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Com a justificativa de desestimular comportamentos nocivos à sociedade, o imposto do pecado pode ser apenas mais uma maneira de aumentar a arrecadação estrangulando quem trabalha e produz. Luciano Trigo para a Gazeta do Povo:
De
todos os motivos para apreensão associados à Reforma Tributária
aprovada na Câmara dos Deputados na semana passada, e não são poucos
(conselho federativo, cashback, indefinição das alíquotas etc), um me
parece particularmente preocupante: o imposto seletivo que incidirá
sobre produtos e serviços prejudiciais à saúde e ao meio-ambiente –
também chamado de “imposto do pecado”.
Como
sempre, a pegadinha aqui é usar uma bandeira inatacável – quem pode ser
contra a defesa da saúde e do meio-ambiente? – para justificar a
potencial tributação de basicamente qualquer coisa.
(É
mais ou menos como usar a defesa da democracia como justificativa para
relativizar a liberdade de expressão: quem pode ser contra a defesa da
democracia? O truque é tão manjado quanto eficaz.)
Porque,
vamos ser francos, não há hoje produto ou serviço que, em alguma medida
e seguindo determinado critério, não possa ser considerado nocivo à
saúde e ao meio-ambiente.
Se
o texto da reforma falasse especificamente na tributação de cigarros e
bebidas alcoólicas, tudo bem – ainda que isso prejudicasse quem votou
acreditando na promessa da cervejinha com picanha. Aliás, nada impede
que a picanha também seja tributada, já que os gases emitidos pelos
bovinos (no popular, o pum da vaca) aumentam o efeito estufa e o
aquecimento global.
Ocorre
que cigarros e bebidas alcoólicas já pagam há décadas altas alíquotas
do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), como política de saúde
pública. Não será daí que virá o impacto do imposto seletivo, portanto.
E como, da forma nada taxativa como foi aprovado, o texto abre a
porteira para tornar tudo tributável, é de se supor que o imposto do
pecado tenha siso criado mirando em outros alvos.
O
problema é: quem decidirá o que é nocivo? Quem pesará os custos e
benefícios dessa tributação? Agrotóxicos, evidentemente, necessitam de
rigorosa e permanente regulação, mas se todos os defensivos agrícolas
forem simplesmente sobretaxados com base no enquadramento no imposto do
pecado, parece evidente que isso afetará o desempenho do agronegócio –
que é basicamente a locomotiva do país hoje.
O
mesmo vale para os chamados alimentos ultraprocessados: ora, mais da
metade do que é vendido nos supermercados pode ser considerado
ultraprocessado; como os impostos são sempre repassados para o
consumidor, já dá para imaginar quem pagará a conta. E não serão as
elites: estas não consomem suco de frutas de caixinha e só compram
produtos orgânicos que custam o triplo do preço.
As
elites não comem mortadela, presunto, salsicha, macarrão instantâneo,
pães industrializados, iogurte, sorvete e molho de tomate – alguns dos
itens comumente citados como ultraprocessados. O bolso mais afetado será
o dos mais pobres – que aliás as elites progressistas gostam de
defender em postagens lacradoras nas redes sociais.
Da
mesma forma, quem será prejudicado pela sobretaxação de veículos
poluentes (o IPVA ecológico) é o cidadão de classe média que penou para
comprar um carro usado em prestações a perder de vista, não o seu patrão
rico, que pode gastar 500 mil reais em um carro elétrico isento de
impostos por proteger a natureza.
Ora,
a não ser que more no meio do mato e se alimente da comida que você
mesmo planta, você é inevitavelmente um poluidor e consumidor de
produtos que prejudicam sua saúde e o meio-ambiente.
Do
seu aquecedor a gás ao seu aparelho de ar condicionado, passando pelas
embalagens de suas compras e pelos meios de transporte que você usa (a
não ser que você só se desloque a pé, de bicicleta, ou barco a remo ou a
vela), virtualmente todos os produtos e serviços que você usa e
consome na vida cotidiana estão potencialmente sujeitos ao enquadramento
no imposto seletivo, o que resultará, na prática, em encarecimento da
carga tributária para empresas e pessoas físicas.
Com
a justificativa de desestimular comportamentos nocivos à sociedade, o
imposto do pecado pode ser apenas mais uma maneira de aumentar a
arrecadação estrangulando quem trabalha e produz – e já paga muito mais
impostos do que deveria, a julgar pelo que retorno que recebe em
serviços públicos.
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi
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