O apoio ocidental é fundamental para equilibrar as coisas e criar as condições mínimas para verdadeiras negociações de paz entre a Ucrânia e a Rússia. Uma paz ditada por Moscou seria muito perigosa. Bruno Cardoso Reis via Observador:
Quando
é que “isto” acaba? É a pergunta que mais tenho ouvido à medida que a
guerra na Ucrânia se vai prolongando. Percebo. São já, no mínimo,
dezenas de milhares de mortos, mais de 10 milhões de deslocados e
refugiados, centenas de milhões em risco de fome. É o enorme custo
económico, com o disparar global dos preços, desde os combustíveis (mais
de 20%) até certos alimentos básicos (mais de 50%). É o choque que isto
representa para um sistema internacional cada vez mais propenso a
crises militarizadas, com o risco de paralisia total da ONU ou do G20 e a
dificuldade em cooperar para resolver grandes problemas globais. E isto
para não falar do risco de uma Terceira Guerra Mundial, que seria
provavelmente nuclear, por irracional e suicida que pareça. É
compreensível que desde o automobilista nacional até ao estadista
internacional, como Henry Kissinger, haja muito quem queira a guerra a
terminar o mais rapidamente possível.
Guerra está para durar
Não
é provável, no entanto, que a invasão russa da Ucrânia acabe
rapidamente, seja pela via de negociações, seja pela vitória militar. É
verdade que as guerras prolongadas tornam-se provas de resistência, em
que se torna decisiva a capacidade de substituir equipamento e tropas a
um ritmo muito exigente. Foi aí, tanto ou mais do que no campo de
batalha, que a Alemanha perdeu a Segunda Guerra Mundial. Mas, por
padrões históricos, esta guerra ainda não durou muito. É certo que o
inverno vem aí, e que a história nos mostra que mesmo o outono não é
propício a grandes operações militares nesta região do mundo. Mas tudo
isso torna provável que os meses de verão sejam vistos pela Rússia e
pela Ucrânia como a grande oportunidade de ainda alcançarem ganhos
militares. Se os conseguirão ou não iremos ver.
Não
há nenhuma indicação de que os objetivos mínimos da Rússia e da Ucrânia
possam ser facilmente conciliados. Quais são as prioridades declaradas
dos dois lados? Do lado da Rússia continua a insistir-se numa
neutralidade à finlandesa para a Ucrânia. Convém lembrar que a
neutralidade imposta pelo Kremlin à Finlândia durante a Guerra Fria
significou que Helsínquia não tinha uma política externa verdadeiramente
soberana. Por exemplo, não podia aderir nem à NATO, nem à CEE. E que
teve de ceder vários territórios fronteiriços à União Soviética. E
efetivamente a Rússia tem declarado querer o controlo de todo o Donbas, e
a Crimeia – anexada em 2014 – é vista como inegociável. Há ainda
tentativas de russificação apressada da costa ocupada do Mar Negro até
Kherson. Não vejo que a Ucrânia aceite semelhantes cedências, não sem
luta, não sem sofrer derrotas militares significativas.
Os
objetivos declarados do lado de Kiev são cada vez mais o de recuperar
todo o território perdido para a Rússia. É, por isso, de esperar que a
Ucrânia tente usar as novas armas, com mais alcance e maior poder de
fogo, que estão a ser fornecidas pelo Ocidente para tentar recuperar
militarmente esses territórios ocupados pela Rússia. Mas o transporte, o
treino, o emprego eficaz e em quantidade significativa dessas novas
armas demorará no mínimo algumas semanas. Mais, este tipo de operações
ofensivas é mais exigente em termos de coordenação, de comando conjunto
de múltiplas unidades e meios aéreos e terrestres, tanto mais quanto
seja dado tempo às tropas russas para se entrincheirarem. Mesmo que
essas operações corram bem, e haja um colapso da resistência russa em
certas regiões, é muito o território a recuperar.
Os
ucranianos estão a lutar pela sua sobrevivência. O regime russo também
não se pode dar ao luxo de perder. Parece difícil que a guerra se
mantenha com um elevado nível de intensidade durante anos, mas é
possível que até haja uma escalada nos próximos meses. Se há lugar na
guerra para a estratégia racional, não podemos ignorar o papel do acaso e
da emoção. O prolongamento de um conflito tende a tornar os contendores
mais intransigentes, até para justificar as perdas cumulativas
sofridas, pelo menos até a erosão de homens e meios se tornar
insustentável.
Cenários a prazo
Para
lá do verão quais são os cenários mais prováveis? Podemos ter um
impasse do tipo da Primeira Guerra Mundial – ou seja, com trincheiras,
pesados duelos de artilharia, ofensivas ocasionais e mortíferas, mas
mudanças limitadas no terreno. Podemos ter um cenário de conflito
congelado, como é o caso desde 1953 com a Guerra da Coreia. Ou seja, um
impasse militar leva a uma fronteira altamente militarizada, mas sem um
acordo de paz que obriga as partes a formalizar concessões politicamente
complicadas, com algum risco, ocasionais demonstrações de força, mas
sem confrontos continuados. Ou podemos ter um conflito semicongelado,
como entre a Arménia e o Azerbaijão, sem acordo de paz, anos de
cessar-fogo, sem choques militares, mas ocasionalmente novos períodos de
conflito quando uma das partes procura vantagem.
O que o Ocidente pode fazer?
O
que podemos fazer? Ao contrário do que tenho lido, as duras sanções
económicas ocidentais contra a Rússia são um grande argumento a favor de
uma paz de compromisso. Pois podem levar o Kremlin a fazer algumas
concessões em troca de recuperar parte do seu acesso aos mais
importantes mercados mundiais. O Ocidente deve continuar a apoiar
militar e economicamente a Ucrânia – como o fez durante a Segunda Guerra
Mundial relativamente à União Soviética para lhe permitir continuar a
combater a Alemanha nazi. É possível fazer isso sem fechar completamente
as portas da diplomacia com a Rússia. Algumas tensões entre aliados são
inevitáveis numa guerra prolongada. Foi assim durante a Segunda Guerra
Mundial, foi assim durante a Guerra Fria. Por muita convergência de
prioridades estratégicas que exista, ela nunca é total. Convém, no
entanto, recordar Churchill, com ampla experiência na gestão de uma
aliança em tempo de guerra: pior do que uma guerra com aliados, é uma
guerra sem aliados!
O
fundamental é evitar uma nova Yalta, uma paz como a de 1945 acordada
pelas grandes potências ignorando os países do Leste da Europa.
Sobretudo é fundamental percebermos que o apoio ocidental é fundamental
para equilibrar as coisas e criar as condições mínimas para verdadeiras
negociações de paz entre a Ucrânia e a Rússia. Uma paz ditada por
Moscovo seria muito perigosa. Seria um sinal do regresso do direito de
conquista para um número crescente de autocratas fortemente armados.
Seria comprar uma paz rápida à custa da segurança europeia a prazo.
Seria deixar o mundo completamente entregue à lei do mais forte.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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