O “problema sério” já está aí desde março de 2020, e atende pelo nome de pandemia. O povo dá “sinalização” quando morre aos milhares diariamente e quando procura maciçamente os postos de vacinação para se proteger da Covid-19. Editorial da Gazeta do Povo:
Na
última quarta-feira, diante de apoiadores, no Palácio da Alvorada, o
presidente da República, Jair Bolsonaro, voltou a insinuar que algo
muito sério está para ocorrer. “O Brasil está no limite. O pessoal fala
que eu devo tomar providências. Eu estou aguardando o povo dar uma
sinalização. Porque a fome, a miséria e o desemprego estão aí. Não vê
quem não quer (...) Amigos do Supremo Tribunal Federal, daqui a pouco
vamos ter uma crise enorme aqui. Vi que um ministro despachou um
processo pra me julgar por genocídio. Olha, quem fechou tudo e está com a
política na mão não sou eu. Não quero brigar com ninguém, mas estamos
na iminência de ter um problema sério no Brasil. O que nascerá disso
tudo, onde vamos chegar? Parece que é um barril de pólvora que está aí”,
afirmou.
Em
outras ocasiões, o presidente já recorreu a insinuações mais ou menos
claras e linguagem cifrada em momentos de insatisfação com situações que
considerou injustas ou absurdas. Em abril de 2020, houve o discurso
diante da sede do Exército, com o “nós não queremos negociar nada. Nós
queremos é ação pelo Brasil”, seguido pelo “acabou a época da patifaria”
e pelo “é o povo no poder”. Bolsonaro iniciou o mês seguinte afirmando:
“Peço a Deus que não tenhamos problema esta semana, porque chegamos no
limite”, e terminou maio reclamando da operação da Polícia Federal
contra bolsonaristas, ordenada pelo Supremo, dizendo que “não teremos
outro dia como ontem, chega”. Em março deste ano, em live, Bolsonaro
disse estar “antevendo problema sério no Brasil. Não quero falar que
problemas são esses porque não quero que digam que estou estimulando a
violência. Mas teremos problemas sérios pela frente”. E, também no
Alvorada, indagou: “Será que a população está preparada para uma ação do
governo federal dura no tocante a isso?”, em referência às medidas
restritivas impostas por governadores e prefeitos.
Por
mais que houvesse quem fizesse pouco de tais declarações ou as
minimizasse como bravatas ditas no calor do momento, fato é que esses
não são temas que permitem ambiguidade ou ligeireza: são todas palavras
que, no mínimo, deixam no ar a possibilidade de uma ruptura
institucional. Tal ruptura, felizmente, nunca veio; em vários casos,
aliás, o presidente tratou de baixar o tom nos pronunciamentos
subsequentes ou com suas atitudes. Quanto a “não negociar nada”, por
exemplo, o Centrão já sabe que não é bem assim. Mas esse tipo de
linguagem cifrada, que não deixa nada às claras, serve apenas para jogar
lenha na fogueira e atiçar o “barril de pólvora”, quando o Brasil
precisa é de estabilidade e tranquilidade. Bolsonaro não diz quem é “o
pessoal”, não diz quais são essas “providências”, não diz que
“sinalização” estaria esperando, não diz que “problema sério” é esse que
estamos na iminência de experimentar. É o tipo de discurso que mantém
tudo no ar e apenas mobiliza a militância mais aguerrida, aquela que
continua defendendo a “intervenção militar”, eufemismo para golpe.
A
verdade é que o povo, mesmo, não quer aventuras autoritárias, discursos
ameaçadores ou rupturas institucionais. O “problema sério” já está aí
desde março de 2020, e atende pelo nome de pandemia. O povo dá
“sinalização” quando morre aos milhares diariamente e quando procura
maciçamente os postos de vacinação para se proteger da Covid-19. O povo
quer trabalhar em paz e poder abraçar a família e os amigos, mas para
isso será preciso vencer o coronavírus. Bolsonaro, no entanto, vive
alegando que para isso não pode tomar “providência” nenhuma porque lhe
retiraram o poder, o que não é verdade. Poderia ter tomado a
“providência” de aceitar termos contratuais que não são incomuns, que o
mundo todo estava aceitando e que poderiam ter garantido dezenas de
milhões de doses de determinada vacina quando elas foram oferecidas ao
Brasil. Poderia ter tomado a “providência” de ordenar à sua diplomacia
que priorizasse a importação de vacinas e insumos onde quer que
estivessem disponíveis. Poderia ter tomado a “providência” de estimular
comportamentos responsáveis e simples, como o uso de máscaras e o
distanciamento. Só recentemente tomou uma “providência” que deveria ter
tomado há mais de um ano, ao montar um comitê de crise para avaliar
ações de combate à pandemia.
A
“sinalização” já está dada há muito tempo. O povo quer menos
insinuações sobre soluções de força, e mais trabalho para que o Brasil
supere a pandemia. Quer paz para produzir e trabalhar, mas essa paz só
existe quando há compromisso com a democracia, o regime que melhor
permite às pessoas colocar seu potencial a serviço do bem comum. O país
precisa de lideranças comprometidas com os valores morais caros ao
brasileiro, com a responsabilidade fiscal e o liberalismo econômico, mas
também com o ethos democrático. Se é isso que Bolsonaro quer, que
troque logo esse discurso que só empolga os militantes mais aguerridos
por ações que unam o país e façam o Brasil melhor.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário