Hoje, se uma mulher quiser aparecer seminua sem sofrer com a patrulha, tem que ou ser obesa mórbida, ou amputar os seios saudáveis. Num caso, trata-se de “desconstrução dos padrões de beleza” e de “combate à gordofobia”; noutro, trata-se de ativismo trans. Bruna Frascolla para a Gazeta do Povo:
Já
venho escrevendo muito neste espaço que o liberalismo é incompatível
com o progressismo, uma vez que o progressismo distribui privilégios
enquanto o liberalismo exige igualdade perante a lei. Neste texto, dei
minha explicação para os liberais econômicos do Brasil caírem no
progressismo: a política desastrosa de Dilma Rousseff foi traduzida num
embate entre os economistas da Unicamp (fracassados) e os economistas
liberais. A vitória do liberalismo se deu no campo econômico, e sua face
política terminou esquecida.
Mas
o fato simples com o qual muita gente pode concordar é que o rótulo do
“liberalismo” vem sendo sequestrado no Brasil pela esquerda. Agora quero
fazer uma cronologia com isto: tal sequestro ocorreu por volta do
impeachment, quando a esquerda petista colapsou de vez.
Muita
gente apontou que esse novo significado de “liberal” no Brasil é uma
imitação dos Estados Unidos. É verdade. Mas o trajeto lá é diferente, já
que “esquerda” e “direita” não são denominações comum no seu
vocabulário. Liberais como Friedrich Hayek e Milton Friedman já
apontaram que socialistas se apoderaram do termo naquele país em
específico; e Jordan Peterson, canadense, costuma dizer que é um liberal
não no sentido particular dos Estados Unidos. Nenhum deles, porém, tem
uma teoria clara sobre o porquê de os socialistas terem feito isso.
Thomas Sowell diz que é rebranding; que o pensamento dominante da
“Progressive Era” – o progressismo –, notoriamente racista e eugenista,
foi rebatizado como “liberal” depois do fim dessa era.
Penso
que este é um fato importante para pensar no Brasil e recuar na
cronologia. Antes de vampirizar o liberalismo, o progressismo, no
Brasil, fez isto com a contracultura em particular e com a esquerda em
geral.
A contracultura brasileira
A
quem quiser se inteirar da contracultura brasileira, recomendo a quase
autobiografia de Antonio Risério, o romance “Que você é esse?”. Captura
bem o espírito do movimento: a URSS entendida como uma grande viagem
utópica do outro lado do mundo; o entusiasmo com os hippies; a vontade
de acessar o desconhecido por meio de drogas e sexo; a libertação sexual
do amor livre, que passava pela experimentação da homossexualidade; a
exaltação estética de manifestações culturais desprezadas pelo cânone
eurocêntrico. Ah, e a absoluta falta de interesse em pegar em armas.
Tratava-se daquele grupo que os militares chamavam de “esquerda
festiva”.
Um
movimento estético como a contracultura pode começar e terminar sem
entrar na seara do legislativo. Mas, se pudermos traduzir demandas, elas
serão pautas de costumes contrárias ao puritanismo dos censores da
ditadura. Essas pautas são: (1) liberdade sexual para mulheres e
homossexuais; (2) reconhecimento do valor de africanos e indígenas na
formação do Brasil; (3) liberdade artística. No primeiro item surge
naturalmente um anticlericalismo. A defesa do aborto se dava dentro
dessa chave da liberdade sexual e do anticlericalismo. Nessa época, era
possível encontrar gays contrários ao casamento gay por entenderem que
isso era sujeitar-se a instituições burguesas. O segundo item é 100%
conciliável com a defesa da obra de Gilberto Freyre e com a exaltação da
brasilidade; além disso, desperta a revolta contra o “imperialismo
ianque” que quer transformar o Brasil numa sociedade birracial. O
terceiro item era oposto à censura prévia vigente na ditadura.
No
finzinho dos anos 60, a Fundação Ford chega ao Brasil e começa a
financiar o progressismo, que não era então entendido como esquerda,
haja vista que ser de esquerda, na época, era ser anti-EUA. Esse
financiamento teve sua expressão mais significativa, ao meu ver, com
duas coisas: a criação do CEBRAP e a promoção de Florestan Fernandes. O
CEBRAP abrigava os adeptos da Escola de Frankfurt e da teoria crítica
que foram aposentados da USP pelos militares. Um nome bem importante é o
de FHC, e podemos dizer que o PSDB saiu do CEBRAP. Quanto a Florestan
Fernandes, já escrevi sobre ele aqui.
A segmentação e captura pelo progressismo
De
todas essas pautas, só uma coincidia com a Progressive Era: a do
aborto. Mas o aborto era defendido por um motivo completamente
diferente, que era a eugenia e o controle populacional. Depois, o
capitalismo de Estado veio a apoiá-la por causa do mercado de tecido
fetal a ser vendido para a indústria farmacêutica. Dentro da perspectiva
contracultural, é possível defender o aborto como um remédio extremo a
ser aplicado nos primeiros meses somente quando a contracepção falhou.
Dentro da perspectiva eugenista, o aborto também pode ser um remédio
extremo, já que a contracepção deve ser mantida. Com o mercado do tecido
fetal, porém, a coisa muda de figura: o aborto é uma coisa boa em si
mesma, e deve ser feito tão tardiamente quanto possível. Isso explica
vermos gente falando de aborto até em situações que deveriam ser
chamadas de antecipação do parto. E se a venda de tecido fetal for muito
mais rendosa do que a venda de camisinha e anticoncepcional, a corrente
eugenista tem motivos para se tornar uma defensora ativa do aborto em
si mesmo, e tão mais tardio quanto possível.
Se
o aborto antes era entendido como parte da liberdade sexual em geral,
no progressismo não existe essa concepção geral. Cada pauta tem o seu
quadrado. O aborto está no quadrado das mulheres. Os outros quadrados
são o dos negros e o dos LGBTQUIABO.
O
progressismo faz de tudo contra a liberdade sexual das mulheres, e é de
se perguntar onde eles vão achar tecido fetal com tanta campanha
anti-sexo. Notemos que mulheres não podem mais ter sua beleza física
exposta em público; só quem pode exibir um belo físico em revistas e
telas são os homens. A campanha contra a “objetificação”, isto é, contra
a exibição de belas formas femininas, é digna dos Talibãs. No entanto,
entre os Talibãs e os progressistas há uma diferença importante: os
Talibãs proíbem a exibição de qualquer tipo de mulher; os progressistas
exaltam a exibição de mulheres com físico doentio. Hoje, se uma mulher
quiser aparecer seminua sem sofrer com a patrulha, tem que ou ser obesa
mórbida, ou amputar os seios saudáveis. Num caso, trata-se de
“desconstrução dos padrões de beleza” e de “combate à gordofobia”;
noutro, trata-se de ativismo trans.
Quanto
ao sexo, no que depender de movimentos como o Me Too, nenhum homem
canta uma mulher, e nós agora teremos de nos acostumar ao risco de ouvir
um “não” e ficar com o ônus de dar em cima dos homens. No Brasil, onde o
erotismo é tradicionalmente frequente na vida pública, temos o advento
das performances escatológicas com gente feia pelada se apalpando. Eles
se esforçam para reduzir do sexo à bestialidade e para acabar com o
erotismo. No frigir dos ovos, é propaganda anti-sexo.
No
quadrado dos negros, os progressistas defendem que o Brasil é um país
racista, muito pior do que os Estados Unidos da segregação, porque aqui
temos miscigenação. Ao pichar a imagem do Brasil, os progressistas
escolheram Gilberto Freyre como inimigo número um.
No
quadrado dos LGBTQUIABO, as clínicas de gênero dos progressistas se
empenham em castrar crianças que têm chance de se tornar gays e
lésbicas. Um menino mais feminino e uma menina mais masculina são
tachados de “gender non-conforming” e enviados para “terapias” de
afirmação de gênero, onde aprendem que estão no corpo errado e precisam
se submeter a uma série de experimentos médicos castradores. Abigail
Shrier, que investigou esse tema, constatou que, nas escolas aonde a
ideologia de gênero chegara, existiam muitos trans e nenhuma lésbica. As
jovens que se submetem a esses experimentos não são informadas de que a
vagina atrofia e perde lubrificação.
Ninguém gosta dos progressistas
É
evidente que o pensamento progressista é abominável. Ele só consegue
ser aceito enquanto se faz passar por outra coisa – e penso que
deveríamos anunciar aos quatro ventos que tecido fetal é mercado, já que
isso é capaz de chocar um leque muito maior do que o público religioso
pró-vida. Se a moral brasileira não fosse mais tolerante com o aborto do
que a do militante pró-vida, não teríamos lei permitindo aborto em caso
de estupro.
Quando
a contracultura era legal, os progressistas a vampirizaram. No pós Lava
Jato, quando a esquerda implodiu, eles saíram à cata de uma vítima
nova. Bastou o liberalismo deixar de ser xingamento no Brasil e agora
estão agarrados no seu cangote. Se o liberalismo implodir, eles vão
seguir rondando até achar outra vítima. Só nos resta ter clareza quanto
ao que é humano e o que é desumano para não sermos enganados.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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