Até mesmo no ensino básico o desprezo pela humanidade das mulheres ficou claro, com a decisão de que apenas os garotos poderão retornar às aulas presenciais. Flavio Quintela para a Gazeta do Povo:
Após
o desastroso plano de Joe Biden para a saída das forças
norte-americanas do Afeganistão (se é que se pode dizer que houve um
plano), o Talibã tomou o poder no país e anunciou, neste mês de
setembro, a composição do governo. O novo regime será chamado de Emirado
Islâmico do Afeganistão. À frente do governo estará um líder religioso e
sua legitimidade virá de um conselho de clérigos. Não há previsão de
eleições.
Enquanto
as tropas americanas ocupavam o país, havia um presidente eleito em
pleito constitucional e em acordo com normas democráticas
internacionais. A Constituição em vigência, aliás, foi criada durante o
período de apoio dos Estados Unidos. Mas, assim que o Talibã recuperou o
controle do país, todos os traços de democracia foram imediatamente
apagados. Os afegãos que viveram os anos 1990 sob um regime brutal e
sanguinário veem um futuro semelhantemente sombrio. Os que ainda não
eram nascidos já começam a entender o contexto das histórias contadas
por seus pais e avós, de uma época terrível para o país e seu povo.
Logo
nos primeiros dias à frente do governo, o Talibã ordenou a prisão,
tortura e, em alguns casos, a morte de cidadãos ligados ao governo
anterior ou à presença norte-americana no país. Jornalistas também foram
incluídos nas listas de inimigos do novo regime, e muitos deles foram
detidos e espancados. O Talibã também restabeleceu o Ministério da
Promoção da Virtude e da Prevenção do Vício, responsável por coibir todo
e qualquer comportamento contrário ao islamismo. Em relação às
mulheres, que faziam parte do governo anterior e que haviam conseguido
uma melhoria considerável de qualidade de vida e direitos, o novo regime
não surpreendeu. Nenhuma mulher foi nomeada para o governo e, nas
universidades, alunas do sexo feminino somente poderão ver aulas se
colocadas em classes específicas para seu gênero sexual e se usarem a
vestimenta permitida pelo islamismo. Até mesmo no ensino básico o
desprezo pela humanidade das mulheres ficou claro, com a decisão de que
apenas os garotos poderão retornar às aulas presenciais.
O
governo anunciado no início do mês contém nomes muito bem conhecidos
das agências de segurança dos Estados Unidos. O Ministro do Interior,
por exemplo, é ninguém menos que Sirajuddin Haqqani, que há anos faz
parte da lista de mais procurados do FBI e por cuja captura há uma
recompensa de US$ 5 milhões. A rede de Haqqani é uma das mais letais do
Talibã, responsável por inúmeros ataques e sequestros ocorridos nas
últimas duas décadas. O governo norte-americano acredita que Haqqani
ainda mantenha um cidadão americano como refém. Seu nome é Mark
Frerichs, um civil que desapareceu em janeiro de 2020 e do qual não se
teve mais notícias desde então.
Facebook
e YouTube baniram qualquer conteúdo do Talibã de suas plataformas. Já o
Twitter continua permitindo que o porta-voz do Talibã e outros membros
do gabinete de governo mantenham suas contas ativas, desde que respeitem
os termos de serviço e não usem tuítes para pregar a violência.
Enquanto isso, o ex-presidente Donald Trump continua banido da
plataforma por ter “incitado violência” no fatídico 6 de janeiro, e
diversos deputados republicanos têm experimentado suspensões e
banimentos do algoritmo de busca da rede social. Aparentemente, para os
padrões do Twitter, não há problema nenhum em se governar um país sob
uma ditadura sanguinária ou sob um jugo religioso bruto e assassino,
desde que as palavras tuitadas não incitem violência. Cabe lembrar que
figuras como Nicolás Maduro e Kim Jong-Un possuem contas ativas na
plataforma, de onde despejam conteúdo totalmente mentiroso, sem um aviso
sequer do Twitter do tipo “esse conteúdo contém inverdades ou
afirmações contestadas”.
Antes
que eu seja mal-interpretado, sou totalmente contrário a qualquer tipo
de banimento em virtude do conteúdo do discurso da pessoa. Acredito na
liberdade absoluta de expressão e, em caso de calúnia ou discurso
difamatório, há o aparato judicial para corrigir excessos. O que as
grandes redes sociais estão fazendo é escolher quem querem e quem não
querem que tenha voz, de acordo com o que elas queiram. Alguns dirão que
as plataformas são de empresas particulares e que, portanto, não se
pode esperar que ajam com neutralidade. Acontece que elas se beneficiam,
como já escrevi em outra oportunidade, de uma seção do regramento de
telecomunicações dos Estados Unidos que lhes dá imunidade total no
tocante ao conteúdo que publicam. É como uma empresa de telefonia, que
não pode de maneira alguma ser processada porque dois criminosos usaram
seus serviços para tramar um ataque.
Pois
bem, as plataformas de redes sociais precisam começar a agir como
telefônicas, no sentido de não interferir na transmissão de conteúdo. Se
querem interferir, tudo bem, desde que haja contrapartida: quem edita,
bloqueia, veta e censura tem de ser responsável pelo conteúdo final
publicado. É assim que acontece com jornais e revistas, que contam com
editores para escolher o que pode e o que não pode ir a público. O que
não dá é uma mesma entidade desfrutar da imunidade ao mesmo tempo em que
edita conteúdo de acordo com suas próprias diretrizes ideológicas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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