"Em busca do ouro", artigo de Rubens Barbosa, ex-embaixador em Londres e Washington, publicado pelo Estadão:
Uma
das afirmativas do presidente Jair Bolsonaro na conferência do clima
foi a de “eliminar o desmatamento ilegal da Amazônia até 2030”. O
combate às práticas ilícitas na região incluem as queimadas e o garimpo.
A intenção presidencial foi considerada “encorajadora” pelo presidente
Joe Biden, e “construtiva” por John Kerry, mas ambos dizem aguardar
medidas concretas e “sólidas” nesse sentido.
O
governo Bolsonaro poderia iniciar o cumprimento dessa promessa com
ações para reprimir a exploração de ouro e diamantes, uma das atividades
mais lucrativas e que mais prejuízos trazem à floresta e às comunidades
indígenas. A busca pelo ouro na Amazônia está enraizada em práticas
ilegais, que hoje respondem por cerca de 16% da produção do País, com a
extração em áreas proibidas e sem nenhum tipo de controle. Essa
ilegalidade pode ser muito maior, já que não há como contabilizá-la com
exatidão. Cerca de 320 pontos de mineração ilegal foram identificados em
nove Estados da região. A área para a pesquisa de ouro já ocupa 2,4
milhões de hectares. Desde 2018 houve um aumento no número de
solicitações nesses territórios, com um recorde de 31 registros em 2020.
Em
unidades de conservação, os pedidos para a pesquisa de ouro já ocupam
3,8 milhões de hectares. No total são 85 territórios indígenas afetados
pelos pedidos de pesquisa para o ouro e 64 unidades de conservação. Só
na Terra Indígena Yanomami, entre os Estados do Amazonas e de Roraima,
são 749 mil hectares sob registro. Na Terra Indígena Baú, no Pará, a
segunda em extensão de processos, 471 mil hectares estão registrados,
ocupando um quarto de seu território.
Os
municípios da Amazônia Legal arrecadaram em 2020, pela extração de
ouro, 60% mais do que em todo o ano de 2019 e 18 vezes acima do valor
registrado há dez anos. Em Rondônia acaba de ser aprovada lei que
legaliza 200 mil hectares de terras griladas em duas unidades de
conservação, Jaci-Paraná e Guajará-Mirim.
Os
Institutos Escolhas e Igarapé acabam de divulgar importantes estudos
sobre a exploração do ouro na Amazônia. Os resultados desses trabalhos
mostram corrupção, desmatamento, violência, contaminação de rios e
destruição de vidas, sobretudo de populações indígenas. A extração
desses minérios não é capaz de transformar a realidade local no longo
prazo e manterá a região pobre, doente e sem educação. Ao não trazer
desenvolvimento econômico, a exploração de ouro e diamantes abre a
discussão sobre as alternativas econômicas que poderiam gerar riqueza e
bem-estar duradouros.
O
trabalho do Escolhas foi enviado à Comissão de Valores Mobiliários e ao
Banco Central, que lançou um conjunto de ações de responsabilidade
socioambiental, para responder à pressão de investidores e instituições
financeiras no Brasil e no exterior por incentivos que favoreçam
negócios sustentáveis e combatam o desmatamento. Esse compromisso do
setor financeiro nacional pode ajudar a limpar o setor de mineração de
ouro no Brasil e fazer que esse metal ilegal não consiga ingressar no
mercado. Exigir lastro de origem legal e de conformidade ambiental é um
imperativo constitucional e deve ser um compromisso ético e moral do
setor financeiro nacional.
De
acordo com a Constituição federal, pelos artigos 176 e 231, a mineração
em terras indígenas só pode ser feita mediante lei do Congresso
Nacional e com consulta às comunidades, mas hoje não existe legislação
que regulamente a atividade dentro dos territórios. Por iniciativa do
senador Fabiano Contarato, o Projeto de Lei 836/2021 prevê a criação de
um sistema de validação eletrônica para comprovar a origem do ouro
adquirido pelas instituições financeiras e permitirá o cruzamento de
informações com outras bases de dados, como a de arrecadação de impostos
e de produção da Agência Nacional de Mineração (ANM). Pretende-se que,
para efetivar a transação, seja exigida a comprovação de que o ouro
tenha sido extraído de área com direito de lavra concedido pela ANM e
que a pessoa física ou jurídica que estiver fazendo a comercialização
seja titular do direito de lavra ou portadora de contrato com quem tenha
esse direito. Além disso, o vendedor terá de apresentar a licença
ambiental da área.
A
criação de um marco de controle sobre a atividade de exploração de ouro
ganha ainda mais urgência quando se observam tentativas de regulação da
atividade contrárias à Constituição, como é o caso da Lei 1.453, de 8
de fevereiro de 2021, sobre o licenciamento para a atividade de lavra
garimpeira no Estado de Roraima, ou a aprovada em Rondônia. A norma
estadual dispensa a apresentação do estudo de impacto ambiental e
relatório de impacto ambiental (EIA/Rima), em violação de preceitos
constitucionais (artigos 23, 24, 223), para favorecer a continuidade das
atuais práticas danosas à sociedade, aos povos indígenas e ao meio
ambiente em geral.
O
Brasil tornou-se o centro das ramificações criminosas e das facilidades
da lavagem de dinheiro com o ouro ilegal. As terras indígenas e as
unidades de conservação na Amazônia Legal estão ameaçadas pela busca do
ouro, apesar de a atividade ser proibida. O ilícito na Amazônia tem de
ser coibido pelos governos federal e estadual e o Congresso tem de fazer
a sua parte.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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