Se a oposição sair à rua para contestar os resultados, tal como fez noutras ocasiões, a polícia de choque está pronta para actuar e os juízes dos tribunais do regime “não ficarão sem emprego”. José Milhazes para o Observador:
Três
dias de votação (17-19 de Setembro), 14 partidos nos círculos
plurinominais e mais de dois mil candidatos nos círculos uninominais
para que os eleitores russos possam eleger 450 deputados da Duma Estatal
(Câmara Baixa do Parlamento) da Rússia. As autoridades prometem um
escrutínio limpo e transparente, procurando assim legitimar o seu poder
perante o país e o mundo, mas esta eleição deverá entrar na história
como uma das maiores farsas organizadas pelo Kremlin.
Desta
vez, Vladimir Putin e a sua corte pretendem excluir qualquer tipo de
resultado que lhes seja desagradável e, o que é também importante, não
permitir protestos contra a farsa eleitoral na segunda-feira, tal como
aconteceu em 2011, quando milhares de moscovitas saíram para a rua em
sinal de protesto contra as irregularidades no escrutínio e a
falsificação dos resultados que deram uma maioria constitucional ao
partido Rússia Unida.
Com
a participação activa da Duma, foram aprovadas, num curto espaço de
tempo, numerosas leis que levaram à proibição das mais importantes
organizações da oposição extraparlamentar e ao isolamento dos seus
líderes. Os tribunais não tiveram mãos a medir para rapidamente
condenarem Alexey Navalny a uma pesada pena de prisão e ilegalizarem as
organizações a ele ligadas, como é o caso do Fundo de Luta Contra a
Corrupção.
A
Duma aprovou e o presidente russo assinou uma lei que impedem de
candidatar-se ao cargo de deputado pessoas que estiveram ligadas a essas
organizações ou que participaram em acções por elas organizadas. Como
esta lei tem efeito retroactivo, ela afectou numerosos líderes da
oposição extraparlamentar.
O
Kremlin preocupou-se em fazer calar ou em transformar em “agentes
estrangeiros” praticamente todos os órgãos de informação da oposição.
“Agentes estrangeiros” foram considerados também numerosos jornalistas
conhecidos. Na prática, impor esse rótulo a um órgão de comunicação
significa perder parte considerável do seu financiamento, pois não são
muitas as empresas ou os empresários com coragem para investir ou apoiar
estes órgãos de comunicação.
A
pretexto de que se trata de uma ingerência dos Estados Unidos nas
eleições russas, o Kremlin exigiu que motores de busca como o Google
retirassem de circulação o conceito de “votação inteligente” criado por
Navalny. Segundo esse conceito, os eleitores que discordam com o regime,
devem votar na força política da oposição obediente para prejudicar o
mais possível o partido de Putin: Rússia Unida.
A
propósito, alguns dirigentes da oposição consideram que a “votação
inteligente” é contraproducente, porque ajuda a eleger deputados
obedientes ao Kremlin, apelando, por isso, ao boicote.
Nem
sequer escaparam às purgas do Kremlin os candidatos da oposição
obediente, tendo sido “chumbados” pela Comissão Eleitoral Central vários
candidatos, nomeadamente do Partido Comunista da Federação da Rússia.
Este piou, mas rapidamente se calou. O eterno líder comunista Guennady
Ziuganov continua a conduzir o seu partido para um beco sem saída.
Vencedor antecipadamente conhecido
As
sondagens publicadas indicam que apenas os quatro partidos do costume
conseguirão superar a barreira dos 5%, que permite a eleição de
deputados, e dão uma folgada vitória ao Rússia Unida, que deverá obter
entre 51% e 54%. Quanto aos restantes partidos, o Partido Comunista da
Federação da Rússia conseguirá de 16% a 18%; o Partido
Liberal-Democrático entre 10% e 12% e o Partido Rússia
Justa-Patriotas-Pela Verdade terá entre 8% e 10%.
Nestas
eleições, a abstenção é uma das grandes dores de cabeça para Putin (nas
eleições parlamentares, ela foi de cerca de 47%), mas tal também se
pode resolver facilmente de forma favorável ao autocrata. O Presidente
“abriu os cordões à bolsa” e prometeu subsídios para crianças,
reformados, militares, etc. Está a ser feita uma enorme campanha de
pressão sobre os funcionários públicos para que votem no partido certo.
No que respeita ao voto dos militares, ninguém tem dúvida que em alguns
quartéis a votação em Serguei Shoygu, ministro da Defesa da Rússia,
rondará os 100%, até porque ele é um dos cabeças de lista do Rússia
Unida.
Serguei
Lavrov, o cada vez menos diplomata que dirige o Ministério dos Negócios
Estrangeiros da Rússia, também está nos primeiros lugares da lista do
Rússia Unida e a sua campanha eleitoral resume-se à defesa de Estaline e
da política externa agressiva de Putin.
Como
já assinalei, o Kremlin preparou-se antecipadamente para impedir
protestos da oposição e mostrar que Vladimir Putin e o seu regime gozam
de uma sólida base de apoio e de legitimação. Mas se a oposição,
“dirigida” pela CIA e por outras forças que pretendem “destruir” a
Rússia, sair à rua para contestar os resultados, tal como fez noutras
ocasiões, a polícia de choque está pronta para actuar e os juízes dos
tribunais do regime “não ficarão sem emprego”.
No
plano internacional, a política russa não mudará e o Kremlin continuará
a aproveitar-se dos erros cometidos pela União Europeia, NATO e Estados
Unidos para alargar as suas zonas de influência.
Voltando
às eleições parlamentares, tal como nos regimes autoritários, os
eleitores até podem votar, mas o problema é que não podem escolher. Essa
prerrogativa pertence ao poder.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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