Matheus Teixeira
Folha
O ministro Marco Aurélio, 74 anos , decano do STF (Supremo Tribunal Federal), classifica como “ruim” a mudança realizada pelo presidente Jair Bolsonaro no Ministério da Defesa e no comando das Forças Armadas, mas não vê risco à democracia. “Forças Armadas não são órgão do governo, são órgão do Estado”, ressalta, em entrevista à Folha.
Marco Aurélio, que se aposenta do STF dia 5 de julho, também diz que ficou “perplexo” com a mudança de voto da ministra Cármen Lúcia em relação à declaração de parcialidade do ex-juiz Sergio Moro na condução do processo do tríplex que levou o ex-presidente Lula (PT) à prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O ministro defende Moro e diz que a decisão do ministro Edson Fachin de anular as condenações de Lula “causou uma celeuma brutal”
Como o senhor interpretou as trocas no Ministério da Defesa e no comando das Forças Armadas?
De início, qualquer modificação gera
instabilidade e aí surgem as especulações. Agora, precisamos reconhecer
que o chefe do Executivo nacional pode mudar o ministério. E foi o que
ele deliberou fazer. A repercussão é ruim porque, principalmente
considerando o leigo, gera insegurança, insegurança jurídica, e para
viver em sociedade nós precisamos de segurança.
Como o senhor avaliou as
notícias de que o presidente Jair Bolsonaro fez as mudanças com o
objetivo de encontrar mais respaldo nas Forças Armadas em relação a seus
embates políticos?
Eu não conheço os bastidores, mas o próprio general Fernando
Azevedo [ex-ministro] disse que na gestão dele no Ministério da Defesa
manteve as Forças Armadas, como convém, órgão institucional do Estado,
não do governo. E assim o é, as Forças Armadas não são órgão do governo,
são órgão do Estado.
O senhor acha que essa troca teve alguma intenção por trás em relação à politização das Forças Armadas?
Eu não sei, eu não mantive contato com o presidente da
República. Agora, eu sempre presumo que ocorre o normal, e não o
extravagante, o excepcional. Para mim, querer guiar as Forças Armadas
para certa finalidade, que é finalidade governamental, desrespeita a
Constituição, não é essa a finalidade prevista na Constituição. Agora,
eu não sei, teria que conversar com o presidente da República e não o
fiz.
Na visão do senhor, a democracia está em risco?
Eu creio que a democracia veio para ficar e todos nós
brasileiros devemos encarar assim. Ou seja, não há espaço para
saudosismo considerado o regime de exceção.
No próximo dia 14, o STF
julgará se mantém a decisão do ministro Edson Fachin de anular as
condenações contra o ex-presidente Lula. O senhor está se preparando
para o julgamento?
Não, eu tenho o domínio claro da matéria. Eu não me preparo em
relação a processo que não está sob minha relatoria. Quero estar na
bancada, ou na sala de videoconferência, totalmente livre de ideias
pré-concebidas para ouvir o relator, ouvir as sustentações que ocorrerem
e aí chegar ao meu entendimento. Agora, foi o que disse quando veio a
decisão, eu fiquei realmente perplexo. Perplexo com o novo fato, não
estou dizendo que a decisão do ministro Edson Fachin está errada, isso o
colegiado vai decidir dia 14, mas que causou uma celeuma brutal,
causou.
O senhor disse em entrevistas que a decisão pode ser revertida. Como o senhor acha que será esse julgamento?
Eu evidentemente, diante do fato de as decisões condenatórias
terem passado pelo crivo do regional federal [Tribunal Regional Federal
da 4ª Região], pelo crivo do STJ [Superior Tribunal de Justiça], e ter
caído agora na via do habeas corpus e não de uma revisão criminal, penso
que há de se refletir e observar a organicidade do direito, a dinâmica
do direito. Porque quando se tem título judicial transitado em julgado o
normal não é que se reveja esse título numa via estreita do habeas
corpus, mas mediante ação de conhecimento que é a revisão criminal.
A condenação do caso do tríplex foi confirmada pelo TRF-4 e pelo STJ.
Houve a decisão do juiz da 13ª Vara Criminal em Curitiba que,
sob o meu olhar, se mostrou um grande juiz. Essa decisão foi impugnada e
o órgão revisor, que é o TRF4, a confirmou. Tentou-se reverter os
títulos judiciais condenatórios no STJ e não se logrou êxito. E aí de
repente um integrante do Supremo julga, no campo individual, o habeas
corpus que, para mim, é atribuição do colegiado, e retira do mundo
jurídico os títulos condenatórios. Para mim o sistema fica um pouco
confuso, para dizer o mínimo.
O senhor acredita que ficou difícil de explicar para um leigo tudo que ocorreu?
Se eu, com 42 anos de ofício judicante em colegiado
pegando no pesado, fiquei atônito, imagina o leigo. Foi o que disse,
gera uma insegurança muito grande. Os pronunciamentos judiciais existem
para se ter a segurança jurídica e, a partir do momento em que decisão
condenatória transita em julgado, você tem um quadro definitivo que, a
meu ver, só pode ser revisto pela revisão criminal ou,
excepcionalissimamente, quando comprovada ilegalidade, pela via do
habeas corpus.
