O radicalismo de pantufas e o bolchevismo prêt-à-porter traduzem uma busca desesperada da aprovação do “coletivo” das redações e estúdios. A coluna semanal de Flavio Gordon para a Gazeta do Povo:
Por
volta de meia-noite de 17 de julho de 1918, Yakov Yurovsky, comandante
bolchevique do pelotão de fuzilamento, entrou de supetão nos aposentos
dos Romanov, que dormiam. Ali, o chefe dos assassinos ordenou que se
vestissem depressa, informando ao czar Nicolau II que ele e sua família
seriam conduzidos para o andar térreo da Casa Ipatiev, em Ekaterimburgo
(Sibéria). Com o possível avanço do Exército Branco sobre a cidade, os
cômodos localizados nos andares superiores ficariam expostos a eventuais
disparos, disse Yurovsky, justificando a mudança, portanto, como medida
de segurança dos prisioneiros. Em coisa de 40 minutos, o czar, sua
esposa, seus cinco filhos, mais o médico da família e três serviçais
estavam prontos. Àquela altura, ainda não tinham ideia de seu real
destino.
Para
descer as escadas, Nicolau II teve de levar Alexei no colo, pois a
hemofilia aleijara o ex-herdeiro do trono, então com 13 anos, tornando-o
incapaz de andar. A czarina Alexandra veio logo em seguida, caminhando
com dificuldade por conta de dores ciáticas crônicas. Atrás desceram as
filhas, segurando pequenos travesseiros (onde se haviam escondido joias
da família), e a mais nova delas, Anastácia, também o cachorrinho da
família, um King Charles Spaniel chamado Jemmy. Na sequência, vinham o
médico e os serviçais. “Não havia sinais de hesitação ou suspeitas” –
disse Yurovsky mais tarde. “Sem lágrimas, soluços ou questionamentos.”
Finda
a descida, foram imediatamente conduzidos para um quarto subterrâneo e –
eis, decerto, o primeiro sinal de que algo não ia bem – desmobiliado. A
pedido da czarina, duas cadeiras foram trazidas (“decerto quer morrer
sentada”, comentou à socapa um dos soldados bolcheviques). Alexandra
acomodou-se numa; Alexei, noutra. Ato contínuo, Yurovsky começou a dar
instruções, organizando os prisioneiros em fila contra a parede, a
pretexto de tirar uma fotografia, a título de prova de que não haviam
escapado.
Formaram-se
duas fileiras. Na dianteira, Nicolau ocupou a posição central, tendo à
sua direita a cadeira de Alexei, e, à sua esquerda, a de Alexandra. Na
fileira de trás, restaram as filhas, o médico e os serviçais. Satisfeito
com a distribuição dos condenados, Yurovsky deu ordem para a entrada de
11 guardas armados, que se posicionaram atrás dele. Face a face com o
czar, o chefe dos assassinos apanhou um pedaço de papel e leu o seguinte
comunicado: “Tendo em vista que você e seus parentes continuam a atacar
a Rússia soviética, o Comitê Executivo de Ural decidiu executá-los”.
Diante do espanto de Nicolau, o comandante repetiu os dizeres de modo
apressado e, em seguida, disparou à queima-roupa contra o czar.
A
senha foi dada para que os demais guardas disparassem suas armas, cada
qual num alvo predeterminado, para agilizar o processo. A czarina e a
filha mais velha, Olga, chegaram a tentar fazer o sinal da cruz, mas não
tiveram tempo. Ambas morreram rapidamente, bem como o médico e dois dos
serviçais. Alexis, as outras três meninas e a senhora Demidova, criada
pessoal de Alexandra, continuavam vivos, situação de frenesi e assombro
para os assassinos, que ora disparavam como loucos.
Quase
invisíveis pela fumaça, Marie e Anastácia encolheram-se contra a
parede, cobrindo o rosto com as mãos, até que as balas as
estraçalhassem. Agonizando no chão, Alexei tentava se proteger com o
braço, e em seguida agarrou a manga da camisa do pai morto. Um dos
assassinos chutou-lhe o rosto com o pesado coturno. Alexei gemeu.
Aproximando-se, Yurovsky disparou duas vezes sua Mauser contra o ouvido
do rapaz.
Tendo
sobrevivido à primeira carga, e demonstrando uma resistência física
quase sobrenatural, a criada Demidova foi triturada por baionetas.
