Com a saída dos americanos até setembro, abre-se o caminho para o retorno do grupo fundamentalista que não derrotaram em vinte anos. Vilma Gryzinski:
Uma
das raras politicas de Donald Trump que Joe Biden não amassou e jogou
no lixo estará implantada até o próprio 11 de setembro: a retirada de todos os militares americanos no Afeganistão.
A
data é altamente simbólica. Os atentados de 11 de setembro de 2001
estarão completando vinte anos, um prazo suficiente para que muitos
esquecessem que os ataques terroristas foram a causa da guerra no fim do
mundo, que custou 2.300 vidas e 680 bilhões de dólares aos Estados
Unidos – fora muitas dezenas de milhares de mortos entre civis e
combatentes armados afegãos.
Agora,
o círculo se completa: os talibãs, ultrafundamentalistas que davam
proteção e facilidades ao saudita Osama Bin Laden e sua Al Qaeda, estão
com tudo pronto para voltar.
Basta
um empurrãozinho no mais recente dos ineptos e corruptos governos que
se sucederam sob a égide dos americanos, que tentaram inutilmente montar
forças de segurança confiáveis, ou minimamente capazes de não
desmoronar ao menor ataque inimigo, e, mais inutilmente ainda, governos
viáveis.
Por
que os talibãs conseguiram não só sobreviver como aguentar tempo
suficiente para ver um inimigo infinitamente mais poderoso concluir que o
Afeganistão é um caso perdido?
Entre
as respostas, se inclui o fato de que o Talibã, como um movimento, tem
uma base tribal, a da etnia pashtun, majoritária no Afeganistão e uma
presença forte no vizinho Paquistão. Nessa região, a tribo é mais forte
do que tudo.
A
solidariedade tribal permitiu que os talibãs se deslocassem para o
Paquistão quando a ação de americanos e aliados ficava muito intensa. O
emaranhado paquistanês é mais complicado ainda, mas basta lembrar que
Bin Laden só foi localizado e exterminado depois de dez anos, vivendo
num casarão a um quilômetro de um quartel do exército do Paquistão.
O
Talibã também tem sua própria fonte de financiamento, os campos de
papoula de onde se extraem o ópio e a heroína. As drogas rendem cerca de
1,5 bilhão de dólares por ano. Dá bem para sustentar seus 80 mil
combatentes armados, acostumados a subsistir com quase nada nas regiões
montanhosa do país.
A
ascensão dos talibãs – nome dos estudantes das madraças, as escolas
islâmicas onde aprendiam a versão mais extremista do Islã – foi possível
porque o Afeganistão estava totalmente esgotado por vinte anos de uma
guerra civil brutal.
Os
fundamentalistas vinham sendo incentivados e financiados, inclusive
pelos Estados Unidos, desde a época em que aderiram à resistência contra
a invasão soviética, um grave erro de cálculo do tipo que tantos outros
cometeram no Afeganistão.
Os
russos achavam que baixariam a tropa, reinstalariam um governo
pró-Moscou e iriam embora. Ficaram dez anos, até surgir um Mikhail
Gorbachev para assumir o tamanho do erro.
Já
estavam fora quando o Talibã emergiu, em 1996, estabelecendo um
emirado, um governo islâmico em que as mulheres tinham que se cobrir
totalmente com a burca; ladrões tinham as mãos amputadas; adúlteros eram
executados e o estádio nacional de futebol virou palco decapitações,
visto que os esportes estavam proibidos, tal como cinema, televisão e
música.
O
fundamentalismo talibã assombrou o mundo quando duas estátuas gigantes
de Buda, esculpidas na encosta de uma montanha na época da influência
budista no país, foram dinamitadas.
O
que era um patrimônio cultural único por qualquer padrão civilizado,
para os talibãs representava apenas uma amostra de idolatria a ser
exterminada.
Abominações similares foram praticadas pelo Estado Islâmico, o ISIS, que se instalou no Iraque e na Síria.
ISIS
e Talibã seguem exatamente a mesma doutrina ultrafundamentalista,
embora tenham se estranhado quando os novos radicais do pedaço começaram
a recrutar militantes no Afeganistão.
O
Talibã vai varrer o atual governo do mapa assim que os americanos
virarem as costas ou seguir uma estratégia um pouco mais elaborada e
criar uma espécie de fachada de conciliação?
Esperar moderação de ultrafundamentalistas é ignorar as lições da realidade.
Alguma outra força externa poderia influir?
A
China, que já criou uma rede de contatos no país, rico em recursos
naturais inexplorados, tem interesse, obviamente, na estabilidade e
repudia o fundamentalismo por causa de seus próprios muçulmanos. A
Índia, que funciona basicamente movida pela rivalidade eterna com o
Paquistão e o radicalismo islâmico, está revoltada com a facilidade com
que os Estados Unidos entregam um país aos inimigos.
Os
infelizes que acreditaram na possibilidade de uma vida menos submissa
aos rigores do fundamentalismo, as mulheres que ousaram estudar, as
minorias étnicas e, claro, todos os funcionários do governo estão vendo o
chão sumir sob seus pés.
Os talibãs, que já controlam várias regiões do país, mas ficaram fora das cidades maiores, estão voltando.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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