São eles os verdadeiros adversários a ser batidos, como tem sido há mais de 30 anos. Marcelo Guterman para o Estadão:
Nunca
se falou tanto numa terceira via eleitoral capaz de ultrapassar a
polarização entre o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT),
provavelmente Lula da Silva, e o atual presidente, Jair Bolsonaro. Lula
pela esquerda e Bolsonaro pela direita representariam caminhos
deletérios para o futuro do País. Como afirmou Luís Stuhlberger,
conhecido gestor de fundos de investimento, em entrevista a este
periódico em 28 de março deste ano, “os empresários estão literalmente
apavorados com a hipótese de ter de escolher num segundo turno entre
Bolsonaro e Lula”.
A
ideia de uma terceira via é boa. Falta apenas um detalhe: votos. Alguns
atores políticos e analistas falam do assunto como se a alternativa,
quando se materializar num nome, atrairá automaticamente os votos dos
insatisfeitos com o PT e com Bolsonaro. Esse nome precisaria ser único,
para não dispersar os votos desses insatisfeitos, de modo a colocar o
candidato centrista no segundo turno. Então, qualquer que seja o
adversário, Lula ou Bolsonaro, esse candidato se beneficiaria da
rejeição a ambos e teria condições objetivas de vitória. Essa é a tese.
Seria
assim se fosse assim. De todas as eleições desde a redemocratização, o
segundo colocado no primeiro turno só teve menos votos do que todos os
outros candidatos em 1989 e 2002. Em 1989, na eleição mais fragmentada
da História recente, Lula obteve 16,7% dos votos contra 50,8% da soma de
todos os outros candidatos menos Fernando Collor. E em 2002 José Serra
recebeu 23,2% dos votos, contra 30,4% da soma dos outros candidatos
menos Lula, principalmente Ciro Gomes e Anthony Garotinho. Tirando a
primeira eleição, completamente diferente de todas as demais, será que
podemos afirmar que se Ciro ou Garotinho tivessem renunciado um dos dois
iria para o segundo turno? Pouco provável.
Portanto,
o que a História recente nos mostra é que não existe terceira via
eleitoralmente viável no Brasil. O que existe é uma segunda via contra o
PT. Em todas as eleições pós-redemocratização, o PT chegou pelo menos
em segundo lugar. Esse fato nos leva à conclusão de que não basta que um
tertius se torne eleitoralmente viável a ponto de chegar ao segundo
turno. É preciso que esse candidato seja capaz de vencer Lula no segundo
turno, pois o PT estará lá, como sempre esteve. É neste ponto que a
figura de Lula precisa ser mais bem analisada.
Lula
foi a figura onipresente em todas as campanhas eleitorais desde 1989.
Em 2018, mesmo preso, foi candidato (!) e conseguiu transferir seus
votos para Fernando Haddad. Portanto, é somente natural que apareça bem
colocado em qualquer sondagem eleitoral. Por exemplo, na última pesquisa
patrocinada pela CNT, feita no início de julho, Lula aparecia com 28%
das menções espontâneas de voto, contra 22% do atual presidente. Para
quem está espantado, não custa lembrar que Lula, em pesquisa patrocinada
pela mesma CNT em agosto de 2018, aparecia com 20% das intenções
espontâneas de voto, mesmo sendo hóspede da carceragem da Polícia
Federal em Curitiba desde abril daquele ano.
Não
se deve menosprezar esse fenômeno. Se é difícil entender como um
político periférico como Bolsonaro conseguiu eleger-se presidente da
República, o mesmo espanto deveria aplicar-se ao fato de que, mesmo
encarcerado, Lula tenha tido tamanha influência nas eleições de 2018. E
esse fenômeno ganha ainda mais cores quando consideramos que nas
eleições de 2016 o PT foi quase varrido do mapa eleitoral, ao perder 60%
das prefeituras que detinha. Pode-se até questionar se o PT tem um
futuro além de Lula, mas essa é uma questão, por enquanto, acadêmica. Na
prática, Lula será, mais uma vez, o candidato do PT nas próximas
eleições, e esse é o problema concreto dos outros candidatos.
Sendo
assim, a alternância de poder deve ser construída tendo o PT em mente. E
isso não se faz para uma eleição. Trata-se de uma construção. Lula
perdeu três eleições presidenciais antes de vencer a primeira. Soube
construir um posicionamento ao longo dos anos. Quem quiser fazer face a
isso precisará construir uma agenda de oposição. O PSDB teve a chance de
fazê-lo, mas jogou-a pela janela ao não defender a herança do governo
Fernando Henrique Cardoso. Nem o próprio FHC a defendeu. O famoso
“colete das estatais”, ostentado por Geraldo Alckmin na campanha de
2006, foi o ápice dessa vergonhosa retirada de campo.
Bolsonaro,
ainda que tenha vencido as eleições também com o voto de protesto
antiestablishment, entendeu igualmente que só existe chance eleitoral em
nível nacional para quem confronta Lula e o PT construindo uma agenda
alternativa com convicção. Para um aspirante ao Palácio do Planalto,
bater em Bolsonaro é perda de tempo. Essa tática só faz sentido para
Lula. Os verdadeiros adversários a ser batidos são Lula e o PT, como tem
sido nos últimos mais de 30 anos.
O
Brasil precisa de uma segunda via alternativa ao PT que não seja
Bolsonaro. Caso os partidos que tentam construir uma “terceira via” não
entendam isso, estarão pavimentando o caminho do atual presidente como
essa alternativa e ficarão de fora do segundo turno em 2022.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário