Ontem fui ver o que lá estava. Era propaganda, é claro, mas política. Democraticamente, fiquei contente e trouxe para casa. Fui, com espírito irénico, ver o que os partidos me ofereciam a considerar. Do professor Paulo Tunhas para o Observador:
Duas
semanas a julgar-me cidadão de pleno direito dos E.U.A. – por causa do
Afeganistão, é claro, e do inconcebível Presidente Biden – deixaram-me
de rastos. Não consigo ser como os outros. Não percebo como é que tanta
gente consegue manter durante tanto tempo consecutivo uma ubiquidade
nacional consistente, por assim dizer. Eu cá voltei à pátria, com alívio
e exclusividade, sobretudo quando reparei na minha caixa de correio.
Ignoro
o que se passa com os outros, mas a minha caixa de correio manifesta
claramente os efeitos da pandemia. Em longínquos tempos normais, ia
retirando o que interessava do que lá tinham depositado – cartas
(poucas), revistas, livros, cds -, deixando o resto para ver depois. O
problema é que o resto se ia acumulando a uma velocidade surpreendente e
eu tinha, em pouco tempo, de fazer uma limpeza radical. Havia
propaganda de toda a espécie, que eu arrastava até ao lixo mais próximo.
Desde
há algum tempo que sentia uma certa ausência, um vazio, não
propriamente angustiante, mas, pelo menos, preocupante. No princípio,
não percebi bem o que era, mas depois fez-se a luz. As revistas, os
livros e os cds continuavam a chegar, mas a propaganda tinha
desaparecido. Já não sei há quanto tempo tinha feito uma limpeza à caixa
do correio, mas sem dúvida há muito, muito tempo. E ontem fui ver o que
lá estava, no seu fundinho imperceptível. Era propaganda, é claro, mas
política. Democraticamente, fiquei contente e trouxe para casa.
Não
sou um insatisfeito com a democracia, longe disso. Ia para as ruas em
manifestações – ou então fugia – se ela estivesse em perigo. E não me
incomoda nada o kitsch que por vezes a acompanha. Se António Costa
aparecesse num cartaz vestido de Super-Homem (ou de Tio Patinhas, por
causa da bazuca) ou André Ventura de Batman, eu ria-me, mas não via, nem
de longe, o fim do mundo a aproximar-se. Por isso fui, com espírito
irénico, ver o que os partidos me ofereciam a considerar.
Começo
pelo PSD. O PSD oferece-me Vladimiro Feliz para presidente da Câmara do
Porto. A julgar pela fotografia, Vladimiro Feliz deve ser um tipo
simpático. Sorri, posando numa rua inclinada, e declara que se quer
dedicar ao Porto “a tempo inteiro”. Óptimo. Mas Vladimiro Feliz devia
dedicar, primeiro, algum tempo aos seus folhetos de propaganda. Detesto
(e não apenas por razões óbvias e subjectivas) brincadeiras com os nomes
das pessoas, mas começar o segundo dos seis curtíssimos parágrafos do
seu prospecto com a frase “Estou feliz por estar de volta a uma
realidade que conheço bem” é um pouco absurdo. Bastava trocar “feliz”
por “contente”, ou coisa assim – no limite (de mau gosto), “cheio de
júbilo”. Agora “feliz” é que não. O eleitor começa logo a perguntar-se:
“Então é feliz ou está feliz”? A desconfiança nasce sempre com pequenas
coisas.
O
PSD oferece-me igualmente, para a minha Junta de Freguesia, Ernesto
Galego. Deve ser uma pessoa excelentíssima, que até indica o número do
telemóvel e o email para o contactarmos. Francamente, acho porreiro.
Ignoro por inteiro o que é que ele quer para Cedofeita, mas não faz mal.
Acredito que só queira o bem. Se ele quiser o mal, telefono-lhe e ouve
das boas. E se lhe escrever, então…
Temos
agora o Chega. O Chega joga numa dupla: o candidato à Câmara – António
Fonseca – e o special guest star André Ventura, ambos juntos “pelo
Porto, com alma para mudar!”. António Fonseca deve ser um cavalheiro
impecável e André Ventura toda a gente o conhece. Mas esta coisa dos
cartazes com duas figuras, uma da quais nada tem a ver com o lugar a que
a outra se candidata coloca alguns problemas. Lembro-me de quando
chegava à Faculdade de Letras e via sempre um enorme cartaz onde o
candidato a eurodeputado do PS, Pedro Marques, apontava numa direcção
misteriosa, acompanhado de António Costa, com o seu melhor tutelar
sorriso Mao Tsé-tung. Logo imaginávamos Costa perfeitamente nas tintas
para a direcção do bracinho do candidato e muito preocupado com a sua
direcção própria. Quando Pedro Marques declarou recentemente,
respondendo a um questionário do Público, “O meu maior medo é a
irrelevância”, não era preciso dizer.
Finalmente,
o que me oferece o PS em pessoa? Oferece-me Tiago Barbosa Ribeiro. É o
único que já conhecia. Lembro-me dele do tempo de Passos, quando ele
citava energicamente Zizek e Varoufakis, creio (posso estar errado), e
depois, por causa de um sms qualquer, que foi muito falado, que ele
recebeu de Azeredo Lopes. Tiago Barbosa Ribeiro, que deve ser uma
personalidade admirável, diz que “O Porto quer mais!” e, de acordo com a
sua proclamada convicção, escreve muito mais do que os outros. E
escreve mais para dizer os muitos “mais” (exactamente nove) que quer
para o Porto. Começa com “Mais Ambição” e acaba com “Mais Coesão
Social”. Acham muitos “mais”? Haviam de ver a lista de malefícios de Rui
Moreira que ele enumera. Por mim, novecentos “mais” eram poucos.
Por uma análise rápida dos folhetos, não é difícil deduzir que Rui Moreira vai ganhar, e de longe, as eleições para a Câmara.
Esperem.
Também há a propaganda de uma pizzaria com entregas ao domicílio. Há 14
pizzas diferentes (incluindo uma “Super Carbonara”), com sugestões
criativas para os clientes participarem na confecção (molhos, etc.). Foi
o folheto que mais tempo me gastou. Provavelmente, há algo em mim que
ainda suspira pela democracia participativa. Mas a “Super Carbonara”
ficou-me na cabeça, até porque tenho a teoria (pouco sofisticada) que a
qualidade de um restaurante italiano se pode aferir a partir do
Spaghetti Carbonara que serve. E essa reflexão teórica elevada
lembrou-me um restaurante italiano simpático e onde se comia uma
Carbonara razoável que havia numa rua não muito longe de minha casa e
que fechou por causa de umas obras de canalização, já nos tempos de
Moreira, que duraram um tempo infinito. A rua estava toda esburacada e o
pó voava por todo o lado, rodeado por uma barulheira omnipresente. O
tempo passava, passava, e a coisa não parava. Assisti, como um
resistente (Remember Los Alamos!), à deserção de todos os clientes, que
eram muitos, por causa da incúria mexicana da Câmara. E tive pena.
Moreira
terá perdido alguns votos (nem sequer falo de mim: não voto no Porto),
mas Feliz, Fonseca e Ribeiro não me parecem, francamente, competidores à
altura.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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