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O desastre das reformas que não reformam e os impostos extorsivos. Vilma Gryzinski para a edição impressa de Veja:
Em
1972, Mick Jagger foi morar com uma deslumbrante nicaraguense chamada
Bianca Macías em Paris. O parceiro Keith Richards alugou uma mansão no
sul da França, e até hoje muitos se espantam que todos tenham saído
vivos da experiência. John Lennon atravessou o Atlântico e foi para Nova
York. Os respectivos grupos deixaram legados extremamente parecidos
relatando o motivo do êxodo: a estonteante alíquota de 93% sobre
rendimentos acima de 1 milhão de libras decretada pelo governo
trabalhista do primeiro-ministro Harold Wilson. John Lennon resumiu o
espírito da coisa, com letra de George Harrison: “Se você tentar sentar/
vou taxar o assento/ se você ficar com frio/ vou taxar o calor/ se
quiser andar/ vou taxar seus pés”. Não deixa de ser irônico que ídolos
ingleses tenham ido procurar refúgio num país onde os impostos são
praticamente uma tara coletiva — 65% dos franceses acreditam, hoje,
depois de tudo o que já foi e comprovado, que “taxar os ricos” é uma
maneira de pagar pela aposentadoria precoce que tanto desejam. O
movimento inverso aconteceu em 2012, no governo de François Hollande,
quando foi instaurada a alíquota de 75% sobre rendimentos acima de 1
milhão de euros, espantando artistas, empresários e jogadores de
futebol. A bobagem acabou, discretamente engavetada, em 2014. Não teve
um analista que não lembrasse a frase que todos os fiscais da receita
têm inscrita, pelo menos metaforicamente, nas suas cabeceiras: “A arte
da taxação consiste em depenar o ganso para obter o maior número
possível de plumas com o mínimo possível de berreiro”.
A
ofensiva depenadora de seu autor, Jean-Baptiste Colbert, pode ser usada
até hoje como um exemplo do bom emprego dos impostos, considerando-se
que ele incentivou as indústrias francesas da época — tecelagens,
tapeçarias, espelhos feitos com tecnologia roubada dos italianos e
outros produtos finos. “A moda é para a França como as minas de ouro do
Peru são para a Espanha”, disse, antecipando em três séculos a indústria
do luxo.
Colbert
arrancou plumas de muitos gansos, mas não acabou com nenhum deles. O
berreiro dos depenados é ouvido mais alto quando são os muito ricos que
dizem chega. Isso acontece atualmente na rica Noruega, um daqueles
países escandinavos onde tudo parece resolvido, inclusive impostos de
trazer lágrimas aos olhos para financiar um estado de bem-estar social
generoso (são gastos 15 334 dólares por aluno no ensino fundamental). O
atual governo de centro-esquerda acha pouco e está taxando
adicionalmente os ricos, o que provoca uma romaria de milionários para a
Suíça, onde são isentos para tocar seus negócios.
Determinar
que nível de imposto financiaria serviços essenciais, que nível se
torna hostil ao empreendedorismo, o ganso dos ovos de ouro de onde saem
empregos e, portanto, mais contribuições, é discussão em todo o mundo.
Exceto, claro, entre os que seguem à risca outro dito de Colbert:
“Quando um rei cria um cargo, a Providência cria imediatamente um tolo
para comprá-lo”. O tolo, magicamente, transforma-se num especialista em
tributos, abraça a fúria fiscal e ainda diz, na nossa cara, que é tudo
pelo bem do país.
Publicado em VEJA de 9 de agosto de 2023, edição nº 2853
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi
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