Por mais que os arautos da igualdade venham me contradizer, a realidade é que ninguém gosta de ser comandado por alguém que enxerga como moral, intelectual ou culturalmente inferior. Paulo Polzonoff para a Gazeta do Povo:
No
século V antes de Cristo, o filósofo Demócrito afirmou que “é difícil
ser governado por um inferior”. Meio século mais tarde, o muito mais
popular Platão disse algo parecido: “o maior castigo para quem se abstém
da política é ser governado por um inferior”. Por algum motivo, nessa
época os gregos, pais da democracia que deu nisso que temos hoje,
estavam preocupados com a possibilidade de serem governados por
“inferiores”.
Falar
em “inferiores” é complicado. Principalmente depois do que aconteceu no
século XX, que criou uma hierarquia para lá de imoral e
pseudocientífica para justificar a eliminação de todos os que não
contribuíam para o “melhoramento da Humanidade”. É a famosa eugenia, que ainda hoje serve de base para muitas causas progressistas, do aborto ao ambientalismo.
A
maioria das pessoas, contudo, entende que hierarquias são naturais e
existem para além da diabólica mentalidade eugenista. Elas entendem que
há diferenças entre os indivíduos e veem com naturalidade a existência
de pessoas que são melhores nisso e outras, naquilo. Eu, por exemplo,
escrevo melhor do que algumas pessoas. Em compensação, sou péssimo numa
infinidade de outras atividades. Na verdade, a única coisa que eu faço
decentemente na vida é escrever. E olhe lá!
As
frases de 2500 anos atrás, contudo, ajudam a lançar alguma luz sobre a
rejeição que personagens como o presidente Jair Bolsonaro e o
ex-presidente Lula despertam hoje em dia. O antibolsonarismo
e o antilulismo existem porque sempre haverá milhões de alguéns se
sentindo liderados por um inferior. E indignadas com isso. Numa
sociedade que insiste em dizer que todos são extraordinários e
vencedores inatos, tanto pior. Poucos se dão conta de que numa coisa ao
menos os políticos talvez sejam melhores do que nós todos: a esperteza.
Ou malandragem – chame como quiser.
Além disso, e como a democracia se transformou num mero concurso de popularidade decidido pelo voto de analfabetos funcionais
que se consideram esclarecidos, é muito... fácil se sentir de alguma
forma superior às lideranças atuais. E aqui não me refiro apenas àqueles
que pretendem ocupar o Trono de Ferro do Executivo federal.
Convenhamos: hoje em dia é muito fácil se sentir superior até mesmo à
liderança que, em teoria, está mais próxima da população: o vereador.
Ajuste no olhar
Com
um agravante. No ordenamento brasileiro, há cargos importantes que têm
sua legitimidade atrelada a uma respeitabilidade não eleitoral advinda
justamente da posição numa hierarquia assim meio abstrata. Meio
esotérica. Juízes, por exemplo. Ou até médicos. Se vou a um médico e ele
diz “pra mim fazê”, por exemplo, imediatamente me sinto superior a ele.
E alguma coisa se perde. Passo a desconfiar das capacidades técnicas do
médico. E, porque o domínio da linguagem é muito importante para mim,
rejeito o médico como um todo.
O
mesmo fenômeno acontece na política, quando nos consideramos de alguma
forma superior àqueles que nos lideram. Quer ver? Vamos fugir um pouco
da polarização Bolsonaro/Lula e pegar um personagem que já foi herói
nacional e hoje conta com uma rejeição digna de tese: Sergio Moro. Lá no
auge da Lava Jato, era fácil se sentir de alguma forma inferior a Moro.
Afinal, ele era o juiz humilde que, com sua marmitinha debaixo do
braço, lutava contra poderosos, fazendo uso apenas de seu conhecimento
na aplicação da lei. Uau!
Mas
aí ele abandonou a magistratura e todos sabemos como essa história
termina. Moro passou a ser visto, primeiro, como um igual. Depois, como
alguém incapaz de tomar decisões minimamente acertadas. Hoje não é raro
encontrar alguém que o veja como um desastre político ambulante, incapaz de liderar uma mísera reunião de condomínio.
E,
bom, fico feliz que você tenha chegado até aqui, porque não menosprezo a
inteligência do meu leitor e, sendo assim, reservei para você um
parágrafo final todo especial: este. No qual digo que a “solução” para
este “problema democrático” (quantas aspas!) talvez não esteja nas
lideranças – que são humanas e têm os pés de barro, como se diz. A
solução talvez esteja na forma com que olhamos para essas lideranças e naquilo que esperamos delas.
Moro só caiu em desgraça porque víamos nele alguém capaz de consertar
um aspecto deplorável do país: a corrupção. E acreditou nisso.
Tivéssemos esperado dele apenas o trabalho discreto e honesto de um bom
juiz, sem qualquer tipo de idolatria ou esperança assim messiânica,
talvez ele ainda fosse digno da nossa admiração – que se traduz em voto.
Disse
que o parágrafo anterior era o último, né? Menti. Porque preciso deixar
claro (sem jamais menosprezar o leitor) que o mesmo serve para Jair
Bolsonaro. Que caiu em desgraça para todos aqueles que esperavam dele
algum tipo de presidente ideal. Ou para Lula – se é que algum leitor meu admire Lula a ponto de considerá-lo um líder superior em outra coisa que não a abominável malandragem.
Por isso, e não por má vontade ou má fé (pelo menos não sempre), é que
se cobrava e ainda se cobra tanto decoro de Bolsonaro. Por mais que os
arautos da igualdade venham me contradizer, a realidade é que ninguém
gosta de ser comandado por alguém que enxerga como moral, intelectual ou
culturalmente inferior. Ninguém vota em candidato que que leva o
eleitor a pensar “no lugar dele eu faria melhor”. E agora, sim, o texto
acabou.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário