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Os militantes escolheram um símbolo de supremacia branca para atacar: as estátuas do bandeirante Borba Gatto e o Monumento às Bandeiras. Subscrevendo, portanto, a tese da arianização de Oliveira Vianna. Bruna Frascolla para a Gazeta do Povo:
Dentre
os pensadores nacionais, o militante negro brasileiro só evoca Gilberto
Freyre. O antropólogo pernambucano é considerado uma espécie de Judas
da Semana Santa e malhado eternamente pelo crime de ter escrito Casa
Grande & Senzala, que eles mesmos não leem, mas que teria de alguma
forma legitimado o racismo no Brasil. Se o militante for muito erudito
(dentro dos parâmetros dos militantes), ele saberá da existência de um
presidente chamado Getúlio Vargas, e dirá que Freyre foi convertido em
pensador oficial do Estado Novo a fim de criar a imagem falsa da
harmonia racial. Porque eles querem briga racial. O Brasil seria
hipócrita por não ter guerra racial e deveria imitar esse grande exemplo
para o mundo que são os Estados Unidos, onde todo o mundo era tão
honesto que separava negros de brancos.
No
entanto, os revolucionários de 30, ao tomarem o poder, queimaram os
exemplares de Casa Grande & Senzala da biblioteca do Estado da
Bahia. Freyre era contrário ao regime Vargas e saiu do país. Se o Estado
Novo tinha um ideólogo oficial, esse ideólogo, sem sombra de dúvidas,
era Francisco José de Oliveira Vianna (1883 – 1951). Ele exerceu muito
mais influência sobre o Vargas maduro do que o positivismo gaúcho.
Oliveira
Vianna tem uma obra vasta e era profundamente interessado nas
particularidades sociais do Brasil. Era anti-liberal, atento à ciência
da época e defensor do papel no Estado como indutor da modernização no
Brasil. Juntando-se o seu interesse pela ciência ao cuidado com as
peculiaridades brasileiras, criou o ponto mais baixo e estrambólico de
sua obra: o arianismo mestiço.
Antes
de ser o ideólogo do varguismo, Oliveira Vianna, que é só um ano mais
novo que Getúlio, já escrevia sobre o poder. E, como uma lógica
evolutiva supremacista permeava a ciência da época, o poderoso da vez
teria alguma explicação de ordem sociobiológica para o seu sucesso.
Quando Oliveira Vianna escrevia durante a República Velha, quem tinha
esse poder eram as oligarquias paulistas.
Assim,
sua primeira obra, publicada em 1920, é Populações meridionais do
Brasil, voltada à análise do sucesso dos barões do café de São Paulo. O
problema é que, desde a virada do século XIX para o XX, o grande
geógrafo e tupinólogo do Império, Theodoro Sampaio, fundamentara muito
bem a tese de que os bandeirantes paulistas falavam tupi e não
português. Os topônimos dos locais desbravados pelos bandeirantes eram
de língua tupi, mas as tribos dominadas por eles que habitavam esses
locais eram de língua jê. Ou seja, se as vilas e acidentes geográficos
não foram nomeados com a língua dos conquistados, a língua dos
conquistadores era tupi.
Os
estudos posteriores viriam a confirmar isso. Em Raízes do Brasil, o
sociólogo paulistano Sérgio Buarque de Hollanda relata que essa polêmica
era debatida no Estadão ainda em 1945, e ele próprio se envolvera nela
usando desde textos de Antonio Vieira até irrefutáveis documentos
testamentários de bandeirantes notórios para defender a teoria do já
falecido Theodoro Sampaio.
