Na pandemia, o sinalizador de virtude seria aquele que cobra o uso de máscaras e o respeito ao isolamento social, mas faz o contrário quando ninguém está vendo. Diogo Schelp para a Gazeta do Povo:
Mais
tempo do que o necessário foi gasto discutindo-se se o presidente Jair
Bolsonaro iria se vacinar contra covid-19. A imunização de idosos com 66
anos, sua idade, foi iniciada no Distrito Federal na semana passada.
Bolsonaro acredita que, por já ter tido covid-19, não corre o risco de
se reinfectar e não precisa se vacinar. Mas a cobrança para que se
vacinasse, vinda especialmente de uma parte da imprensa, sustentava-se
no argumento de que o presidente precisa dar exemplo aos outros
cidadãos. Seria, portanto, uma sinalização de virtude: mesmo não
acreditando, como indivíduo, ser necessário tomar a injeção, como líder
do país ele deveria deixar suas convicções de lado e fazer o gesto
simbólico de se vacinar.
Ainda
assim, do ponto de vista ético, Bolsonaro deveria se vacinar? Ou, para
não nos restringirmos apenas ao exemplo do presidente: a ética da
liderança política exige que as autoridades dêem amostras de virtude em
público, ainda que não ajam da mesma forma em privado ou que tais
demonstrações não passem de virtude de fachada?
Responder
"sim" a essas perguntas significa aceitar que a ética da liderança
política é a ética do dever. Ou seja, que pressupõe uma obrigação para
com a sociedade e regras a serem obedecidas. Se o "correto" é promover a
vacinação ou outras políticas públicas, então é nesse sentido que os
governantes devem apontar suas ações individuais.
Na
ética de Espinosa (1632-1677), o filósofo da virtude por excelência,
por sua vez, o foco está no indivíduo, que deve conhecer a si mesmo para
saber como viver de maneira virtuosa. A liberdade, assim, é
autodeterminada. A virtude é um meio, não um fim.
O
que rege as ações e as escolhas são os desejos individuais. No entanto,
para Espinosa, quando os desejos se originam de ideias inadequadas, não
passam de paixões. São os desejos oriundos de ideias adequadas, pelo
uso da razão, que resultam na verdadeira virtude.
Há
quem se irrite profundamente, na pandemia, com o se convencionou chamar
de "sinalização de virtude". A expressão é atribuída a James
Bartholomew, um escritor britânico conservador. "Sinaliza virtude"
aquele que prega determinados valores em público, mas age de maneira
diversa em privado.
Na
pandemia, o sinalizador de virtude seria aquele que cobra o uso de
máscaras e o respeito ao isolamento social, mas faz o contrário quando
ninguém está vendo.
Sinalizador
de virtude é Cláudio Castro, governador do Rio de Janeiro, quando impõe
medidas de restrição de circulação para evitar a propagação do novo
coronavírus em seu estado e, dias depois, promove uma festa de
aniversário com amigos.
O
problema, portanto, não está em defender o que é certo, o que é o
melhor para o coletivo com base no conhecimento que se tem do que pode
ser feito para evitar as mortes em massa por covid-19. A questão é o que
se espera , segundo a ética do dever, que um líder político faça —
mesmo que esse não seja o que ele, individualmente, quer ou acredita.
Mas
os líderes políticos, se incapazes de seguir a ética do dever, podem
seguir a ética da virtude de Espinosa: basta que a virtude não esteja
restrita ao que se pratica em público, sujeitando-se em privado às
ideias inadequadas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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