BAHIA NOTICIAS
Por Joelmir Tavares | Folhapress
Falas
do presidente Lula (PT) e de aliados contra Jair Bolsonaro (PL) e
apoiadores do ex-presidente têm colocado em xeque o discurso de
pacificação adotado na campanha e após a eleição.
O mesmo Lula que na posse prometeu responder ao ódio com amor
contribui hoje para alimentar a tese de que pratica revanchismo e
estimula perseguição à direita, como argumentam setores da oposição.
Eleito na disputa mais apertada da história do país --apenas 1,8
ponto percentual à frente do rival--, o petista deu declarações sobre os
suspeitos da hostilidade contra Alexandre de Moraes na Itália que foram
vistas como generalização dos eleitores de Bolsonaro.
Lula chamou de animal selvagem um dos envolvidos na confusão com o
ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) no dia 14. Disse ainda que o
homem "não é um ser humano" e que "essa gente que renasceu no
neofascismo colocado em prática no Brasil tem que ser extirpada".
Dias depois, reiterou: "Nós derrotamos o Bolsonaro, mas não
derrotamos os bolsonaristas ainda. Os malucos estão na rua, ofendendo
pessoas, xingando pessoas".
O tom foi mal recebido por expoentes do campo destro, como o
ex-vice-presidente e atual senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS),
que enxergou na expressão "malucos" uma referência "aos 58 milhões de
brasileiros que votaram no projeto da direita, conservadora e liberal".
Mourão, em uma publicação, disse que "a democracia não será defendida
com discriminação, deboche, agressões e criminalização das pessoas que
discordam do seu pensamento político".
Outros gestos soaram como provocação a Bolsonaro e seus eleitores, intenção que a Presidência nega.
Cotado para assumir um cargo na comunicação do governo com o apoio da
primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, o ex-deputado Jean Wyllys
instaurou uma crise ao promover o que foi visto como um ataque gratuito
ao governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB).
Wyllys chamou o tucano de gay homofóbico após Leite manter no estado
as escolas cívico-militares, desestimuladas pelo governo federal. O
gaúcho --que foi ao Ministério Público contra o ex-deputado por
homofobia-- faz oposição, mas mantém uma relação cordial com a gestão
petista.
Ao mesmo tempo, o Planalto sofreu críticas por sugerir penas de até
40 anos para crimes contra o Estado democrático de Direito, punição
qualificada por especialistas como excessiva. A proposta, lançada para
responder aos ataques golpistas de 8 de janeiro, despertou rumores de
censura.
O governo, por sua vez, argumenta que a gravidade da invasão às sedes
dos Poderes justifica o endurecimento de penas para proteger a
democracia e autoridades. O ministro da Justiça, Flávio Dino, defendeu
combater o "perigosíssimo nazifascismo do século 21".
Dino coleciona embates com a oposição e já fez troça de "quem acha
que a Terra é plana" em audiência na Câmara dos Deputados, atrelando o
governo anterior ao negacionismo científico.
O deboche foi usado também em páginas oficiais para alfinetar o
antecessor. Quando o ex-presidente se tornou inelegível, o perfil do
governo no Twitter publicou o título "grande dia" e um emoji de "joinha"
--elementos usados por Bolsonaro contra desafetos.
Janja foi outra que recorreu à fórmula na manhã em que Bolsonaro foi
alvo de operação da Polícia Federal por suspeita de fraude no cartão de
vacinação, em maio. "Bom diaaaaaaaaaaaaaaa", postou ela.
O estilo contrasta com a mensagem de conciliação evocada por
ministros do próprio governo, alinhados à pregação de Lula sobre
administrar para todos.
O titular da Agricultura, Carlos Fávaro, incorporou como mantra a
ideia de que "a eleição passou", frase repetida por ele em encontros e
entrevistas para abrir canais com o agronegócio, majoritariamente
refratário a Lula. O petista já chamou alas do segmento de fascistas.
Outro ministro que repisa a necessidade de deixar as divergências no
passado é Márcio Macêdo (Secretaria-Geral da Presidência). "Nós viramos
essa página da eleição", disse ele em entrevista à Folha de S.Paulo
neste mês. "Estamos trabalhando para incluir todos que queiram ser
incluídos."
Lula evita pronunciar o nome de Bolsonaro e usa substitutos como
"titica" (excremento de galinha), vagabundo, "sabidinho que não quis
aceitar o resultado eleitoral" e "cidadãozinho que quis dar golpe"
--assimilados como ofensas não só ao adversário, mas também à sua
militância.
Parlamentares do PL como os deputados federais Carla Zambelli (SP),
Júlia Zanatta (SC) e Bibo Nunes (RS) e os senadores Rogério Marinho (RN)
e Jorge Seif (SC) se manifestaram contra as declarações.
"Precisamos lembrar ao presidente que [...] não somos inimigos do
Brasil nem indignos de todas as garantias constitucionais, concedidas a
todos os cidadãos", escreveu Seif em rede social.
Perfis bolsonaristas ecoam a ideia de que a proposta de extirpar
radicais seria "criminalização do anticomunismo" e que a menção a animal
feita por Lula representaria desumanização de opositores.
