Não se sabe bem para onde Elon Musk vai levar a rede social que acaba de adquirir, mas é bom saber que ele defende a liberdade de expressão. Jerônimo Teixeira para a Crusoé:
Uns
cinco ou seis anos antes de Elon Musk cogitar no acréscimo de uma rede
social a seus já ricos feudos, um conhecido meu foi banido do Twitter
porque concluiu um post com o seguinte chamado: “Morte aos fascistas!”.
Como
é comum em certa esquerda, esse sujeito tinha uma noção de fascismo
ampla o bastante para abranger, por exemplo, qualquer pessoa com
sensatez histórica para compreender que não houve um golpe de Estado no
Brasil em 2016. Se sua conclamação para matar fascistas fosse atendida,
eu estaria na longa fila para o paredão, junto com uma penca de amigos
(de esquerda, inclusive).
No
entanto, não me senti ameaçado. Bazófia em rede social é só ar — ou,
menos que isso, só uma fila de 0s e 1s. Admiro a doutrina da “ameaça
clara e imediata” (“clear and present danger”) que Oliver Wendell Holmes
consagrou na Suprema Corte americana em 1919: só cabe proibir ou punir o
discurso beligerante quando houver a possibilidade efetiva de que o
chamado às armas seja atendido. Como expressões de infantilidade
política vindas de figuras acadêmicas em geral não levantam multidões,
dou risada e sigo a vida.
Ainda
não se sabe exatamente como será o Twitter libertário de Elon Musk.
Mas, no meu Twitter ideal – que não existe nem existirá, pois mesmo que
por milagre eu ganhasse 44 bilhões de dólares, compraria destilarias
escocesas, estúdios de cinema italianos e folios do Shakespeare bem
antes de investir em uma rede social –, estaria liberado pedir a morte
de fascistas, comunistas, liberais, monarquistas, identitários,
lulistas, bolsonaristas e até de tucanos (se alguém lembrar que esses
existem). “Ai, que feio, discurso de ódio“, protesta o delicado
millenial. Sim, e daí? Como qualquer sentimento humano, o ódio merece
expressão. “Porém meu ódio é o melhor de mim“, já dizia um poeta perdido
entre melancolias e mercadorias.
Agora,
suponha que depois do slogan “morte aos fascistas“, algum tuiteiro
informasse meu nome e endereço, ou a escola onde meus filhos estudam. O
perigo real e imediato começaria a dar as caras, não? Não avento uma
hipótese remota: grupos radicais das mais variadas colorações políticas
têm o mau hábito de indicar onde vivem seus opositores, para
intimidá-los. A militância trans, por exemplo, já fez isso com J.K.
Rowling. Tal prática será permitida no Liber-Twitter?
Agora,
repare o leitor nos possíveis objetos de ódio que elenquei dois
parágrafos acima. São todos filiações ideológicas, políticas e/ou
partidárias. Quero crer que a situação seria substancialmente diferente
se alguém fosse à internet pedir a morte não de comunas ou reaças, mas
de negros, ou de judeus, índios, orientais, brancos. Quem reivindica a
morte de bolsonaristas ou lulistas talvez esteja apenas expressando de
forma desastrada o desejo razoável de que essas forças políticas se
esgotem e desapareçam. Já quem pede a morte de um grupo étnico está
sempre sendo literal. Isso será permitido no novo Twitter?
Espero
que não. É ótimo que Musk anuncie a liberdade de expressão como
princípio, mas, sem parâmetros mínimos, o Twitter estará aberto a todos
os crimes e aberrações, da divulgação de pornografia infantil a
campanhas de recrutamento do Estado Islâmico. O que não se compreende
nas redes sociais – não apenas dessa que agora pertence ao criador da
Tesla, mas também no Facebook de Mark Zuckerberg – é o mistério quase
oracular que cerca seus mecanismos de regulação. Objetividade e
transparência nos critérios do que é ou não admissível seriam uma
bem-vinda mudança.
Há
ainda um argumento libertário que serviria para deixar tudo exatamente
como está, com os caprichosos algoritmos das redes censurando qualquer
palavra “ofensiva” aos melindres dos justiceiros da internet. Vai mais
ou menos assim: redes sociais são companhias privadas – e com a jogada
bilionária de Musk, o Twitter passará a ser uma companhia de capital
fechado – que têm o direito de instaurar suas próprias regras de uso,
como fazem tantos prestadores de serviços, de escolas a academias de
ginástica.
Só
que redes sociais não são restaurantes instaurando seus códigos de
vestimenta. Trata-se de um mercado global com poucos players, e se dois
ou três resolvem dizer que o cliente só entra no salão de black tie,
quem só tem jeans e camiseta no armário fica de fora da festa.
As
consequências deletérias desse domínio das redes sobre o debate público
vêm sendo examinados por vários estudiosos e críticos (a propósito,
recomendo o recente artigo
do psicólogo Jonathan Haidt, – coautor de “The Coddling of the American
Mind”, desalentador inventário da censura woke nas universidades
americanas – na revista The Atlantic). Só não dá para dizer que o
público é uma vítima passiva desse processo. Fomos nós que escolhemos
Facebook, Twitter, WhatsApp, YouTube e alguns menos cotados como meios
preferenciais para o bate-papo (ou bate-boca) político. Como o
proverbial gênio não retornará à garrafa, Haidt, no artigo mencionado
acima, deixa algumas sugestões simples para melhorar o ambiente nas
redes. Uma delas foi aventada por Musk: verificação efetiva de usuários,
para banir bots e perfis falsos das redes. Haidt propõe ainda medidas
para obrigar os usuários a ler os textos que compartilham, em vez de
divulgar conclusões equivocadas a partir de títulos que não raro até os
mais respeitáveis veículos sensacionalizam no esforço de conseguir
cliques.
Se
essas providências dariam resultados uma vez efetivadas, só saberemos
com o tempo. De imediato, dá para constatar que elas não são censórias.
Já é um bom ponto de partida.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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