Por Rainer Bragon e João Gabriel | Folhapress
O
Congresso Nacional retoma os trabalhos nesta terça-feira (1) em meio às
negociações do presidente Lula (PT) para fechar um acordo com o centrão
que lhe garanta uma base sólida na Câmara dos Deputados.
As conversas já levaram o deputado Celso Sabino (União-PA) para o
Turismo e devem conduzir os também deputados André Fufuca (PP-MA) e
Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) para o primeiro escalão de Lula.
A possível adesão de PP e Republicanos, aliada à consolidação do
apoio da União Brasil, levaria o governo a contar formalmente com 374
dos 513 deputados, número mais do que suficiente para aprovar emendas à
Constituição (308) — mas esse é um cenário ainda completamente incerto,
por dois motivos.
O primeiro é o fato de o centrão não ter ainda firmado com Lula os
termos do acordo, que além do comando de ministérios envolvem também uma
profusão de cargos de segundo e terceiro escalões e melhorias na
gerência das bilionárias emendas parlamentares.
O segundo, não menos relevante, é que mesmo que Lula faça uma reforma
ministerial a contento de PP, Republicanos e União Brasil, certamente
haverá dissidências nessas legendas, além das previstas nos dois outros
partidos de centro e de direita considerados mais alinhados, o MDB e o
PSD.
Membros do centrão ouvidos pela reportagem, sob reserva, demonstraram
otimismo quanto ao acordo. Entendem que, mesmo com possíveis
dissidentes, o governo caminha para estreitar laços com a Câmara e
consolidar uma base com margem de manobra.
Eles lembram, entre outros pontos, que o governo recentemente fez
acenos ao setor do agro, por exemplo com o novo Plano Safra, o que pode
ajudar a diminuir a resistência na principal bancada do Congresso, a
ruralista, e também na dos evangélicos.
As pautas de costume e de segurança pública, por outro lado, são
avaliadas como as mais sensíveis para essa possível nova base, que pode
enfrentar um grande número de dissidentes.
Com isso, o governo deve continuar a enfrentar o cenário do primeiro
semestre, em que contou com maior boa vontade do centrão para projetos
da área econômica de agrado do mercado e do empresariado, mas sem muito
espaço para temas historicamente caros à esquerda.
Lula derrotou Bolsonaro em 2022 pela margem mais estreita da história
—50,9% dos votos válidos contra 49,1%— e, além disso, viu a base de
esquerda reunir apenas cerca de 130 das 513 vagas na Câmara.
No Senado, a situação é mais confortável tendo em vista o maior
alinhamento do petista ao presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e
o apoio de parlamentares influentes, como Renan Calheiros (MDB-AL),
Jader Barbalho (MDB-PA) e Davi Alcolumbre (União-AP).
Tanto é assim que um possível acordo com PP e Republicanos visa a
Câmara, e não o Senado, já que por lá a maior parte das dez vagas dos
dois partidos são de bolsonaristas que dificilmente vão aderir, como
Ciro Nogueira (PP-PI), Luiz Carlos Heinze (PP-RS), Damares Alves
(Republicanos-DF) e Cleitinho (Republicanos-MG).
As conversas com PP e Republicanos, que compuseram a base de apoio de
Bolsonaro, visam atrair, principalmente, Arthur Lira (PP-AL),
presidente da Casa, e Marcos Pereira, vice-presidente da Câmara e
presidente do Republicanos.
No caso de Lira, a indicação de Sabino ao Turismo também o contempla,
tendo em vista a ligação fina entre ambos, apesar de o ministro ser da
União Brasil. Fufuca e Silvio Costa Filho também são próximos a Lira.
O presidente da Câmara também será contemplado caso o centrão consiga
emplacar a ex-deputada Margarete Coelho no comando da Caixa Econômica
Federal.
Além de atuar como advogada para Lira em ações que ele tenta censurar
reportagens, Margarete foi escalada para relatar alguns dos principais
projetos em tramitação na Câmara desde 2021.
Lira e Lula entabularam uma relação desde as primeiras horas após a vitória do petista sobre Bolsonaro.
Sem o apoio do chefe do centrão, dificilmente o governo conseguiria
aprovar suas prioridades econômicas do primeiro semestre —a Reforma
Tributária, o novo arcabouço fiscal e a volta do voto de qualidade para o
governo nas disputas no Carf (Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais).
Além do empenho de Lira, pesou a favor dessas propostas a articulação
política do ministro Fernando Haddad (Fazenda) até aqui considerada
exitosa pelos principais líderes do centrão.
O caso do Republicanos é mais delicado. O partido é ligado à Igreja
Universal do Reino de Deus, que há algum tempo tem tratado Lula e o PT
como rivais, além de abrigar em seus quadros o governador de São Paulo,
Tarcísio de Freitas, um dos cotados para a disputa presidencial de 2026.
As negociações com o centrão criaram, também, por tabela, um foco de
insatisfação nos partidos de esquerda e de centro que compuseram a
campanha de Lula e que agora se sentem escanteados.
Embora uma rebelião nessas siglas seja considerada por ora
improvável, há um sentimento generalizado de que estão sendo colocados
em segundo plano na ocupação dos cargos e discussões de governo.
ECONOMIA NOVAMENTE NO FOCO
Assim como no primeiro semestre, a agenda prioritária do governo no Congresso deve ser na área econômica.
O Senado vai começar a analisar a reforma tributária e o projeto de
mudança no Carf, aprovados pela Câmara, além de dar início à tramitação
da chamada "MP das bets", a medida provisória que prevê a taxação de 18%
para as apostas esportivas.
A Câmara irá se debruçar inicialmente na votação do novo arcabouço
fiscal do governo, que ela havia aprovado, mas que sofreu alterações no
Senado e, por isso, voltou para análise dos deputados.
Lira já afirmou ter intenção de colocar para andar a reforma
administrativa, que remodela as regras do funcionalismo mas que, assim
como a tributária, é marcada por idas e vindas nas últimas décadas.
O governo, porém, tem outros objetivos mais imediatos na pauta de
Haddad, entre eles o projeto de taxação dos super-ricos, que deve ser
enviado ao Congresso em agosto.
Deputados apostam que, apesar de uma resistência inicial até de Lira
ao projeto dos super-ricos, ele deve ter o apoio de grande parte da
população, o que torna difícil que tenha muita oposição na Câmara.
A pauta ambiental, em que o governo sofreu derrotas no primeiro
semestre, agora se concentra na Câmara, com a tramitação dos projetos
sobre licenciamento, agrotóxicos e marco temporal das terras indígenas.
Paralelamente à agenda legislativa, a volta do Congresso também trará
de volta ao trabalho quatro CPIs em funcionamento, a do 8 de janeiro, a
do MST, a do escândalo de fraude nas apostas esportivas e a do caso das
lojas Americanas.
Embora governos sejam, em tese, sempre contra a instalação de CPIs, a gestão Lula não teve forças no primeiro semestre para barrá-las.
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