A postura de acirramento mereceu reprovação também de Roberto Freire,
que apoiou Lula no segundo turno. O presidente nacional do Cidadania
disse que "extirpar não é linguajar de quem deseja instaurar civilidade
alguma" e que o país não terá paz enquanto persistirem declarações do
tipo.
Para a cientista política Argelina Cheibub Figueiredo, "é
perfeitamente compreensível" que detratores vejam como represália ou
vingança falas mais acaloradas de Lula, mas o presidente não tomou
medidas que indiquem tratamento diferenciado.
A professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro concorda que
extirpar "não foi um bom termo", embora considere legítimo reagir a uma
oposição que atue fora dos marcos democráticos e civilizatórios.
"Não acho que ele esteja criticando os eleitores de Bolsonaro de
forma geral", diz Argelina, distinguindo aqueles que votaram no
ex-presidente por razões como pauta moral e política econômica daqueles
que ela classifica como bolsonaristas puros, por operarem em vias
autoritárias e violentas.
A pesquisadora lembra que pesquisas mostram aprovação razoável do
governo --o que leva a crer que parte dos que avaliam a gestão
positivamente tenha votado no outro candidato-- e que Lula está
dialogando com políticos e partidos que sustentaram Bolsonaro.
O governo, em nota à reportagem, diz que o presidente "reafirma, como
fez nessas falas e em muitas outras ocasiões, ser contra ofensas e
agressões políticas" e que ele "não fez generalizações".
Segundo o texto, "as declarações são especificamente sobre quem
ofende as pessoas, muitas vezes acompanhadas de familiares, em espaços
de convivência. A diferença é bastante clara".
Falas de Lula sobre bolsonaristas e opositores
Má educação
"Um cidadão que faz isso [hostilidade a Alexandre de Moraes] não é um
ser humano que você pode ter respeito por ele, é um canalha. Ele
precisava pelo menos ser educado. [...] Se vale a moda desse cidadão,
que vai xingar um ministro que votou uma coisa que ele não gosta, os
ministros não terão mais sossego no Brasil"
em 25.jul, em sua live semanal
Deu a louca
"Nós derrotamos o [Jair] Bolsonaro, mas não derrotamos os
bolsonaristas ainda. Os malucos estão na rua, ofendendo pessoas,
xingando pessoas. E nós vamos dizer para eles que nós queremos fazer com
que esse país volte a ser civilizado"
em 23.jul, durante discurso em São Bernardo do Campo (SP)
Juízo final
"Precisamos punir severamente pessoas que ainda transmitem o ódio,
como o cidadão que agrediu o ministro Alexandre de Moraes no aeroporto
de Roma. Um cidadão desse é um animal selvagem, não é um ser humano.
[...] Essa gente que nasceu no neofascismo colocado em prática no Brasil
tem que ser extirpada"
em 19.jul, durante entrevista a jornalistas em Bruxelas
Negócios à parte
"Com todo respeito ao mercado financeiro, mais conhecido como o povo
da Faria Lima, mas ele nunca gostou ou votou no PT, nunca gostou ou
votou no [Fernando] Haddad e não vai votar. [...] O Haddad não foi
indicado para eles, mas para tentar resolver a vida do povo pobre"
em 13.jul, durante entrevista à TV Record
Impuros
"Era ele [Bolsonaro] e o pessoal dele, [com] a destilação de ódio.
[...] Tem gente que ficou azeda. É preciso purificar essa gente, para
essa gente voltar a ter fraternidade, a ter amor no coração, a ter
sensibilidade"
em 4.jul, durante evento em Foz do Iguaçu (PR)
Agrotóxico
"Tem a famosa feira lá em Ribeirão Preto que alguns fascistas, alguns
negacionistas, não quiseram que ele [Carlos Fávaro] fosse na feira,
desconvidaram meu ministro"
em 6.jun, durante evento em Luís Eduardo Magalhães (BA)
Nós x eles
"A única razão [pela qual] eu voltei a me candidatar a presidente da
República foi para provar outra vez à elite atrasada brasileira que um
torneiro mecânico é capaz de fazer o que eles não conseguiram fazer em
tantos anos nesse país"
em 6.jun, durante inauguração em Goiana (PE)
Tom & Jerry
"'[Eu respondia:] não está tudo bem. Só vai estar tudo bem quando eu foder esse [Sergio] Moro'"
em 21.mar, durante entrevista para o portal Brasil 247
Isolamento social
"Nós vamos precisar de um tempo para fazer um processo de limpeza, e
fazer com que aquelas pessoas que pregam o ódio, aquelas que vivem
xingando as pessoas na rua, ofendendo, que essas pessoas sejam isoladas
da sociedade brasileira, porque a sociedade brasileira não pensa assim,
não é assim e não quer isso"
em 13.fev, durante evento de 43 anos do PT, em Brasília
Luta de classes
"O que aconteceu no Palácio do Planalto, no Congresso e no STF [no 8
de janeiro] foi uma revolta dos ricos que perderam as eleições"
em 6.fev, na posse do novo presidente do BNDES, Aloizio Mercadante.
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