À
luz da ciência racista da época de Oliveira Vianna, tal descoberta só
poderia ser falsa, porque a raça superior é a ariana. Assim, ele faz o
possível e o impossível para apagar qualquer vestígio cultural tupi das
elites paulistas. Destaco um trecho: “O domínio rural se traslada,
destarte, sob a forma de bandeira, integralmente, para as novas terras
descobertas. O mesmo se dá com os grupos que norteiam para as regiões
alpestres de Minas, em busca de ouro. Eis por que essas bandeiras dão a
impressão de grandes caravanas em marcha. Pela sua composição, em que
entram até velhos, mulheres e enfermos, recordam, realmente, de algum
modo, a emigração de tribos pastoris dos planaltos da Ásia” (cap. V, i,
p. 84-85). Não precisa sair da América para encontrar essa semelhança na
Ásia. Os tupis eram nômades; faz muito mais sentido supor que as
bandeiras tenham mantido esse traço tupi do que que arianos tenham
replicado na América um nomadismo tribal asiático por pressão
geográfica.
Mas
Oliveira Vianna não era maluco a ponto de negar a mestiçagem da elite
paulista. Por isso ele cria um arianismo próprio, um arianismo mestiço
que mitiga o racismo científico – a “Ciência” da época – a fim de
conciliá-lo com a realidade brasileira. Daí resulta uma psicologização
da raça: é como se o bandeirante paulista, ao se miscigenar, tivesse
retido a índole da raça ariana, e tal índole fosse a causa do seu
sucesso. É o mameluco de alma branca, por assim dizer. Agora, essa
psicologização da raça também serve para explicar o fracasso dos
fracassados. Nas palavras do próprio: “Toda a evolução histórica da
nossa mentalidade coletiva outra cousa não tem sido, com efeito, senão
um contínuo afeiçoamento, através de processos conhecidos de lógica
social, dos elementos etnicamente bárbaros da massa popular à moral
ariana, à mentalidade ariana, isto é, ao espírito e ao caráter da raça
branca. Os mestiços superiores, os mulatos ou mamelucos, não ascendem em
nosso meio, durante o largo período da nossa formação nacional, não
vencem, nem ascendem como tais, isto é, como mestiços, por uma afirmação
de sua mentalidade mestiça. Ao invés de se manterem, quando ascendem,
dentro dos característicos híbridos do seu tipo, ao contrário, só
ascendem quando se transformam e perdem esses característicos, quando
deixam de ser psicologicamente mestiços – porque se arianizaram” (cap.
VI, v, p. 114). Em vez do fardo do homem branco, em Oliveira Vianna
temos o fardo do mestiço arianizado. Nas palavras dele, a função da
“síntese, coordenação, direção”, cabe “aos arianos puros, com o concurso
dos mestiços superiores e já arianizados.”
Ainda
assim, Oliveira Vianna vê com maus olhos a mestiçagem, na medida em que
forma desajustados. Ela teria surgido primariamente do estupro da índia
e da negra pelo ariano: no latifúndio, “os brancos – os senhores, a
parentela dos senhores, os seus agregados – exercem uma função
culminante. São os reprodutores da moda, os grandes padreadores da
índia, os garanhões fogosos da negralhada” (cap. IV, vii, p. 75). Esse
vício de origem se faz sentir na vida social: eles têm a “procurarem
expungir de si, por todos os meios, os sinais de sua bastardia
originária. É assim que o mameluco – cruzado de branco e índio – se faz
grande inimigo do índio. É o elemento fundamental dos terríveis clãs
sertanistas. É a sua massa combatente e, às vezes, o seu capitão
sanguinário e truculento. Por seu turno, o mulato – cruzado de branco e
negro – desdenha e evita o negro. Quando os quilombos começaram a
inquietar os domínios agrícolas, é o mameluco, de comparsaria com o
mulato, quem toma a incumbência de destruí-los. É o mulato que se faz o
‘capitão do mato’, perseguidor cruel dos escravos foragidos” (cap. IV,
viii, p. 76). Trocando em miúdos, no Brasil colonial o mestiço misturado
com branco se alia à ordem dos brancos e trai ferozmente a sua outra
raça de origem. Mamelucos contra índios, mulatos contra negros.
E
tudo isso é em vão: “O mestiço, na sociedade colonial, é um
desclassificado permanente. O branco superior, da alta classe, o repele.
