Mesmo tendo maioria simples, o presidente sai enfraquecido e terá que enfrentar líderes da direita e da esquerda que só querem infernizar sua vida. Vilma Gryzinski:
Emmanuel Macron
foi reeleito presidente depois de uma pandemia – e no meio de uma crise
de preços em disparada. Seu partido conseguiu 58% dos parlamentares na
eleição de ontem.
Parece
uma contradição, diante de resultados tão fora do padrão, mas o fato é
que o presidente francês está enfraquecido. E seus adversários nos
extremos, de esquerda e de direita, estavam agindo como vencedores.
Jean-Luc
Mélenchon, que conseguiu unir a esquerda na frente chamada Nupes – Nova
União Popular Ecológica e Social -, comportava-se como vencedor. E, de
fato, é. Mesmo longe do objetivo de se tornar primeiro-ministro – o que
seria um pesadelo inenarrável para Macron -, ele se consolidou como o
representante da segunda maior força política da França, superando a
fase de devastação provocada pela derrocada do Partido Socialista
(agora, sócio minoritário da Nupes). A coalizão teve 31,76% dos votos,
contra 38,48% do partido de Macron.
Ter
uma esquerda forte faz parte da tradição política da França, embora
Mélenchon seja muito mais cabuloso do que outro trotskista bem sucedido,
Lionel Jospin, que foi primeiro-ministro de 1997 a 2002.
A
maior novidade foi o fortalecimento parlamentar do partido de Marine Le
Pen, a Assembleia Nacional. Desde a época de seu pai, os Le Pen têm
mostrado força em eleições presidenciais e uma quase inexistência em
matéria de participação no legislativo.
Ontem
Marine Le Pen era só sorrisos, com a eleição de 89 deputados, um
resultado sem precedentes. “Estamos escrevendo um novo capítulo na
história de nossa família política”, celebrou ela, num clima de euforia
de seus partidários.
Quanto
tempo, perguntam os mais cínicos, os extremos vão demorar até se
aliarem contra Macron? Muitas de suas propostas e ideias coincidem,
desde o aumento da idade para a aposentadoria – um dos temas mais
debatidos do país – até a simpatia de seus líderes por Vladimir Putin, a
antipatia pela União Europeia e a vontade de interferir nos preços.
“A
França vai ser muito difícil de governar”, constatou o cientista
político Jerôme Fourquet, diretor do instituto de pesquisas Ifop e
propagador do conceito de fragmentação que torna os principais blocos
políticos mais coalizões frágeis criadas em torno de líderes fortes do
que partidos propriamente ditos.
Quando
foi eleito pela primeira vez – sem nunca antes ter recebido um único
voto -, Macron conseguiu praticamente um milagre: galvanizar a maioria
dos franceses em torno de um projeto centrista que defendia reformas –
sem choques – evidentemente necessárias para dinamizar a economia. Ele
criou um partido do nada, hoje rebatizado de Juntos!, e conseguiu
maioria absoluta no parlamento.
Apesar
de alguns avanços, o principal ainda está por fazer para reequilibrar
um Estado enorme e enormemente gastador, uma tendência acelerada pela
pandemia – a dívida pública francesa está em quase 113% do PIB, o que
seria insustentável em países menos prósperos. Estas reformas agora
estão a perigo.
Macron
tem o dom de despertar antipatias mais por seu estilo arrogante e “sabe
tudo” do que por suas ideias. Inclui-se no pacote as lições de ecologia
que quer dar ao Brasil, movidas pelo interesse de proteger a
agricultura francesa. Comparativamente, porém, ele é a única voz da
sanidade entre os adversários políticos que contam.
Como
a quinta maior economia do mundo, a França é um país em que os
problemas principais já foram resolvidos, tem riquezas culturais
incomparáveis e desfruta de um padrão de vida invejável do ponto de
vista brasileiro. São os pequenos tremores sofridos por este padrão, com
os aumentos de preços liderados pelos combustíveis, um fenômeno
mundial, que contribuíram para o crescimento da oposição e fizeram um
número relativamente importante de eleitores a votar em outros partidos.
A
tentativa de Macron de renovar o governo depois da reeleição
presidencial, nomeando uma mulher, Élisabeth Borne, como
primeira-ministra, não funcionou muito. Até a Kiev ele viajou, tentando
emprestar um pouco do carisma de Volodymyr Zelensky, o presidente que
ele tentou imitar em fotos de moletom e barba por fazer.
A perda da maioria absoluta era amplamente prevista, mas não por isso deixa de doer.
BLKOG ORLANDO TAMBOSI
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