Paulo Cappelli
O Globo
O ex-ministro Ciro Gomes afirmou em entrevista ao GLOBO não ser provável uma aliança entre os demais pré-candidatos à Presidência que, junto dele, subscreveram um manifesto pela democracia no mês passado — os outros signatários eram João Doria (PSDB), Luiz Henrique Mandetta (DEM), Eduardo Leite (PSDB), João Amoêdo (Novo) e o apresentador Luciano Huck (sem partido). Ciro afirma que nunca mais fará aliança com o PT, define o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como “tomado por ódio” e diz ter “convicção” de ter tomado a decisão certa ao ter deixado o país em 2018 durante o segundo turno da eleição entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad.
Como o senhor se define hoje? Um político de esquerda, centro-esquerda, centro…
A minha vida inteira busquei posicionamento de centro-esquerda.
E agora achei a minha casa, porque no PSDB tentei isso, mas a inflexão
de Fernando Henrique me fez sair; no PSB busquei isso, e a inflexão do
Eduardo Campos me fez sair. Já no PDT, que tem a educação como
preocupação central, estou encontrando muito conforto.
Qual a principal diferença entre a dinâmica da eleição de 2018 e a que ocorrerá em 2022?
A de 2022 será mais reflexiva do que passional. O predominante
em 2018 foi o antipetismo irracional. Quem interpretou de forma mais
tosca conseguiu se eleger. Agora, não. O predominante vai ser a busca
por soluções práticas e concretas. Antes, era a política contra a não
política. Agora, a experiência terá mais relevância. Antes havia
moralismo, por conta do escândalo moral do PT; agora é mais a questão
econômica, emprego.
A volta de Lula ao cenário eleitoral e a provável polarização dele com Bolsonaro prejudicam as suas pretensões à Presidência?
Não sei quem será o próximo presidente, mas estou seguro de que
não vai ser Bolsonaro. Isso tem importância grande porque descomprime o
eleitor. Parte do eleitorado vota no PT porque não quer Bolsonaro, ou
no Bolsonaro porque não quer o PT. À medida em que Bolsonaro passe a
aparecer como derrotado nas pesquisas, as pessoas vão tentar outra via.
Trabalho por um cenário realista no qual Lula e eu estaremos no 2º
turno, o que ofereceria ao povo debate de alto nível. E ainda admito a
possibilidade de que Bolsonaro sequer esteja na disputa.
Por quê?
A história brasileira não é de normalidade. Do Dutra
(ex-presidente Eurico Gaspar Dutra) para cá, só três presidentes eleitos
terminaram o mandato. Qual a característica dos três? Governaram o país
em expansão econômica e trabalharam até na conta do suborno para
destruir o antagonismo. Bolsonaro administra a pior crise econômica, não
tem imaginação e, quando não tem inimigo, cuida de criar. A economia
está virando vinagre. O dólar desvaloriza no mundo inteiro, mas, no
Brasil, aprecia.
No manifesto dos
presidenciáveis em defesa da democracia, ficou a impressão de que há
chance de uma candidatura única envolvendo o senhor, Doria, Amoêdo,
Eduardo Leite, Mandetta e Luciano Huck. Por outro lado, há muitas
divergências programáticas entre os seis…
O ideal seria que todo mundo que acha que o lulopetismo e o
bolsonarismo não prestam ao país fizesse enorme esforço de unificação
para dar ao povo uma via alternativa concreta e produtiva que diminuísse
o nível de ódio e paixão. Mas, realisticamente, não é provável. O
centro do colapso está na economia, emprego, dívida pública, sistema
tributário. E há um conjunto de respostas diferentes nas cabeças das
pessoas que você citou. Mas demos um sinal. De que somos capazes de,
apesar das diferenças, achar um ponto em comum: a defesa da democracia.
Mas o senhor tem mantido conversas com esses outros presidenciáveis?
Só conversei com o Mandetta, que foi quem costurou o manifesto.
Em cima da mesa, havia aquela situação do Bolsonaro, falando com tom
autoritário no cercadinho, às vésperas do aniversário do golpe. Então
valia a pena dar um sinal de comprometimento com a democracia. O mais
realista hoje é imaginar que podemos (os signatários do manifesto) fazer uma campanha de respeito mútuo que construa convergência futura e tentarmos, já agora, algumas plataformas em comum.
Quais plataformas em comum?