Como, por seu turno, ele foge das classes inferiores, a sua situação
social é indefinida. Ele vive continuamente numa sorte de equilíbrio
instável, sob a pressão constante de forças contraditórias. Daí a sua
psicologia estranha e paradoxal” (cap. IV, viii, p. 77). É evidente que
Oliveira Vianna está errado. Pois o Brasil começou com uma aliança
política e carnal entre portugueses e índios. Se há um povo que pode
dizer que não foi fundado pelo estupro, é o nosso.
Roma começou com o rapto das sabinas; nós, com João Ramalho em São
Paulo recebendo filhas de caciques tupis para casar; com Caramuru na
Bahia recebendo Catarina Paraguaçu do cacique e em seguida levando-a
para se casar na França. Com o índio Arariboia no Rio de Janeiro
recebendo a Ordem de Cristo na expulsão dos franceses protestantes e
seus aliados tamoios.
É
possível usar a missão dada pelo Papa para explicar a boa vizinhança
dos portugueses com relação aos índios, mas a questão é ainda mais
elementar do que isso: todo europeu que chegasse com uns barquinhos
enfrentaria uma quantidade numérica de índios muito maior. Os vikings foram embora assim;
os espanhóis se juntaram às tribos oprimidas para vencer os astecas,
cuja sede por sacrifício humano gerava inimizades. Então no Brasil
colonial, e também na América espanhola, a elite era mestiça.
No
entanto, os erros de Oliveira Vianna são levados pelos militantes do
movimento negro brasileiro como verdade inquestionável. É a psicologia
também. Não importa a cor da elite, o que importa é que ela é
considerada psicologicamente branca. Como mostrei aqui, Kabengele
Munanga, da USP, pretende que o mestiço se assuma ideologicamente como
negro e lute contra a sociedade “branca”.
Abdias
do Nascimento é mais fiel ainda. Em 2017, num artigo para a Folha de S.
Paulo que lhe valeu um mini-cancelamento, Risério comentou: “Em O
Genocídio do Negro Brasileiro (1978), bíblia do nosso racialismo
essencialmente colonizado, um Abdias confuso e sectário monta duas
sequências. Numa, encadeia mestiçagem, branqueamento e alienação da
identidade negra. Noutra, amarra miscigenação, branqueamento e
aniquilação da raça negra. Neste segundo caso, Abdias vê a
mestiçagem/miscigenação como estratégia de extermínio da população
negra: ‘(...) o mulato prestou serviços importantes à classe dominante;
durante a escravidão ele foi capitão-do-mato, feitor (...). Nele se
concentraram as esperanças de conjurar a 'ameaça racial' representada
pelos africanos. E estabelecendo o tipo mulato como o primeiro degrau na
escada da branquificação sistemática do povo brasileiro, ele é o marco
que assinala o início da liquidação da raça negra no Brasil’.” Na
ocasião, a viúva redigiu uma réplica que apenas mostra o quão profunda é
a psicologização da raça para os ativistas: “para Abdias, os termos
[mulato e negro] eram metáfora simples a mostrar que a identificação
passa não pelo suposto fator genético-biológico (que não existe), mas
pela consciência e pela ação. ‘Mulato’, para ele, é quem assume o
discurso racista e quer se aproximar da brancura; ‘negro’ é a pessoa
consciente e comprometida com seu povo, sua identidade e sua herança
cultural.”
Last,
but not least, os militantes escolheram um símbolo de supremacia branca
para atacar: as estátuas do bandeirante Borba Gatto e o Monumento às
Bandeiras. Subscrevendo, portanto, a tese da arianização de Oliveira
Vianna, contra a tese original e correta de Theodoro Sampaio – que por
acaso comprou a alforria da mãe e dos meio-irmãos; era um baiano filho
de escrava com padre.
Os
militantes do movimento negro repetem a leitura étnico-racial de
Oliveira Vianna de cabo a rabo, apenas invertendo o juízo de valor. Só
não sabem porque não estudam nada.
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi
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