O senhor considera que Sergio Moro foi um grande juiz?
Sem dúvida. Não posso conceber que homem que surgiu como herói
nacional mostrando nova vertente quanto ao combate à corrupção de
repente se torne vilão e seja execrado. Isso não passa pela minha
cabeça. Não tenho amizade com o ex-juiz Sergio Moro e cheguei mesmo a
dizer que, como ele virou as costas a um cargo efetivo da magistratura,
não gostaria que me sucedesse. Não que eu tenha nada contra ele, mas só
pela postura adotada. Como alguém que virou as costas à magistratura é
nomeado? Então, será um prêmio de consolação para o Supremo? Isso
evidentemente deixa o sistema capenga.
O senhor acredita que a
decisão da Segunda Turma de declarar Sergio Moro parcial em relação ao
ex-presidente Lula no processo do tríplex é mais um componente nesse
cenário que pretende torná-lo vilão?
É mais um componente para confundir tudo. Por exemplo, não entendi
até hoje o voto da ministra Cármen Lúcia, minha colega, no que ela em
2018 acompanhou o relator, ministro Fachin, e agora na última sessão
reajustou o voto. Mas ela deve ter tido as razões dela, também não fui
pesquisar para saber quais são.
É difícil explicar essa mudança de voto?
A mudança é sempre possível, desde que não tenha havido
proclamação final, e não houve. Houve pedido de vista que se projetou no
tempo de 2018 até agora. Ela poderia em tese reajustar? Poderia. Ela se
convenceu que deveria reajustar e reajustou. E aí evidentemente, como
tenho meus processos para relator, para estudar, não fui atrás para
saber as razões dela. Mas que todo mundo ficou perplexo, ficou.
Na visão do senhor não houve uma mudança de cenário tão grande de 2018 para cá para justificar a mudança de posição?
Eu evidentemente não entrei no tema para
saber se houve mudança ou não de cenário. Eu de início acredito que não
tenha havido. E aí nós temos o critério da prevenção, como o primeiro
crime, que foi de lavagem por um doleiro, foi praticado no Paraná, isso
teria gerado a competência do juízo criminal do Paraná. É o que sustenta
inclusive no recurso a PGR [Procuradoria-Geral da República].
O senhor acredita que as mensagens hackeadas de procuradores da Lava Jato podem servir como prova?
O hackeamento é um ato ilícito e, se é um ato ilícito,
você chega a uma consequência quanto ao que levantado mediante o
hackeamento, ou seja, a insubsistência, senão nós vamos legitimar
hackeamento. É como interceptação de uma ligação telefônica. Vale algo
interceptado sem ordem judicial? Não. Se o fez, evidentemente que o
captado não servirá de prova para coisa alguma. Para mim ato ilícito não
gera direitos. Nem para absolver nem para condenar.
Diante de tantas decisões contrárias à Lava Jato, o senhor acha que dá para dizer que a operação acabou?
Não dá para dizer porque ainda acredito nas instituições
pátrias e vejo a Lava Jato como um passo largo em direção a dias
melhores.
O resultado geral da Lava Jato compensa erros que eventualmente tenham sido cometidos?
Sim. E aí cai tudo? Caem todas as condenações que houve? E as
absolvições também caem? O juiz Sergio Moro disse em veículo de
comunicação que absolveu muita gente, não sei nem se chegou a absolvição
em algum caso do ex-presidente Lula, isso eu teria que verificar. Mas
evidentemente não se pode adotar dois pesos duas medidas. Quer dizer,
não há suspeição dele se ele absolveu, mas se ele condenou há suspeição?
Tem alguma coisa errada, o sistema não fecha.
Como o senhor vê a discussão a respeito da Lei de Segurança Nacional, que o STF deve julgar em breve?
Vou repetir o que disse quanto à Lei de Imprensa, mas eu
fiquei vencido à época também. Depois dizem “Ah, o ministro Marco
Aurélio fica vencido”. Eu disse que Lei de Impresa era uma lei já
depurada. Depurada por quem? Pelo Judiciário, que tinha excluído ante à
pecha de inconstitucional o que conflitava com a Constituição. Mas o STF
bateu martelo e disse ‘olha, não subsiste’. O que posso afirmar em
relação à Lei de Segurança Nacional é que não tenho ranço, eu não rotulo
batendo carimbo tudo que nos veio do regime de exceção como conflitante
com novos ares constitucionais.
E que o senhor acha dessas
ações específicas do governo de abrir inquérito contra opositores com
base na Lei de Segurança Nacional?
Se ele acionou a lei e se o quadro se enquadra na lei, evidentemente ele não claudicou na arte de proceder.
Tem que ser analisado caso a caso?
Caso a caso e vendo parâmetros do caso e a legislação da
regência, tendo no ápice da pirâmide das leis a lei das leis, que é a
Constituição, que é rígida.
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