Vou propor, assim que houver maturidade… Vou conversar com o
PSDB, que hoje tem problema interno que não vou interferir. A esmagadora
maioria acha inconveniente a candidatura do Doria. Falo isso porque
tenho relação íntima com muitos no PSDB, como o Tasso. Se o Doria
insistir, vão lançar prévias com Eduardo Leite. O Eduardo Leite
vencendo, o PSDB ficará mais flexível para compor. É remota a
possibilidade de eu ter (como aliado) o PSDB, um partido que
tem Fernando Henrique, que tem o governador de São Paulo… Conheço meu
lugar, mas preciso sinalizar e vou chamar organicamente partidos como o
PSDB para conversar.
Com quais partidos já conversou?
Com o DEM há conversa que já deu frutos. Com apoio do PDT, que
indicou a vice, o candidato do ACM Neto, presidente do DEM, venceu a
eleição no primeiro turno em Salvador. Com o PSD, fomos de apoio ao
Kalil em BH e iremos apoiá-lo no ano que vem ao governo de Minas. A
nossa tática, do PDT, é agrupar PSB, PV, Rede, como fizemos em muitas
cidades em 2020, e expandir aliança para a centro-direita com o DEM e o
PSD. Muitas dessas conversas são conduzidas pelo (presidente do PDT)
Carlos Lupi, único que fala 100% por mim.
Em 2018, apenas o Avante
aderiu à sua coligação. Não teme que Lula concentre o apoio da esquerda e
do centro, reduzindo o seu tempo de TV e palanques regionais?
Quando Lula entra na disputa, faz tremer tudo o que está posto.
Essa é a característica dele. Tenho afeto por ele, mas não admiração
porque ele não tem nenhum tipo de escrúpulo ou limite. Então ele promete
ao Guilherme Boulos (PSOL) que o apoiará ao governo de São Paulo, mas
mantém a candidatura do Haddad. Em Pernambuco, fizeram tudo para
derrotar o filho do Eduardo Campos no ano passado, mas agora Lula foi
para lá e diz que sempre foi amigo de infância do PSB. Oferece o posto
de vice ao PSB e, ao mesmo tempo, ao Josué Gomes.
Em setembro, o senhor e Lula se encontraram no Instituto Lula. Muita gente teve a impressão de que haveria uma reaproximação…
Foi nosso último encontro. Depois, nem por telefone. Naquela
ocasião, estava um extremo azedume entre as nossas militâncias. E o
Camilo Santana fez esforço enorme para unificar. Achei que devia
colaborar. Mas Lula virou uma pessoa que, o que diz de manhã, já não
serve de tarde. Está tomado de ódio. Tudo o que domina Lula hoje é a
vontade de se vingar. Lula tem cinismo. A gente faz monitoramento de
rede. Eles continuam atacando a mim e a outras pessoas na blogosfera.
Lula dá a ordem, eles fazem. Se existe gabinete do ódio com Bolsonaro,
com o PT é igualzinho.
Essa subida no tom da sua
parte não inviabilizaria o eventual apoio do PT ao senhor caso vá para o
segundo turno contra um candidato que não seja Lula?
O lulopetista fanático não me apoiará. Prefere Bolsonaro. E
falo isso como alguém que foi contra o golpe de Estado contra Dilma,
apesar de ela ter desastrado o país. No Senado, Renan Calheiros e
Eunício Oliveira apoiaram o impeachment. Aí, eu parto para cima dessa
gente. E, um ano depois, lá está Lula agarrado a eles. E ainda tem quem
ache que devo alguma coisa ao PT. Nunca mais faço aliança com eles
Em 2018, muitos na esquerda
o criticaram por viajar para Paris no segundo turno da eleição, em vez
de declarar apoio a Haddad contra Bolsonaro. O senhor se arrepende
disso?
Pelo contrário. Eu faria hoje com muito mais convicção. Em
2018, fiz com grande angústia. Aquela eleição já estava perdida. Mesmo
somando meus votos com os do Haddad, não alcançaríamos Bolsonaro. Lula
mentiu para o povo dizendo que era candidato quando todos sabiam que não
seria. Manipulou até 22 dias antes da eleição, deixando parte da
população excitada.
Em caso de segundo turno entre Bolsonaro e Lula em 2022, vai para Paris de novo?
Como brasileiros não podem viajar para a França pela pandemia, nesse caso vou para Tonga da Mironga do Kabuleté (referência à música de Vinicius de Moraes e Toquinho).
Defina Bolsonaro, Doria, Mandetta, Huck e Lula em uma palavra ou expressão para cada.
Genocida. Não conhece o Brasil. Bem intencionado. Animador de auditório. Ególatra.
Como caminhará o PDT no Rio e em São Paulo na disputa ao governo do estado?
Em São Paulo, a situação está indefinida. No Rio, podemos
lançar o ex-prefeito de Niterói Rodrigo Neves (PDT) ou apoiar o deputado
Marcelo Freixo (PSOL).
Nenhum comentário:
Postar um comentário