O élan do “regresso da América” com a administração Biden está, senão perdido, pelo menos adiado. Para a Europa é urgente mostrar unidade face às consequências dramáticas para si própria e para a NATO. Madalena Meyer Resende para o Observador:
Provando
a afirmação de George Orwell de que “a maneira mais rápida de acabar
com uma guerra é perdê-la”, extinguiu-se esta semana a missão Ocidental
no Afeganistão. Vendo o súbito colapso do governo afegão e das suas
forças – e a frenética saída americana, um sentido de fracasso e
humilhação estendeu-se também aos estados Europeus que há duas décadas
acompanhavam os EUA no Afeganistão. Para a Europa, as principais
consequências são três.
A
primeira é que a decisão da retirada, e a forma atabalhoada como foi
conduzida, põe em perigo a unidade do Ocidente, e, mais precisamente, o
sucesso da campanha da administração Biden para construir uma coligação
com os Europeus contra a China. A aproximação da Europa a Washington,
que ía de vento em popa desde meados de junho, abrandou com a rapidez
com que os Talibãs se aproximaram de Cabul. Não só o prestígio dos
Estados Unidos saiu amolgado, como prevalece a percepção de que a
Administração Biden afinal continua a promover a política de “America
First”. Para os líderes europeus, perdeu-se assim a oportunidade de
propor ao eleitorado uma parceria reforçada com Washington.
A
segunda consequência é que aqueles que defendem que a Europa precisa de
fortalecer a sua capacidade de intervenção independência e autonomia
foram robustecidos. Em resultado do descalabro no Afeganistão,
discute-se já hoje e amanhã, nas reuniões informais dos Ministros da
Defesa e dos Negócios Estrangeiros da UE, a criação de uma força militar
comunitária de intervenção rápida. O Alto Representante da UE para a
Política Externa, Josep Borrell propôs que esta atingisse os 50 mil
militares, aproveitando a deixa para propor que a UE possa agir em
“circunstâncias como as do Afeganistão”. É sinal da maior ambição
europeia, e da urgência sentida para que os passos para a autonomia
europeia se tomam.
Por
último, o medo de uma nova crise migratória semelhante à de 2015 –
particularmente ameaçadora em plena época eleitoral na Alemanha e em
França. Também esta semana, a Europa tenta responder à nova ameaça com
um conjunto de propostas gizadas por Angela Merkel e Emmanuel Macron.
Com rapidez inédita, os Europeus acordaram num plano que combina
milhares de milhões de euros em financiamento para o Afeganistão e os
seus vizinhos, de forma a ajudar refugiados e deslocados internos, com
medidas destinadas a proteger as fronteiras da Europa. Em curso estão
também negociações com os vizinhos do Afeganistão – como o Paquistão, o
Uzbequistão, o Irão e a Turquia – para que esses países travem o êxodo
de refugiados e assegurando a sua proteção principalmente na própria
região.
A
retirada do Afeganistão criou uma crise – mais uma crise – para o
Ocidente. O élan do “regresso da América” com a administração Biden
está, senão perdido, pelo menos adiado. Para os Europeus é premente
mostrar unidade em face das consequências dramáticas para si próprios e
para a aliança atlântica.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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