BLOG ORLANDO TAMBOSI
Embora as previsões radicais de Paul Ehrlich sobre superpopulação e fome tenham se mostrado infundadas, uma cosmovisão misantrópica e neomalthusiana continuou prevalecendo entre as elites globalistas. Flavio Gordon para a Gazeta do Povo:
Tomas
Kuhn cunhou a expressão “mudança de paradigma” para se referir
originalmente a uma alteração significativa nas concepções científicas
dominantes em uma dada época. Obviamente, o termo não se restringe ao
domínio especializado da ciência, aplicando-se também às mudanças de
cosmovisão coletiva (ou Weltanschauung, como dizem os alemães)
decorrentes da percepção social dessa alteração. É na mistura entre as
conquistas científicas (ou tecnocientíficas) propriamente ditas e o
simbolismo a elas associado – transmitido via literatura, cinema,
música, artes plásticas, publicidade, jornalismo, política etc. – que
ocorrem as grandes mudanças de paradigma de alcance sociocultural,
capazes de mudar a maneira como, num determinado momento da história, a
maioria das pessoas enxerga o mundo ao redor.
O
ambientalismo – a preocupação legítima em não poluir o próprio ninho em
que se vive e não ultrapassar os limites dos recursos naturais
necessários à sobrevivência da espécie humana – pode ser considerado
como uma dessas grandes “mudanças de paradigma”. Um evento simbólico
que, sem dúvida, contribuiu para essa mudança foram as fotografias da
Terra tiradas da Apollo 8 em dezembro de 1968. De repente, o nosso
planeta aparecia com contornos bem visíveis, dando a impressão de ser
pequeno, limitado e até certo ponto desamparado, boiando fragilmente na
imensidão do universo. Daí decorreu toda uma imagética representando a
Terra como “a nossa aldeia global” ou “o nosso lar comum”. E, desse
simbolismo, uma espécie de renouveau da mentalidade malthusiana, pois as
imagens da Apollo 8 deixavam a sensação de haver gente demais para um
planetinha tão diminuto.
Não
demorou muito para que a administração dos recursos da aldeia global
fosse requerida por uma série de caciques e síndicos, que,
apresentando-se indiscriminadamente como “ambientalistas”, e sob o
pretexto da ecologia, o que faziam mesmo era seguir a velha regra do
“farinha pouca, meu pirão primeiro”. Naquele mesmo ano de 1968, em que
os terráqueos puderam ver o seu “lar comum” de uma perspectiva espacial,
era fundado o Clube de Roma pelo industrial italiano Aurelio Peccei e
pelo cientista escocês Alexander King (quem, de certa feita, descreveu a
si próprio como “um protótipo do tecnocrata internacional”). Reunindo
figuras ilustres das finanças, da ciência e da política, o Clube foi
pioneiro na fusão entre malthusianismo e ambientalismo, criando a
síntese que, até hoje, continua informando os principais ideólogos do
“desenvolvimento sustentável”.
Também
em 1968 foi publicado o livro A Bomba Populacional, de Paul R. Ehrlich,
eminente biólogo e professor da Universidade de Stanford. O livro, que
previa uma fome global iminente graças à superpopulação do planeta, foi
muito influente no espírito dos protagonistas do Clube de Roma, tendo
como um dos corolários o famoso relatório Os Limites do Crescimento?,
publicado sob o patrocínio do Clube em 1972, e que serviu como uma
espécie de bíblia para a agenda ambiental da ONU. Dizendo-se solidamente
amparado na ciência – que só “negacionistas” ousariam questionar –, o
autor fazia algumas propostas para impedir a catástrofe: 1. que as
mulheres, especialmente as pobres, pudessem ser forçadas a abortar;
2. que a população em geral pudesse ser esterilizada por meio de drogas
intencionalmente adicionadas na água e na comida; 3. que os bebês de
mães solteiras e adolescentes fossem-lhes retirados à força e entregues a
casais mais velhos; 4. que pessoas predispostas a “contribuir com a
deterioração social” pudessem ser “forçados por lei a exercer sua
responsabilidade reprodutiva” (ou seja, que fossem obrigadas a abortar e
a se esterilizar); 5. que um “regime planetário” transnacional
assumisse o controle da economia global e ditasse os detalhes mais
íntimos da vida do cidadão comum, recorrendo a uma força policial
internacional se preciso fosse.
Embora
as previsões radicais de Ehrlich tenham se mostrado infundadas, e suas
propostas fossem obviamente totalitárias, uma cosmovisão misantrópica e
neomalthusiana continuou prevalecendo entre os representantes das elites
globalistas. E aí temos, mais uma vez, de falar em Bill Gates – o
cacique global personagem da coluna da semana passada – e a sua obsessiva agenda de controle populacional.
Em 1999, Bill e Melinda Gates fundaram o Instituto de População e Saúde Reprodutiva,
sediado na Escola Bloomberg de Saúde Pública da Universidade Johns
Hopkins. Embora, a certa altura, tenha adotado esse nome eufemístico
(sendo “saúde reprodutiva” um conhecido eufemismo para a promoção do
aborto), o instituto já chegou a se chamar “Instituto para o Controle Populacional”, uma forma bem mais honesta de descrever a sua atuação.
Com
efeito, tanto o Instituto quanto a Fundação Gates têm investido pesado
na promoção do aborto, especialmente entre mulheres pobres de países
subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Filho de um ex-diretor da
Planned Parenthood – fato pouco conhecido –, Bill Gates tem investido
milhões de dólares todos os anos (ver, por exemplo, aqui) para subsidiar campanhas de controle de natalidade em regiões como a África Subsaariana e o Sudeste Asiático, fazendo da agenda contraceptiva uma das prioridades das organizações “filantrópicas” que levam o seu nome.
Em
seu livro The Moment of Lift: How Empowering Women Changes the World,
Melinda Gates chega a sugerir que controle da natalidade equivale a
controle da pobreza, e que, se as mulheres ocidentais são mais
“empoderadas” que as africanas, por exemplo, isso se deve ao maior
acesso a métodos contraceptivos e abortivos. Daí que a senhora Gates
tenha empenhado US$ 5 bilhões para tornar as mulheres africanas menos
férteis, menos restritas e mais “liberadas”, oferta que a ativista
nigeriana pró-vida Obianuju Ekeocha, em memorável carta-resposta,
recusou gentilmente, sob o argumento de que, para a imensa maioria das
mulheres africanas, os bebês são recebidos como uma dádiva divina.
“Com
sua incrível riqueza” – escreveu Ekeocha –, “Melinda quer substituir o
legado de uma mulher africana (que são os seus filhos) pelo legado do
‘sexo livre’”. E disse mais: “Vejo esses US$ 5 bilhões nos trazendo
miséria. Vejo-os trazendo-nos maridos infiéis. Vejo-os trazendo-nos ruas
vazias e carentes do inocente tagarelar das crianças. Vejo-os
trazendo-nos doença e, por fim, a morte. Vejo-os nos dando uma
aposentadoria privada do amor terno e do cuidado dos nossos filhos”.
Eis
aí um belo alerta, infelizmente inaudível aos ouvidos neomalthusianos
de uma gente arrogante para quem o objetivo propalado de acabar com a
pobreza passa necessariamente pelo controle reprodutivo dos pobres.
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