terrorismo islâmico", disse o cartunista francês Stéphane Charbonnier,
em manifesto escrito dois dias antes de ser assassinado por
fundamentalistas em 2015.
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi
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