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Será preciso limpar a espuma conspiracionista que visa transformar os que sofreram a tentativa de golpe em golpistas. Guilherme Macalossi para a Gazeta do Povo:
Está
posto, desde já, que o objetivo dos bolsonaristas na inevitável CPMI do
8 de janeiro não será o de investigar nada, muito menos de esclarecer,
mas, sim, o de subverter a realidade. Vão tentar dar verossimilhança ao
discurso delirante de que a destruição promovida em Brasília por
apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro foi fruto de uma urdidura do
lulopetismo, que teria deixado o ataque acontecer para se beneficiar
politicamente. Como se a punição aos responsáveis não viesse também se a
vandalização não tivesse sido bem-sucedida.
Desde
o dia do ato há farta especulação (sem qualquer evidência) de supostos
infiltrados de esquerda e maquinações outras. Uma das primeiras dava
conta de que o relógio do Século XVII que foi destruído por um militante
com a camisa de Bolsonaro teria sido fruto de uma armação. Isso porque o
objeto mostra outro horário daquele constante no momento da gravação. A
câmera de segurança do local exibe 15h33, ao passo que no relógio
histórico aparece 12h25. Seria “a prova” de que isso teria ocorrido
antes da tomada da sede dos Três Poderes. Na verdade a explicação é mais
simples, óbvia e prosaica: os ponteiros estavam parados porque o
relógio de 400 anos já não funcionava mais. Mas vá dizer isso aos
detetives de Twitter. Aqueles Sherlocks a criar seus dossiês de fancaria
para serem compartilhados em massa nas redes sociais.
Na
última semana, com a divulgação de uma truncagem de imagens do circuito
interno do Palácio do Planalto, os bolsonaristas se sentiram
encorajados a renovar o repertório de teorias conspiratórias. Tudo
porque o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de
Lula, general Gonçalves Dias, foi flagrado perambulando pelas dependências do prédio
ainda com os golpistas livres. Ainda que sua postura revele despreparo
ou incapacidade de lidar com a situação, (e ele foi imediatamente
demitido) isso não significa que estivesse ali para facilitar o trabalho
dos invasores.
No
exame pormenorizado de frames devidamente recortados e
descontextualizados, houve até quem divagasse sobre o motivo de
cinegrafistas estarem presentes registrando tudo. Os pontos de
interrogação levantados são tão grandes quanto o desconhecimento do
trabalho exercido por esses profissionais. É de praxe que se infiltrem
nos piores e mais arriscados lugares. Ou não teríamos nenhuma imagem de
batidas policiais ou dos horrores dos campos de batalha nas guerras do
mundo afora. No ataque do 8 de janeiro, muitos dos que perpetraram as
ações violentas se jactaram em vídeos ou registros próprios, de modo que
não surpreende que tenham posado para fotos e vídeos enquanto
vilipendiavam o patrimônio público.
Para
além das paranoias que se retroalimentam, o que se sabe mesmo é que a
falha sistemática na segurança do Eixo Monumental começou no trabalho da
Polícia Militar do Distrito Federal e incluiu o grosso dos agentes do
GSI que aparecem nas filmagens. Quase todos herdados do governo
Bolsonaro na gestão do ex-ministro Augusto Heleno. O oficial militar que
aparece oferecendo água para os vândalos era da equipe de viagens do
ex-presidente. Outros tinham participado de eventos diversos, incluindo
motociatas.
Também
se sabe que a intentona bolsonarista se deu no contexto de outras
ações, todas elas tendo como epicentro o acampamento ilegal montado na
frente do quartel do Exército. E aí se inclui a invasão da sede da
Polícia Federal no dia da diplomação de Lula e a tentativa de atentado a bomba na sede do aeroporto de Brasília, na véspera de Natal. Também teria tudo isso ocorrido com a ciência do governo eleito que ainda não havia assumido?
Isso
pode até doer na alma de alguns, mas o fato é que Lula foi um dos
primeiros a apontar as possíveis omissões e conivências diante do
ocorrido em 8 de janeiro. Num café da manhã com jornalistas, ainda no
dia 12, disse que “teve muita gente da Polícia Militar conivente, muita
gente das Forças Armadas aqui dentro coniventes”. Também falou sobre a
facilidade com que os militantes adentraram nas dependências do
Executivo: “Eu estou convencido de que a porta do Palácio do Planalto
foi aberta para essa gente entrar, porque não tem porta quebrada. Ou
seja, alguém facilitou a entrada deles aqui”. Ora, se tudo ocorreu em
consonância com o interesse do PT, qual o sentido da fala de Lula? E,
portanto, qual a surpresa com as imagens reveladas quando essa era a
suspeita do governo desde o início?
Uma
CPMI minimamente séria vai se debruçar sobre os réus, os financiadores
do ataque e suas conexões com possíveis beneficiários. Mas não apenas
sobre eles. O GSI, as autoridades estaduais e quem quer que tenha
contribuído ativamente para a realização do maior atentado contra a
democracia brasileira em décadas também precisam ser devidamente
investigados. E para isso, será preciso limpar a espuma conspiracionista
que visa transformar os que sofreram a tentativa de golpe em golpistas.
Postado há 5 days ago por Orlando Tambosi
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