MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 4 de abril de 2021

Fundador do RenovaBR lança livro em que critica Lula e Ciro, justifica voto em Bolsonaro e celebra Huck

 

POLITICA LIVRE

brasil

“Mudar a política no Brasil”, utopia do RenovaBR, não é algo que se faça sem o apoio de muitos amigos nem sem deixar alguns inimigos pelo caminho, conforme o relato do empresário Eduardo Mufarej, fundador da escola de políticos, em livro que será publicado nos próximos dias.

“Jornada Improvável – A História do RenovaBR, a Escola Que Quer Mudar a Política no Brasil” (ed. Intrínseca) narra, sob o ponto de vista de Mufarej —investidor e executivo convertido em uma espécie de mecenas da renovação política—, a criação do curso para capacitar potenciais candidatos.

De 2017 para cá, quase 2.000 aspirantes a cargos eletivos, sem experiência prévia, passaram pelo treinamento. Foram eleitos 17 parlamentares no pleito de 2018 e, no de 2020, 153 vereadores e prefeitos, distribuídos entre 25 legendas, ratificando o discurso de apartidarismo da entidade.

Em sua primeira turma, o Renova elegeu deputados federais como Tabata Amaral (PDT-SP), Felipe Rigoni (PSB-ES), Joenia Wapichana (Rede-RR) e Vinicius Poit (Novo-SP). Em 2020, ajudou a levar Cris Monteiro (Novo) e Rubinho Nunes (Patriota) à Câmara Municipal de São Paulo, por exemplo.

As controvérsias, cobranças e críticas que compõem o pano de fundo da história também estão no livro, como a adaptação no formato para evitar problemas judiciais com base na proibição de doações privadas para campanhas e a permanente desconfiança sobre intenções e interesses do projeto.

Na obra, Mufarej —um dos fundadores do Novo, partido do qual se afastou ao criar o Renova— apresenta a iniciativa como fruto de sua inquietação com os rumos da política brasileira pós-2013 e o despreparo da maioria dos eleitos, com impactos na “capacidade de geração de riqueza do país”.

Desfia críticas à era PT e diz que a polarização começou na corrida presidencial de 2014, vencida por Dilma Rousseff “por uma pequena diferença de votos em relação ao adversário”, Aécio Neves (PSDB), “em uma eleição duríssima e muito suja”.

O autor narra um encontro com o ex-presidente Lula do qual participou, meses antes daquele pleito, a convite do empresário Abilio Diniz —um dos amigos do PIB nacional que se entusiasmariam mais tarde com sua ideia de fundar um curso para preparar novos políticos.

Na obra, Mufarej conta que, “atentamente, sem raiva”, escutou Lula, que ele considera ter sido, possivelmente, quem “teve a maior oportunidade de apontar o Brasil para a direção certa”.

“Beneficiou-se de um período extraordinário da economia internacional e tomou medidas competentes de combate à pobreza […]. Mesmo assim, como muitos que o antecederam, acabou fracassando por ceder às más práticas e ao personalismo”, escreve sobre o petista.

Veio daí, segundo ele, a decisão de dar seu voto a Jair Bolsonaro (à época no PSL, hoje sem partido) na corrida presidencial de 2018 —no primeiro turno, foi de João Amoêdo (Novo). “Não dava para votar no PT. O partido de Lula tinha quebrado o país. […] No segundo mandato de Dilma Rousseff vi o país na UTI.”

Descrevendo-se como “um cara de centro-direita em algumas pautas e de centro-esquerda em outras”, Mufarej justifica sua escolha pelo viés econômico. Diz ter optado por um caminho de responsabilidade fiscal e recuperação da confiança.

“Não o conhecia [Bolsonaro] pessoalmente nem aos filhos: meu voto de confiança, como de tantos empresários e empreendedores, foi dado a Paulo Guedes [ministro da Economia], que, na fase de composição do novo governo, chegou a sugerir que eu me juntasse aos esforços”, afirma.

Seu nome foi cotado para o Ministério da Educação, área com a qual tinha proximidade, em razão do trabalho no setor privado, em companhias como a Somos Educação. Foi por causa dos negócios que Mufarej já tinha uma relação próxima com Guedes, “em quem confiava havia muitos anos”.

Em entrevista à Folha em janeiro, o empresário afirmou que não se arrepende do voto em Bolsonaro porque tomou a decisão com base nas informações que tinha àquela altura.