Tingido de sangue, o aposento silenciou por um instante. Ao transportar
os cadáveres envoltos em lençóis para um caminhão estacionado em frente
ao portão de Ipatiev, Yurovsky notou o gemido ainda agonizante de uma
das filhas. Ato contínuo, desabou sobre a moribunda uma chuva de
baionetas e coronhadas, consagrando, enfim, o silêncio da morte. Com a
família inteira no caminhão, alguém avistou ainda o cadáver do pequeno
cachorro de Anastácia, Jemmy, cujo crânio fora esmigalhado por golpes de
coronha. Seu pequeno corpo inerte foi lançado junto aos dos Romanov.
Conforme
o relato detalhado de Robert Massie em The Romanovs: The Final Chapter,
assim foi a execução do último czar russo e de sua família, mortos
pelos bolcheviques no rescaldo da revolução de outubro de 1917, por
ordem direta de Vladimir Lenin. Se você é uma pessoa normal, decerto
está horrorizado com tamanha covardia, e pode optar por não pensar muito
no assunto. Se você é um revolucionário comunista, pode até se
regozijar com a violência “redentora” (não houve, em plena Câmera dos
Deputados, uma sessão solene celebrando o centenário da Revolução que
instituiu o regime mais genocida da história humana?). O que ninguém
pode fazer, contudo, é fingir que o ocorrido não foi assim, e que a
execução sumária de uma família indefesa dentro de um porão escuro
poderia ter sido algo menos que brutal.
Digo
“ninguém pode fazer” e já me arrependo. Porque, sim, uma jornalista
brasileira – sintomaticamente, colunista do jornal que publica apologias
abertas à morte do presidente da República – foi capaz de fazê-lo,
transformando, com um abracadabra retórico, a violência brutal em
chiste, brincadeirinha, quem sabe até inspiração para a ação política
(sugerida mui graciosa e metaforicamente, é claro). Em artigo condenando
o que chamou de “ócio improdutivo” do casal príncipe Harry e Meghan
Markle, Barbara Gancia escreveu: “Bem fizeram os bolcheviques que
liquidaram a família inteira do czar Nicolas de forma profissional e
incontroversa diante de um pelotão de fuzilamento. Vapt, vupt. Agora
estão aqui. Agora não estão mais”.
É
preciso compreender a ânsia de Gancia, e de onde vem, por assim dizer,
esse seu bolchevismo cultural. Certa vez, em agosto de 2008, a pobre
coitada cometeu o deslize de publicar o texto “Olavo viu o ovo”, em que
elogiava a presciência de Olavo de Carvalho sobre o Foro de São Paulo e o
projeto socialista latino-americano, do qual o PT fazia parte. Escreveu
ela na ocasião: “Há anos, Olavo de Carvalho vem batendo na tecla do
Foro de São Paulo e, há anos, eu venho dizendo que ele não passa de um
alarmista... Todas as vezes em que vi Olavo de Carvalho alertar sobre o
Foro de São Paulo e dizer que a turma que lá se reúne tinha segundas
intenções, e que eles mentiam deslavadamente quando negavam a que
vinham, eu achava que fosse alguma forma de senilidade precoce sua, um
cacoete de quem está fora do país há tempo demais e não percebe que,
aqui na terrinha, a democracia prevaleceu e se consolidou. Pois, a
julgar pela extensa reportagem publicada na revista colombiana Cambio,
sobre o envolvimento de autoridades petistas com as Farc, Olavo de
Carvalho esteve certo todos esses anos”.
Não
sei detalhes do que a infeliz experimentou a partir de então em seu
meio profissional, mas decerto foi tão excluída e marginalizada por ter
falado bem de Olavo que não aguentou o tranco e pediu penico. Desde
então, suplica para que a aceitem de volta no clubinho “progressista”,
de onde foi expulsa à base de olhares tortos e risadinhas pelas costas
(“Ih, a Barbara enlouqueceu. Virou reaça. Agora deu até para citar Olavo
de Carvalho”). Daí a ostentação constante de seu radicalismo de
pantufas, de seu bolchevismo prêt-à-porter, que traduzem uma busca
desesperada da aprovação do “coletivo” das redações e estúdios.
Talvez
agora, com esse elogio à execução revolucionária de membros da
monarquia, Barbara Gancia tenha, enfim, sido redimida. A filha pródiga
retorna ao aconchego da patota lacradora e prafrentex. De acordo com o
comandante Yurovsky, bastaram pouco mais de 25 minutos para a execução e
remoção dos corpos dos Romanov. Para a redenção de Gancia, pouco mais
de 25 palavras. Vapt, vupt. Agora a reaça estava aqui. Agora, não está
mais. É já a revolucionária quem sobe aos céus, onde está sentada à
direita de Astrid Fontenelle no programa Saia Justa, que é o seu
paraíso.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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