Com os Estados Unidos perdidos, o que deve se impor será um período como a lenta queda do Império Romano. Luiz Felipe Pondé via FSP:
Segundo
Edmund Fawcett, no seu “Liberalism, the Life of an Idea”, que saiu pela
Princeton University Press em 2018, o liberalismo se caracteriza pela
crença positiva numa sociedade móvel, fruto da ruptura acumulativa
industrial capitalista, a favor de mudanças sociais progressistas, e
aderente a máxima “o desacordo constrói”.
Uma
sociedade “em debate”, sem ponto de chegada definitivo e sem vitorioso
final. Para tal, há que se respeitar instituições que são fruto de
processos legais de representação política.
A
(in)constância da democracia liberal estaria ligada ao seu caráter
plástico de acomodação das mudanças em moto contínuo. Seu parceiro, o
capitalismo, causador dessa mobilidade, seria o braço material de sustentação do modelo político liberal.
Essa
parceria garantiu a permanência do modo de produção capitalista na
“linha”, regulando seus excessos de violência moral, econômica e
política, emprestando a ele sua face supostamente democrática. Mas o vínculo entre os dois é mais contingente do que parece, vide o crescente sucesso da China.
Essa
parceria teve altos e baixos, mas, até hoje, tem entregado um modo de
vida mais ou menos funcional e sem concorrentes na praça depois da
derrocada da utopia socialista.
Chegaria
o capitalismo ao fim, mesmo sem nenhuma utopia no horizonte para ninar
as belas almas? É possível vislumbrar a derrocada do capitalismo como
modelo de sustentação social e político, partindo de suas contradições,
mas sem a contrapartida utópica de um socialismo lindo ao final? Para Wolfgang Streeck, é o que está acontecendo. No Brasil, temos seu “Tempo Comprado, a Crise Adiada do Capitalismo Democrático” pela Boitempo, de 2018.
Numa obra fruto de vários artigos, com originais em inglês e alemão, “How Will Capitalism End?”,
publicada pela Verso em 2016, Streeck dá a dica: como não estou
comprometido com nenhum negócio não sou obrigado a ser otimista. Essa
forma de liberdade de expressão é essencial diante dos “mercados”.
A
verdade é que não há nenhuma opção ao capitalismo como forma de
sustentação social. A esquerda que quer ter sucesso em algum negócio
continua gozando de políticas empresariais de diversidade, por exemplo,
que empregam agentes que supostamente criticam o capitalismo, mas que só
querem vê-lo trabalhar para si.
Por
outro lado, ao dar emprego e sucesso a esses agentes, o capitalismo
garante que o potencial crítico deles se torne inofensivo e que abracem o
otimismo do marketing como modo de ação, última forma de alienação da
fé no mercado.
Para
Streeck, o duro de engolir é que com a derrocada do capitalismo como
sustentação social em escala global, capitaneado até então pelos agora
perdidos Estados Unidos, o que deve se impor será um período semelhante à
lenta queda do Império Romano.
Um
interregno caótico em que a sociedade perderá seu folego institucional,
tomando seu lugar um vácuo com déficit de civilização evidente,
lançando as pessoas à sobrevida micro, unicamente individual, sem
horizonte de organização social e política investida de expectativas
viáveis.
Sintomatologia? O capitalismo democrático não terá como empregar uma população que não compete com robôs e inteligência artificial.
Ele entrega vida longa as pessoas, mas as demite cada vez mais cedo. A
escravidão do networking como laço social. Não terá como garantir
direitos porque perderá para o modelo chinês.
As big techs destruirão os mecanismos representativos da democracia liberal em favor de populismos instáveis. O meio ambiente será destruído
em meio a conferências intermináveis semelhantes aos concílios
bizantinos. A corrupção como parte do negócio. A desigualdade será a
regra e o Brasil, o modelo.
Segundo
Streeck sobrará “coping, hoping, doping, shopping” —lidar com os
problemas sem horizonte de solução, esperar pelo melhor inatingível, se
dopar para suportar as demandas, consumir como loucos. O capital não
acaba, o que acaba é a civilização que o liberalismo criou. O
capitalismo apodrece por dentro, enquanto otimistas babam na gravata e
no celular.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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