MEDIÇÃO DE TERRA

MEDIÇÃO DE TERRA
MEDIÇÃO DE TERRAS

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Rússia: votar sem escolher.

 



Se a oposição sair à rua para contestar os resultados, tal como fez noutras ocasiões, a polícia de choque está pronta para actuar e os juízes dos tribunais do regime “não ficarão sem emprego”. José Milhazes para o Observador:


Três dias de votação (17-19 de Setembro), 14 partidos nos círculos plurinominais e mais de dois mil candidatos nos círculos uninominais para que os eleitores russos possam eleger 450 deputados da Duma Estatal (Câmara Baixa do Parlamento) da Rússia. As autoridades prometem um escrutínio limpo e transparente, procurando assim legitimar o seu poder perante o país e o mundo, mas esta eleição deverá entrar na história como uma das maiores farsas organizadas pelo Kremlin.

Desta vez, Vladimir Putin e a sua corte pretendem excluir qualquer tipo de resultado que lhes seja desagradável e, o que é também importante, não permitir protestos contra a farsa eleitoral na segunda-feira, tal como aconteceu em 2011, quando milhares de moscovitas saíram para a rua em sinal de protesto contra as irregularidades no escrutínio e a falsificação dos resultados que deram uma maioria constitucional ao partido Rússia Unida.

Com a participação activa da Duma, foram aprovadas, num curto espaço de tempo, numerosas leis que levaram à proibição das mais importantes organizações da oposição extraparlamentar e ao isolamento dos seus líderes. Os tribunais não tiveram mãos a medir para rapidamente condenarem Alexey Navalny a uma pesada pena de prisão e ilegalizarem as organizações a ele ligadas, como é o caso do Fundo de Luta Contra a Corrupção.

A Duma aprovou e o presidente russo assinou uma lei que impedem de candidatar-se ao cargo de deputado pessoas que estiveram ligadas a essas organizações ou que participaram em acções por elas organizadas. Como esta lei tem efeito retroactivo, ela afectou numerosos líderes da oposição extraparlamentar.

O Kremlin preocupou-se em fazer calar ou em transformar em “agentes estrangeiros” praticamente todos os órgãos de informação da oposição. “Agentes estrangeiros” foram considerados também numerosos jornalistas conhecidos. Na prática, impor esse rótulo a um órgão de comunicação significa perder parte considerável do seu financiamento, pois não são muitas as empresas ou os empresários com coragem para investir ou apoiar estes órgãos de comunicação.

A pretexto de que se trata de uma ingerência dos Estados Unidos nas eleições russas, o Kremlin exigiu que motores de busca como o Google retirassem de circulação o conceito de “votação inteligente” criado por Navalny. Segundo esse conceito, os eleitores que discordam com o regime, devem votar na força política da oposição obediente para prejudicar o mais possível o partido de Putin: Rússia Unida.

A propósito, alguns dirigentes da oposição consideram que a “votação inteligente” é contraproducente, porque ajuda a eleger deputados obedientes ao Kremlin, apelando, por isso, ao boicote.

Nem sequer escaparam às purgas do Kremlin os candidatos da oposição obediente, tendo sido “chumbados” pela Comissão Eleitoral Central vários candidatos, nomeadamente do Partido Comunista da Federação da Rússia. Este piou, mas rapidamente se calou. O eterno líder comunista Guennady Ziuganov continua a conduzir o seu partido para um beco sem saída.

Vencedor antecipadamente conhecido

As sondagens publicadas indicam que apenas os quatro partidos do costume conseguirão superar a barreira dos 5%, que permite a eleição de deputados, e dão uma folgada vitória ao Rússia Unida, que deverá obter entre 51% e 54%. Quanto aos restantes partidos, o Partido Comunista da Federação da Rússia conseguirá de 16% a 18%; o Partido Liberal-Democrático entre 10% e 12% e o Partido Rússia Justa-Patriotas-Pela Verdade terá entre 8% e 10%.

Nestas eleições, a abstenção é uma das grandes dores de cabeça para Putin (nas eleições parlamentares, ela foi de cerca de 47%), mas tal também se pode resolver facilmente de forma favorável ao autocrata. O Presidente “abriu os cordões à bolsa” e prometeu subsídios para crianças, reformados, militares, etc. Está a ser feita uma enorme campanha de pressão sobre os funcionários públicos para que votem no partido certo. No que respeita ao voto dos militares, ninguém tem dúvida que em alguns quartéis a votação em Serguei Shoygu, ministro da Defesa da Rússia, rondará os 100%, até porque ele é um dos cabeças de lista do Rússia Unida.

Serguei Lavrov, o cada vez menos diplomata que dirige o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, também está nos primeiros lugares da lista do Rússia Unida e a sua campanha eleitoral resume-se à defesa de Estaline e da política externa agressiva de Putin.

Como já assinalei, o Kremlin preparou-se antecipadamente para impedir protestos da oposição e mostrar que Vladimir Putin e o seu regime gozam de uma sólida base de apoio e de legitimação. Mas se a oposição, “dirigida” pela CIA e por outras forças que pretendem “destruir” a Rússia, sair à rua para contestar os resultados, tal como fez noutras ocasiões, a polícia de choque está pronta para actuar e os juízes dos tribunais do regime “não ficarão sem emprego”.

No plano internacional, a política russa não mudará e o Kremlin continuará a aproveitar-se dos erros cometidos pela União Europeia, NATO e Estados Unidos para alargar as suas zonas de influência.

Voltando às eleições parlamentares, tal como nos regimes autoritários, os eleitores até podem votar, mas o problema é que não podem escolher. Essa prerrogativa pertence ao poder.
 
BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

Nenhum comentário:

Postar um comentário