Hoje frustrado com o presidente, ele diz no livro que fica “aliviado por não ter aderido ao governo”, ocupando cargo, e que seu voto “jamais significou passar a mão na cabeça de ninguém, acontecesse o que acontecesse”.

Cita entre “os inúmeros tiros no pé” de Bolsonaro “os ataques à imprensa, as brigas desnecessárias com outros países, os equívocos na política ambiental e o descuido profundo com a nossa imagem no exterior”.

Outro personagem do universo político tratado no livro é o ex-ministro Ciro Gomes (PDT), que ocupou manchetes em meados de 2019 desancando o Renova no contexto da briga do partido com Tabata Amaral, pelo voto dela favorável à reforma da Previdência na Câmara dos Deputados.

Ciro atribuiu o sim ao projeto, mesmo depois da orientação do PDT para que a bancada o rejeitasse, à participação de Tabata na escola de capacitação e no movimento Acredito. Falou que a parlamentar, filiada ao PDT com o incentivo dele, compunha “partidos clandestinos” e fazia “dupla militância”.

“Ciro acha que ungiu Tabata”, escreve o autor, para quem o pedetista desconhece a trajetória de vida da deputada. “Aliás, é assim que alguns atores da política nacional se comportam. Na visão deles, ninguém chega por mérito: chega se alguém permitiu, e pelas mãos dessas pessoas que ‘autorizaram’.”

Mufarej usa a obra para repisar o mantra da renovação, a necessidade de atrair “gente boa” (um dos slogans da entidade é o de transformar pessoas comuns em “políticos fora do comum”) e a defesa de uma reforma no sistema, com debates, por exemplo, sobre a volta do financiamento por pessoas jurídicas.

Sua mensagem é a de que, sem mudanças, a política “acabaria por afundar o país” e, portanto, cabe à sociedade civil organizada fazer propostas e agir. No caso do Renova, o apoio pode ser dado via doações em dinheiro, que em 2019 vieram de 1.478 pessoas, totalizando R$ 11,4 milhões.

Amigo do apresentador Luciano Huck, envolvido na criação do Renova desde o início e integrante do conselho consultivo da entidade, o empresário é breve ao falar do que pode ser um problema para a escola em 2022: a possibilidade de que Huck saia candidato à Presidência da República.

A situação é incômoda porque suscita teses como a de que a organização funcionaria como plataforma de sustentação da candidatura (o que seria desmentido pela capilaridade partidária dos inscritos). E, mesmo que o conselheiro se afaste formalmente, a bandeira de isenção ficaria sob suspeita.

Mufarej aponta no livro a preocupação de Huck em evitar sequestrar as atenções com sua participação e combate narrativas como a de que o comunicador da TV Globo seria “um dono” do projeto. Diz que torceu fortemente para que ele concorresse em 2018, por enxergar condições favoráveis à vitória.

“Não concordamos em tudo, mas nos tornamos bons amigos. Luciano é um cara muito preparado, que tem o coração no lugar certo e quer fazer as coisas do jeito certo”, afirma ele, que estava com Huck no Carnaval de três anos atrás, em viagem a Angra dos Reis (RJ), quando ele recuou da candidatura.

“Não tenho dúvidas de que Luciano é a cara da renovação. Mas o Renova —nunca é demais dizer— não é um partido político […], não tem candidato. Apoia a democracia brasileira”, completa.

À Folha Mufarej diz que gostaria que o Brasil “tivesse a capacidade de produzir um novo projeto”, que fuja à oposição entre Lula e Bolsonaro. “São dois projetos que não deram certo. Precisamos de um que fale menos do passado e mais de futuro. Há uma excelente oportunidade para uma terceira via.”

O Renova, segundo ele, manterá a atuação voltada a candidatos novatos para o Legislativo. “Há um desequilíbrio de forças entre aqueles que detêm o poder e os que têm o desejo de participar. A mensagem mais importante é a de refutar o populismo, evitar soluções fáceis para problemas complexos.”

O empresário diz que, com o livro, buscou esclarecer pontos cruciais da trajetória da iniciativa, mas sem a pretensão de colocar a escola como o único caminho. “São múltiplos caminhos, mas é importante que a sociedade se mobilize. Se esse livro servir para estimular o inconformismo, estarei feliz.”

Joelmir Tavares/Folhapress

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